Rota tributária

Alíquotas de ITR de 1993 só valem a partir de 1995

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8 de dezembro de 2005, 16h07

O Supremo Tribunal Federal resolveu o imbróglio causado por erro do Executivo na hora de publicar a Medida Provisória 399, em dezembro de 1993. Junto com a MP, que estabeleceu nova base de cálculo de ITR — Imposto Territorial Rural, não foi publicada a tabela que continha as alíquotas. Só em janeiro de 1994, quando a Medida Provisória virou lei (Lei 8.847), é que a tabela foi anexada.

A 2ª Turma do STF entendeu, então, que os novos valores só podem ser aplicados em 1995, um ano após a mudança do tributo. O relator foi o ministro Gilmar Mendes.

Conforme estabelece a Constituição Federal, novos tributos ou alteração em impostos já existentes só podem ser cobrados no ano seguinte da publicação da lei que instituiu a mudança. No caso do ITR, a discussão era saber se, para respeitar o princípio da anterioridade, deveria valer a data da publicação da Medida Provisória ou da lei.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que valeria o ano de 1994, já que a tabela com os preços, essencial para a cobrança do imposto, só foi publicada neste ano. O mesmo entendimento teve o MPF — Ministério Público Federal, em parecer assinado pelo subprocurador-geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos.

A União recorreu ao STF alegando que a tabela era apenas uma Instrução Normativa e, portanto, não estaria sujeita ao princípio da anterioridade.

Ao votar, o ministro Gilmar Mendes citou outra decisão do Supremo sobre caso semelhante, que ressalta a importância da lei que muda o tributo ter sido publicada no ano anterior ao de sua aplicação. “O referido princípio constitucional é uma garantia fundamental do contribuinte, não podendo ser suprimida nem mesmo por Emenda Constitucional”, disse.

Para o ministro, a tabela, publicada só em 1994, reconfigurou o imposto. Portanto, exigir a cobrança de ITR com base nesses valores a partir de 1994 fere o princípio da anterioridade. Com a decisão, a União só poderá aplicar as alíquotas de ITR instituídas pela Lei 8.847 a partir de janeiro de 1995.

Leia a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes.

29/11/2005 SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 448.558-3 PARANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

RECORRENTE(S) : UNIÃO

ADVOGADO(A/S) : PFN – MARCELO COLETTO POHLMANN

RECORRIDO(A/S) : YUKI TAKAHASHI

ADVOGADO(A/S) : YOSHIKAZU FUCUDA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Trata-se de recurso extraordinário interposto com

fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal,

contra acórdão assim ementado (fl. 268):

“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ITR. ANO BASE 1994. ALÍQUOTAS FIXADAS PELA LEI .847/94. CONVERSÃO MEDIDA PROVISÓRIA 399/03. MP RETIFICADORA. DESCUMPRIMENTO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA.

1. É pacífico o entendimento de que a Medida Provisória é lei em sentido material, sendo o veículo formal posto à disposição do Poder Executivo para regular os fatos, atos e relações do mundo fático, desde que obedecidos os critérios de urgência e necessidade que, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, dependem do poder discricionário do Presidente da República.

2. O termo inicial do prazo para cumprimento do princípio da anterioridade corresponde à data da publicação da medida provisória.

3. A Medida Provisória n. 399/03 foi publicada em 30 de dezembro de 2003 (SIC).

Contudo, na data originalmente publicada, a citada Medida Provisória não continha as alíquotas do ITR. Tal omissão fez com que fosse publicada, em 07 de janeiro de 1994, uma retificação da aludida Medida Provisória, no Diário Oficial, contendo as novas tabelas de alíquotas.

4. A retificadora não tem o condão de retroagir à data da publicação original – 30 de dezembro de 1993 – de forma a cumprir o disposto no artigo 150, III, b, da Constituição Federal de 1988 e tornar possível a cobrança do ITR ainda no ano de 1994.

5. Como o instrumento legal modificador de alíquota só foi publicado no ano de 1994, a cobrança do ITR com base nas alíquotas constantes na Lei n. 8.847/94 é vedada, nos termos do artigo 150, III, b, da Constituição Federal, para o ano de 1994.”

A recorrente interpôs recurso extraordinário de fls. 270/280, no qual sustenta:

“De início, não há que se falar em violação ao princípio constitucional da anterioridade, consagrado no art. 150, III, ‘b’, da CF/88, pois a Lei n. 8.847/94 nada mais é do que a conversão de Medida Provisória editada pelo Poder Executivo, mais especificamente a MP nº 399, de 29.12.93. A Medida Provisória convertida em lei, obedeceu o princípio da anterioridade, pois foi editada no exercício anterior.

Ainda, os parâmetros para a exação tributária foram fixados na lei, havendo somente a regulamentação pela instrução normativa. A publicação de instrução normativa não está sujeita a tal princípio, pois somente complementa a lei e a medida provisória possui força de lei desde a sua edição.”

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, em parecer do Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, reportando-se ao parecer de seu colega, Dr. Geraldo Brindeiro, manifestado no RE 401.149, (fls. 288/294):

“5. É certo que doutrina e jurisprudência são assentes em proclamar que o princípio da anterioridade consagrado no art. 150, III, “a”, da Constituição Federal inclui todos os elementos necessários à sua apuração. Assim é que leciona Luciano Amaro:

‘Pode ocorrer que o fato gerador de determinado tributo seja composto pela soma de vários fatos isolados, valorizados num. certo período de tempo, de tal sorte que só se aperfeiçoe tal fato gerador com a implementação do último daqueles fatos isolados (ou melhor, com o término do lapso de tempo dentro do qual é possível a ocorrência de fatos isolados relevantes que, no seu conjunto, implementam o fato gerador). É o que se dá com o imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, cujo fato gerador corresponde à soma algébrica de valores correspondentes a rendimentos e despesas, que vão sendo ganhos ou gastos ao longo de certo tempo.

Trata-se de fato gerador periódico, que examinaremos mais adiante, ao cuidar da classificação dos fatos geradores.

O fato gerador, aí, não se traduz, isoladamente, nos fatos ‘a’ ou ‘b’ (rendimentos), ou no fato ‘c’ (despesa). O fato gerador é a série ‘a+b- c’.

A lei, para respeitar a irretroatividade, há de ser anterior a série ‘a + b – c’, vale dizer, a lei deve preceder todo o conjunto de fatos isolados que compõem o fato gerador do tributo. Para respeitar-se o princípio da irretroatividade não basta que a lei seja prévia em relação ao último desses fatos ou ao término do período durante o qual os fatos isoladamente ocorridos vão sendo registrados’

(AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, pp. 119 e 120).

6. No mesmo sentido, o E. Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no Recurso Extraordinário n° 234.605-6, Relator o E. Ministro Ilmar Galvão, Rio de Janeiro, DJ de 01.12.2000:

‘EMENTA: TRIBUTÁRIO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IPTU. AUMENTO DA RESPECTIVA BASE DE CÁLCULO, MEDIANTE APLICAÇÃO DE INDICES GENÉRICOS DE VALORIZAÇÃO, POR LOGRADOUROS, DITADOS POR ATO NORMATIVO EDITADO NO MESMO ANO DO LANÇAMENTO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. SERVIÇO PÚBLICO QUE NÃO SE REVESTE DAS CARACTERÍSTICAS DE ESPECIFICIDADE E DIVISIBILIDADE.

Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior, é permitido aumentar tributo, como tal havendo de ser considerada a iniciativa de modificar a base de cálculo do IPTU, por meio de aplicação de tabelas genéricas de valorização de imóveis, relativamente a cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Caso em que as novas regras determinantes da majoração da base de cálculo não poderiam ser aplicadas no mesmo exercício em que foram publicadas, sem ofensa ao princípio da anterioridade. No que concerne à taxa de iluminação pública, é de considerar-se que se trata de serviço público insuscetível de ser custeado senão por via do produto dos impostos gerais. Recurso não conhecido.’

7. Assim sendo, no caso ora posto sob exame, as tabelas de alíquotas, tendo sido publicadas apenas em 1994 não poderiam alcançar o imposto devido em 1993.”

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

No presente caso discute-se se houve ou não violação ao princípio da anterioridade tributária ao se cobrar o ITR, com base na MP nº 399, de 1993, convertida na Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, referente ao fato gerador ocorrido no exercício de 1994.

Para tanto, deve-se analisar se houve instituição de imposto ou sua majoração.

Ao sentenciar, o Juiz Arthur César de Souza assim examinou a controvérsia (fls. 253/254):

“A Lei 8.847/94 é conversão da MP 399, publicada em 30.12.93. Entretanto, na publicação da MP 399 de 30.12.93 não acompanhou o Anexo I, que continha as Tabelas imprescindíveis à incidência do tributo. Assim, em 7.1.94, foi reeditada a MP 399, agora com o Anexo I e as respectivas tabelas contendo as alíquotas.

O art. 150, I e III, “a” e “b”, CF, estabelece:

‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.’

A MP 399 e a Lei 8.847/94 – a primeira explícita e a segunda implicitamente – revogaram o art. 50, da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), na redação conferida pela Lei 6.746/79. Nesse sistema, o lançamento do ITR era feito com base nas informações prestadas pelo contribuinte.

Todavia, a MP 399 e a Lei 8.847/94 inovaram aumentado o valor do tributo, pois estabeleceram um valor mínimo de terra nua por hectare (VTNm/ha), e criaram novas alíquotas.

O fato gerador do ITR, segundo a MP 399 e a Lei 8.847/94, é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, em 1º de janeiro de cada exercício, localizado fora da zona urbana do município (art. 1º, MP 399 e Lei 8.847/94).

O art. 144, caput, CTN, dispõe:

‘Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada’.

Percebe-se que a embargada, utilizando-se da MP 399 convertida, posteriormente, na Lei 8.847/94, está cobrando ITR em relação a fato gerador ocorrido no próprio exercício de 1994. Impossível se admite a existência de ‘lei’ anterior com base na MP 399 publicada em 30.12.93, porque ausente na publicação o Anexo I que trazia as tabelas, cujo conhecimento dos contribuintes era indispensável para determinação das alíquotas do tributo. A republicação da MP 399 é de ser considerada lei nova ante o disposto no art. 1º, § 4º, LICC: ‘As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”.

Assim, como a MP 399 e a Lei 8.847/94, foram publicadas, validamente, em 1994, só poderiam incidir sobre fato gerador ocorrido a partir de 1º.1.95 (art. 1º, MP 399, art. 1º, Lei 8.847/94, art. 144, caput, art. 150, I, e III, “a” e “b”, CF), jamais, a partir de 1º.1.94, como ocorreu.”

Portanto, ao se verificar que houve de fato instituição de nova configuração do imposto e que esta apenas se aperfeiçoou em 07 de janeiro de 1994, com a publicação, a título de “retificação”, do Anexo à MP 399, essenciais à caracterização e quantificação da alíquota da exação por força do mesmo diploma, conclui-se que a exigência do ITR sob esta nova modalidade, antes de 1º de janeiro de 1995, por força do art. 150, III, “b”, da CF, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária.

Cabe ressaltar que o referido princípio constitucional é uma garantia fundamental do contribuinte, não podendo ser suprimido nem mesmo por emenda constitucional, conforme assentado por esta Corte no julgamento da ADI 939, Plenário, Rel. Sydney Sanches, DJ 18.03.94.

Assim, nego provimento ao recurso.

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