Novas idéias

Como pensa o novo presidente do TJ de São Paulo

Autor

7 de dezembro de 2005, 13h45

“Não podia jamais acontecer isso, mas aconteceu. Por falta de planejamento, por falta de estrutura, por falta de orçamento”. Esse é o diagnóstico do novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Celso Luiz Limongi, sobre os mais de 550 mil recursos que entopem o Judiciário paulista.

Em entrevista concedida à Consultor Jurídico em julho último, o desembargador Limongi falou sobre a situação do Tribunal de Justiça e discorreu também sobre outras questões relevantes como o papel da Justiça em defesa do cidadão, as invasões de escritório e o controle externo do Judiciário. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.

Morosidade no TJ-SP

“Temos 550 mil processos represados. Não podia jamais acontecer isso, mas aconteceu. Por falta de planejamento, por falta de estrutura, por falta de orçamento. Então, o Judiciário tem a sua culpa, mas a culpa também cabe ao Executivo e ao Legislativo. Os cortes na Lei Orçamentária da Justiça são comuns. Nós também precisamos de verba para ter uma boa estrutura. Além disso, teve uma greve longa. Não podemos esquecer que existe um sistema judicial que é composto pelo juiz, pelo advogado, pelo promotor, e todos têm a culpa desse atraso. A culpa do advogado é recorrer quando sabe muito bem que não tem razão. O promotor insiste em recorrer quando sabe que o caso é de absolvição. Promotor atrasa processo, ele não tem prazo”.

Informatização

“A globalização exige a informatização. Lamento dizer, mas nesse quesito o Tribunal de São Paulo é dos mais atrasados. Mas nós estamos melhorando muito. O presidente Tâmbara, nesse ponto, e em vários outros pontos, foi muito progressista. Acho que ele foi um grande presidente”.

Assessoria técnica no Judiciário

“Juiz não tem apoio técnico. Os grandes escritórios de advocacia contam com matemáticos, contabilistas, financistas, estatísticos altamente especializados. Juiz não tem nada disso. A cada processo, precisa estudar para poder decidir, porque ele não é especialista. Defendo um núcleo técnico, jurídico, econômico, financeiro, dando apoio ao juiz. Algo que ele pudesse consultar, até para ver do ponto de vista financeiro, por exemplo, o que vai acontecer com a sua decisão. Acho também que os juízes de primeiro grau precisam ter um assistente jurídico. Isso existe em outros estados. Não é justo que o juiz trabalhe como trabalha. O juiz não tem hora extra”.

Orçamento do Judiciário

“No Rio de Janeiro, uma lei estadual garantiu que as custas do processo sejam destinadas diretamente para o Judiciário. Então, o que entra de dinheiro é fantástico a ponto de o presidente do Tribunal do Rio, com dinheiro do tribunal, comprar um lap-top para cada um dos 850 juízes de primeiro grau. Hoje eles são efetivamente os melhores, estão muito bem estruturados. Está na minha plataforma informatizar. E a gente consegue isso, porque nós temos dinheiro para fazer”.

Invasões de escritório

“Se quem está sendo investigado é o advogado, não há dúvida alguma que o mandado pode mesmo dirigir-se ao escritório e é possível proceder-se à busca e apreensão. Se a investigação se dirige ao cliente do advogado a situação é diferente. Da mesma forma que o médico tem garantia do sigilo, o advogado também tem. Ele não pode ser violado no exercício da sua profissão. E o advogado precisa de uma proteção mais forte, porque inúmeras vezes está lidando contra o abuso estatal. O advogado que trabalha em favor de alguém, às vezes, é sozinho, só depende dele defrontar contra um poder fortíssimo que é o poder estatal. A coação que se exerce contra o indivíduo é terrível, algemas e tudo mais. Há uma preocupação dos advogados nesse sentido e a própria Constituição considera a advocacia como uma função essencial na distribuição da Justiça”.

Uso de algemas

“A algema tem que ser usada se necessária. É claro que uma pessoa de idade, doente, não vai reagir, por exemplo, o Lalau [juiz Nicolau dos Santos Neto]. Elas devem ser usadas quando o individuo é perigoso. Perigoso no sentido de violência. O estelionatário pode ser perigoso e não violento. Ele é um indivíduo perigoso no sentido de que pratica o mal, mas apenas violência se coíbe com o uso da algema”.

Controle externo do Judiciário

“O controle externo significa redução na independência da magistratura. Há uma conotação política no CNJ, independentemente do valor dos homens que estão compondo esse Conselho. Eu sempre vou contestar as decisões do CNJ, porque eu não acho que seja um órgão legítimo, embora o Supremo houvesse reconhecido a sua constitucionalidade. Mas ele é composto de pessoas estranhas à magistratura e com indicação política. Será que eu sou obrigado a cumprir as determinações administrativas do CNJ? Isso é uma interferência terrível dentro do tribunal. Eu não sou obrigado a comprar os computadores que eles queiram que compre. Nós ficamos numa situação de verdadeira dependência. Perdemos a finalidade da administração do Tribunal”.

Corregedoria

“Funcionam para juiz de primeiro grau, a corregedoria funciona. Para juiz de segundo grau tem que ter o Conselho Nacional de Justiça sem os membros externos. Tem que ter para me fiscalizar porque eu posso atrasar o processo, posso não dar voto, posso acumular mil processos no meu gabinete. Caso contrário, eu não cumpro a minha obrigação, denego a Justiça e não acontece nada”.

Papel político do Judiciário

“Sem dúvida há uma atividade densamente política no Judiciário. O Ministério Público, como defensor da sociedade, propondo sempre ações civis públicas em razão de má administração, de improbidade administrativa e ao final o juiz profere a sua sentença e condena o administrador. Então, o juiz exerce sim uma função política muito forte hoje e há também um controle da constitucionalidade que é feita em caráter concentrado pelo Supremo, mas existe também um controle difuso. O juiz de Cardoso, a 565 quilômetros de São Paulo pode proferir uma sentença reconhecendo a inconstitucionalidade de uma lei, e isso significa que ele é um legislador negativo. Essa função do juiz de fiscalizar a constitucionalidade das leis é muito relevante sob o aspecto jurídico mesmo”.

Poder Executivo

“O Poder Executivo é um poder extremamente forte, gigantesco. Dispõe de Forças Armadas, Ministério Público, delegado, Polícia Militar, marronzinho [fiscais de trânsito], o INSS, tudo contra o indivíduo. Não dá. Litigar contra o Estado é uma covardia. Para você tirar um simples alvará numa prefeitura tem que haver uma intervenção do Judiciário. O Executivo não paga, é caloteiro, e dá o maior trabalho para o Judiciário. É o maior cliente, disparado. No estado de São Paulo a Fazenda Pública deve, a prefeitura é outra grande devedora, o INSS também é um grande devedor e isso tudo vai para o Supremo e o entope desses processos, por culpa do próprio Executivo”.

Poder legislativo

“O nosso legislador penal tem a mania de resolver tudo com a criação de leis. Define crimes hediondos, regime integralmente fechado, sem fiança, e daí em diante. Não adianta ele determinar uma pena altíssima porque depois o juiz não vai poder aplicar essa pena. A gente chama isso de “Direito Penal Mágico”, simbólico. Realmente é demagogia pura do legislador. Um bom exemplo é a falsificação de remédios. Teve uma época que falsificar remédios tinha pena altíssima, dez anos de reclusão. Só que eles a fizeram valer também para falsificação de cosméticos. Dez anos de reclusão para falsificação de esmalte de unha. Eu não daria uma pena dessa”.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!