Imposto no Mercosul

Fisco gaúcho quer cobrar ICMS sobre leite importado

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9 de dezembro de 2005, 16h13

O estado do Rio Grande do Sul tenta levar ao Supremo Tribunal Federal recurso contra decisão que isenta de ICMS — Imposto sobre Mercadorias e Serviços — o leite embalado para exportação. O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, é quem vai decidir se o recurso será ou não admitido.

A 1ª Turma do STJ entendeu que a isenção do ICMS não é condicionada. Simplesmente se isenta a saída do leite embalado para circulação, sem distinguir se a saída é para o consumidor ou para comercialização. Assim, a saída do leite embalado para importação também se enquadra neste contexto, por força do Tratado do Mercosul e da legislação estadual.

O Tratado do Mercosul, mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, se baseia na “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente” (artigo 1º do Decreto 350/91).

Foi com esse argumento que a empresa Leben Representações Comerciais apresentou pedido de Mandado de Segurança contra a Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul. O objetivo era que a Justiça declarasse seu direito líquido e certo à isenção do ICMS sobre o leite embalado e importado de uma empresa do Uruguai. Argumentou que a lei estadual e o Tratado do Mercosul, instituído pelo Decreto 350/01 lhe garantiam o direito.

A empresa ganhou em primeira instância, mas perdeu no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, levando-a a recorrer ao STJ. No Tribunal Superior, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Luiz Fux.

REsp 480.563

Leia a íntegra da decisão do STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 480.563 – RS (2002⁄0146332-5)

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: LEBEN REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS LTDA

ADVOGADO: CELSO LUIZ BERNARDON E OUTROS

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADOR: MARIA BEATRIZ DE OLIVEIRA E OUTROS

EMENTA

TRIBUTÁRIO. ICMS. ISENÇÃO. IMPORTAÇÃO DE LEITE DE PAÍS MEMBRO DE TRATADO FIRMADO COM O MERCOSUL. POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL ISENCIONAL.

1. Pacto de tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com "isenção de impostos, taxas e outros gravames internos" (art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, que deu validade ao Tratado do Mercosul).

2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para fazê-la.

3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que "Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional. Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força." (AgRg no AG n.º 438.449⁄RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003)

4. O Tratado do Mercosul, consoante o disposto no art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos produtos oriundos dos Estados-Membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União.

5. Deveras, a Súmula n.º 71⁄STJ ("O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM") confirma a possibilidade de, em sede de Tratado Internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional.

6. A Lei n.º 8.820⁄89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908⁄96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.

7. Decisão em consonância com a doutrina do tema encontradiça in "Tributação no Mercosul", RT, págs. 67⁄69.

8. Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (voto-vista), dar provimento ao Recurso Especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda (voto-vista) e José Delgado (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.


Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília (DF), 6 de setembro de 2005(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX

Presidente e Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator):

LEBEN REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS LTDA interpôs Recurso Especial, com fulcro na alínea "a" do inciso III, do art. 105, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

"MANDADO DE SEGURANÇA. TRATADO DO MERCOSUL.

Produto oriundo o (sic) Uruguai. Isenção não reconhecida pela ausência de concessão do benefício nos demais Estados da Federação.

Apelo provido para denegar a segurança. Reexame prejudicado." (fl. 297)

Trata-se, originariamente, de Mandado de Segurança impetrado pela empresa ora recorrente conta a Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando ver declarado o seu direito líquido e certo na isenção do ICMS sobre o leite importado de empresa sediada no Uruguai, haja vista a existência de Lei Estadual assim dispondo, bem como em razão do Tratado do Mercosul, instituído pelo Decreto nº 350⁄91.

Sustentou, em síntese, que o art. 55, III, da Lei Estadual n.º 8.820⁄89, com redação conferida pelo artigo 1º, da Lei n.º 10.908⁄96, bem como no art. 9º, do Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul (Decreto 37.699⁄97), concedem a isenção de ICMS às saídas de leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, ao passo que o art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, que deu validade ao Tratado do Mercosul, preconiza que, em matéria de impostos taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-membro gozarão, nos outros Estados-Membros, do mesmo tratamento aplicado ao produto nacional.

Consectariamente, sob estes fundamentos, e em razão do disposto no art. 98, do CTN, que preconiza a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna, pugnou pela concessão da ordem requerida.

Em suas informações, a Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, pleiteou a denegação da ordem pelos seguintes fundamentos:

"(…)

A isenção antes mencionada vem prevista no Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n.º 37.699⁄96, conforme transcrevo:

‘Art. 9º – São isentas do imposto as seguintes operações com mercadorias:

(…)

XX – saída de leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado;

(…)’ (grifos nossos)

Tal regra não tem, pois, o alcance de abranger as operações dentro de todo território nacional, as quais são o real objeto de regulação dos tratados do Mercosul e do GATT.

Na verdade, o leite ‘longa vida’ tem tratamento bastante variado nas diferentes unidades da federação.

Exemplificadamente, observemos a situação dos Estados vizinhos mais próximos, os da Região Sul.

Tanto o Paraná como Santa Catarina têm suas saídas interestaduais deste produto tributadas, ou seja, por exemplo, em havendo operações de venda de leite ‘longa vida’ para o Rio Grande do Sul, oriunda de um destes estados, haverá incidência do tributo estadual.

Já, de pronto, podemos vislumbrar a incongruência de aplicação de uma isenção para um do produto oriundo de um país estrangeiro ao passo em que os nossos vizinhos mais próximos serão onerados com o ICMS quando nos remeterem o mesmo produto.

Indo além, no Paraná, inclusive as operações internas são objeto da incidência do imposto, valendo ressaltar, neste caso, que esse produto é tributado indiferentemente de ser vendido para fora do estado ou para destinatários do próprio estado.

Vale destacar, nesse sentido, que o Rio Grande do Sul institui a isenção desse produto no âmbito das operações oriundas de nosso Estado como uma liberalidade decorrente de política fiscal própria de nosso governo.

Note-se, portanto, caso determinado contribuinte adquira esses produtos em outra unidade da Federação, Paraná por exemplo, haverá incidência do ICMS. Este, numa análise mais abrangente, consubstancia, pois, o tratamento tributário dispensado às operações com o leite ‘longa vida’ a nível nacional.

Este entendimento robustece-se ainda mais quando ponderamos que a operação de importação do estrangeiro é símile da operação interestadual e não da operação realizada dentro das fronteiras do Estado.

Sendo um critério de similaridade o que se busca, a assemelhação mais apropriada é certamente a que erige como modelo a operação interestadual, e não a interna.


Somente quando o vendedor esteja situado dentro do território de nosso Estado é que se pode afirmar incidirem as regras citadas pela impetrante, no concernente à integral exclusão do crédito tributário.

Importa ressaltar isso, tendo em vista que a aplicação de norma prevista em acordo internacional leva em conta o tratamento tributário dispensado ao produto dentro do País como um todo e não apenas no território gaúcho

(…)"

O r. Juízo monocrático concedeu a ordem pleiteada para que o leite embalado, importado do Uruguai, fosse beneficiado com a isenção tributária idêntica a do similar nacional.

Irresignado, o Estado apelou, tendo o Tribunal de origem, por unanimidade, dado provimento ao recurso , nos termos da ementa supratranscrita.

Opostos embargos de declaração restaram os mesmos rejeitados ante a inexistência da suscitada omissão.

Na presente irresignação especial, aponta a empresa recorrente, em síntese, a violação aos seguintes dispositivos legais:

a) art. 535, II, do CPC, porquanto negou-se o Tribunal em emitir pronunciamento acerca do disposto no art. 98, do CTN e 152, da Constituição Federal.

b) art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91 que preconiza que "Em matéria de impostos taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional"

c) art. 98, do CTN ("Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha") haja vista que o art. 55, da que o art. 55, III, da Lei Estadual n.º 8.820⁄89, com redação conferida pelo artigo 1º, da Lei n.º 10.908⁄96, bem como no art. 9º, do Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul (Decreto 37.699⁄97), concedem a isenção de ICMS às saídas de lei fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, e assim dispõem:

"Art. 55 – Estão isentas as saídas, nos termos e condições discriminados neste artigo, das seguintes mercadorias:

III – leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado"

"Art. 9º. São isentas do imposto as seguintes operações com mercadorias:

XX – saídas de leite fluído, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado."

Sob estes fundamentos, sustenta a recorrente que, em razão do disposto no Tratado do Mercosul (Decreto n.º 350⁄91) e o art. 98, do CTN, as operações de leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, também devem receber o benefício da isenção do ICMS conferido pela Lei Estadual.

Às fls. 361⁄383, consta Recurso Extraordinário dirigido ao STF.

Em suas contra-razões, o Estado do Rio Grande do Sul pugna, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu improvimento, sob os seguintes fundamentos:

"(…)

Os tratados firmados pela União, no que se referem a benefício fiscal relativos ao ICMS, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. O artigo 151, nos incisos I a III, estabeleceu limitações ao poder de tributar, vedando à União, relativametne aos impostos de competência dos Estados e Municípios, instituir isenções, prevendo, no art. 150, § 6º, que qualquer isenção somente poderá ser concedida, mediante lei específica – federal, estadual ou municipal.

Assim, o artigo 98 do CTN, é aplicável apenas à União, naquilo que determina a observância de Tratados, face à sua inconstitucionalidade diante dos supracitados dispositivos constitucionais."

Realizado o juízo de admissibilidade positivo do apelo extremo na instância de origem, ascenderam os autos ao E. STJ.

Inicialmente o recurso não foi conhecido. Não obstante, com fulcro no art. 259, do RISTJ, exercendo o juízo de retratação o apelo foi conhecido para determinar a inclusão do feito em pauta de julgamento.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 480.563 – RS (2002⁄0146332-5)

TRIBUTÁRIO. ICMS. ISENÇÃO. IMPORTAÇÃO DE LEITE DE PAÍS MEMBRO DE TRATADO FIRMADO COM O MERCOSUL. POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL ISENCIONAL.

1. Pacto de tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com "isenção de impostos, taxas e outros gravames internos" (art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, que deu validade ao Tratado do Mercosul).


2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para fazê-la.

3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que "Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional. Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força." (AgRg no AG n.º 438.449⁄RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003)

4. O Tratado do Mercosul, consoante o disposto no art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos produtos oriundos dos Estados-Membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União.

5. Deveras, a Súmula n.º 71⁄STJ ("O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM") confirma a possibilidade de, em sede de Tratado Internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional.

6. A Lei n.º 8.820⁄89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908⁄96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.

7. Decisão em consonância com a doutrina do tema encontradiça in "Tributação no Mercosul", RT, págs. 67⁄69.

8. Recurso Especial provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator):

Preliminarmente, verifica-se que a matéria federal foi devidamente prequestionada, motivo pelo qual merece ser conhecido o presente Recurso Especial.

A pretensão da empresa recorrente em eximir-se do recolhimento do ICMS no caso sub judice funda-se:

a) no art. 55, III, da Lei n.º 8.820⁄89, do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pelo artigo 1º, da Lei 10.908, de 30.12.96, bem como no artigo 9º do Regulamento do ICMS daquele Estado, dispositivos que concederam isenção de ICMS às saídas de leite fluído, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado, em operações realizadas no Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõem:

"Art. 55 – Estão isentas as saídas, nos termos e condições discriminados neste artigo, das seguintes mercadorias:

III – leite fluido, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado"

"Art. 9º. São isentas do imposto as seguintes operações com mercadorias:

XX – saídas de leite fluído, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado."

b) no art. 98, do CTN, que preconiza a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna, verbis:

"Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observadas pela que lhes sobrevenha"


c) no art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91, que deu validade ao Tratado do Mercosul, que assim preceitua:

"Art. 7º. Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional."

Por sua vez, o acórdão recorrido entendeu que a extensão, ao produto importado, da isenção concedida pelo Estado do Rio Grande do Sul ao similar nacional só se justificaria caso o mesmo tratamento fosse uniforme em todo o território nacional.

Preliminarmente, consoante é possível observar-se, a matéria foi decidida em nível infraconstitucional, posto invocados os artigos 98 do CTN e o Tratado do Mercusul.

Destarte, o Tratado do Mercosul, consoante o disposto no art. 7º, do Decreto n.º 350⁄91 supratranscrito, estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos produtos oriundos dos Estados-Membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União.

Ademais, revela-se evidente que, se há lei isentando de ICMS o leite no Estado do Rio Grande do Sul e se referida lei não foi contestada no âmbito de sua constitucionalidade ou legalidade, tem-se que a lei é válida no ordenamento.

Se acaso prevalecesse o entendimento esposado no acórdão recorrido seria inviável a concessão de isenção de quaisquer impostos estaduais, como o ICMS, a países signatários de acordos internacionais.

Muito embora seja assente que a União não possa conceder isenção heterônoma, é certo também que esta impossibilidade pode ser contornada em relação ao ICMS, desde que exista lei estadual prevendo a isenção, como no caso sub judice, consoante a doutrina de Carrazza (Ob. cit. p. 776)

"Esta impossibilidade pode ser contornada em relação ao ICMS e ao ISS (não em relação aos demais tributos estaduais, municipais ou distritais). Com efeito, a União, uma fez firmado e ratificado o tratado que concede isenções de ICMS ou de IS poderá usar dos permissivos contidos nos arts. 155, § 2º, XII, ‘e’, e 156, § 3º, II, ambos da CF."

Neste sentido, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

"TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO HETERÔNOMA E ACORDO INTERNACIONAL.

Quem tributa ou isenta do ICMS são os Estados, mas a União pode, por acordo internacional, garantir que a tributação, quando adotada, não discrime os produtos nacionais e os estrangeiros, em detrimento destes. Embargos de declaração acolhidos sem efeitos modificativos."

(EDRESP 147236 ⁄ RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 02⁄02⁄1998)

"TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. ICMS. TRATADO INTERNACIONAL.

1. O sistema tributário instituído pela CF⁄1988 vedou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III).

2. Em conseqüência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido.

3. A amplitude da competência outorgada a União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria carta magna.

4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo sistema tributário nacional.

5. Recurso especial improvido."

(RESP 90871 ⁄ PE, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 20⁄10⁄1997)

Deveras, a Súmula n.º 71⁄STJ ("O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM") confirma a possibilidade de, em sede de Tratado Internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional.

Ademais, a exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que "Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional. Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força." (AgRg no AG n.º 438.449⁄RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003)


In casu, a Lei n.º 8.820⁄89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908⁄96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.

Considere-se, por fim, a doutrina do tema lançada na obra coletiva, "Tributação no Mercosul", da qual se extrai o seguinte excerto do Ministro José Delgado:

"3) Considerando os arts. 1º, 5°, e 7.° do Tratado de Assunção, como devem ser tratadas, à luz do ICMS, as operações com mercadorias oriundas dos demais países do Mercosul? Serão operações de “importação” (sujeitas à alíquota interna) ou terão tratamento equiparado a operações “interestaduais” (sujeitas à mesma alíquota aplicável às operações interestaduais ou apenas a uma complementação de alíquota, se for o caso)?

O art. 1º do Tratado de Assunção tem a seguinte redação:

“Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum que deverá estar estabelecido em 31.12.1994, e que se denominará Mercado Comum do Sul (Mercosul)."

Este Mercado Comum implica:

– a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

– o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições e foros econômicos-comerciais regionais e internacionais;

– a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes; e

– o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”.

O art. 5.° contém a mensagem seguinte:

“Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constituição do Mercado Comum são:

a) um programa de Liberação Comercial que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não-tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados-Partes, para chegar a 31.12.1994 como tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo 1);

b) a coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não-tarifárias, indicados na letra anterior;

c) uma tarifa externa comum, que incentiva a competividade externa dos Estados-Partes;

d) a adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes”.

O art. 7.° está assim redigido:

“Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-Parte gozarão, nos outros Estados-Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional”.

A interpretação sistêmica dos dispositivos supra-referidos não traduzem uma modificação substancial no tratamento da aplicação das operações com mercadorias oriundas dos demais países do Mercosul, no tocante ao ICMS. O entendimento que firmo a respeito é de que são operações de “importação” e, portanto, sujeitas ao tratamento que o Direito interno fixa para fim de aplicação do ICMS. Não há motivo para se entender que tais operações terão tratamento equiparado a operações interestaduais, haja vista inexistir qualquer cláusula expressa determinando esse procedimento.

Penso que há necessidade de um acordo especifico para que tais operações deixem de ser consideradas como sendo de importação de mercadoria e, conseqüentemente, recebam o mesmo tratamento que é seguido para as operações interestaduais.

Evidenciado está que a “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente” (art. 1º, do Tratado), está vinculado a protocolos a serem firmados sobre situações específicas, conforme está a indicar o Anexo 1, complemento do art. 5° do Tratado, que trata do Programa de Liberação Comercial.


No caso do ICMS, por ser um imposto incidente sobre operações iniciadas no exterior e relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, há de prevalecer, para os efeitos do Tratado de Assunção, as etapas estabelecidas pelo programa de liberação comercial já mencionado. Segundo este, os Estados-Partes acordaram em eliminar, o mais tardara 31.01.1994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco sem se deixar de observar as listas de exceções apresentadas pela República Oriental do Uruguai e pela República do Paraguai.

O gravame, assim, a incidir pela operação de importação da mercadoria está previsto no texto constitucional, art. 155, inc. XI, letra a, quando determina que o ICMS incidirá, também, “sobre a entrada de mercadoria importada do exterior ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”.

Na mesma obra acima citada, Ives Gandra da Silva Martins, acrescenta (págs. 28⁄31):

"A matéria poderia, todavia, ser discutida no campo dos incentivos, cabendo indagar se a concessão de incentivos para atrair investimentos externos não afetaria o Tratado de Assunção.

De início, entendo que a matéria não é de natureza tributária, mas de Direito econômico, estando a regra estabelecida no art. 174 da CF, assim redigida:

“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Não vejo, pois, onde tal concessão possa afetar o art. 7° do Tratado, devendo-se lembrar que investidores dos próprios países signatários poderão, também, investir em áreas ou regiões estimuladas.

Por outro lado, na parte que diz respeito à necessidade de desenvolvimento no país, há o comando constitucional que permite tal privilégio para determinadas regiões, que é o art. 151, inc. I, assim redigido:

“É vedado à União: I. instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país”.

E, à evidência, estímulos de natureza regional, se teoricamente prejudicam outros países, também não deixam de prejudicar os demais Estados integrantes da Federação brasileira, deles não beneficiários, que nem por isto podem reclamar de sua concessão, por força da imposição suprema.

Não vejo, pois, conflito possível entre o princípio da legalidade, exposto no art. 150, inc. I, da CF e o art. 97 do CTN – que lapidaram um sistema tributário fechado no ordenamento jurídico brasileiro – e a norma aberta do Tratado, que, todavia, em matéria tributária, impõe, apenas, a negociação de Tarifa Externa Comum e o tratamento tributário interno, para investimentos, produtos e serviços dos Estados signatários, idêntico ao dispensado aos nacionais. E, quanto aos incentivos fiscais, teriam, os países signatários, o mesmo tratamento que têm, na Federação, os Estados mais ricos, se comparados aos Estados mais pobres.

3) Considerando os arts. 1º, 5º e 7º do Tratado de Assunção, como devem ser tratadas, à luz do ICMS, as operações com mercadorias oriundos dos demais países do Mercosul? Serão operações de “importação” (sujeitas à alíquota interna) ou terão tratamento equiparado a operações “interestaduais” (sujeitas à mesma alíquota aplicável às operações interestaduais ou apenas a uma complementação de alíquota, se for o caso)?

Está, o art. 1º, do Tratado de Assunção, assim redigido:

“Art. 1º Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá ser estabelecido a 31.12.1994, e que se denominará Mercado Comum do Sul (Mercosul)."

Este mercado comum implica:

– a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

– o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos-comerciais regionais e internacionais;

– a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes – de comércio-exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços alfandegários, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes, e o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas partes pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”, os arts. 5º e 7º já tendo reproduzido na resposta à primeira questão.

O art. 1.° cuida da implantação de um mercado comum dos países do Sul, segunda etapa para a criação de uma comunidade de Nações.

Os três objetivos são, de rigor, a eliminação de entraves aduaneiros de qualquer espécie, o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum e a coordenação de uma política integratória de natureza fiscal com especificação de condições.

O art. 5º reitera, por outro lado, o programa de liberação comercial pela redução dos entraves alfandegários, assim como a instrumentalização da TEC e as políticas macroeconômicas de integração comercial.

E o art. 7.° pede, apenas, tratamento tributário interno, para produtos e serviços do Mercosul, idêntico ao dos produtos nacionais."

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial.

É como voto.

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