Cumpra-se a decisão

STJ tranca ação penal contra advogada que reclamou de juiz

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6 de dezembro de 2005, 15h34

O advogado não comete crime de calúnia quando reclama no tribunal de juiz que insiste em descumprir decisão superior. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça mandou trancar ação penal contra a advogada Maria Cláudia de Seixas, denunciada pelo Ministério Público a pedido de um juiz federal.

Os ministros concederam, nesta terça-feira (6/12), Habeas Corpus impetrado pelo advogado Alberto Zacharias Toron, em nome da seccional paulista da OAB. O pedido foi ajuizado contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que negou o trancamento da ação.

Maria Claudia, que atua em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, reclamou aos desembargadores federais que o juiz vinha postergando a mais de um ano a expedição de carta rogatória para intimar testemunha que mora no exterior e que foi arrolada pela defesa num processo penal. Isso, depois de ter criado alguns percalços atípicos para o caso.

Para a advogada, a conduta do juiz poderia caracterizar prevaricação. Ofendido, o juiz federal apresentou representação ao Ministério Público, que denunciou a advogada por crime de calúnia. A Justiça recebeu a denúncia e mandou instaurar a ação penal.

No pedido de Habeas Corpus, Toron afirmou que a reação da advogada teve a exata dimensão do caso. “Há casos em que o protesto do advogado há de ser feito em termos enérgicos para que se perceba a gravidade da situação”, afirmou.

A defesa de Maria Claudia sustentou que a conduta da advogada não poderia caracterizar calúnia por porque ela “não se dirigiu aos jornais como muitos fazem e parece que está na moda fazer. Dirigiu-se discretamente ao Tribunal, em petição onde historiava as ocorrências, e, em termos duros, mas elevados, aventou a possibilidade de, em tese, ter ocorrido o crime de prevaricação”. E também porque não houve falsa imputação de fato. O juiz, realmente, ainda não havia determinado a expedição da carta rogatória.

“Admitir em tal quadro que a advogada caluniou o juiz é premiá-lo pela insólita conduta de não cumprir a liminar. Equivale a querer calar quem agiu em busca do seu direito. Tudo isso, de forma manifesta, retira a justa causa da ação penal que caminha contra a paciente”, sustentou a defesa.

Por unanimidade, os ministros da 5ª Turma acolheram os argumentos de Alberto Toron. O relator do pedido foi o ministro Félix Fischer.

HC 45.779

Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, por seu procurador (doc. 01), o Conselheiro Federal Alberto Zacharias Toron, brasileiro, casado, inscrito nos seus quadros sob o n.º 65.371, respeitosamente, vem à elevada presença de Vossa Excelência impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS

com pedido de liminar adiante explicitado em favor de Maria Claudia de Seixas, brasileira, solteira, advogada inscrita nos quadros da Corporação sob o n.º 88.552, residente na cidade de Ribeirão Preto, por estar sofrendo constrangimento ilegal da parte da Col. 2ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região que denegou a ordem de habeas corpus n.º 2005.03.00.019424-0, mantendo em andamento ação penal que apura fato absolutamente atípico.

A presente impetração arrima-se no disposto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 647 e 648, incisos I e VI, Código de Processo Penal, bem como nos relevante motivos de fato e de direito adiante articulados.


Nesses termos, do processamento,

Pede deferimento.

São Paulo, 19 de julho de 2.005.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP n.º 65.371

COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

EGRÉGIA TURMA:

DOUTA PROCURADORIA DA REPÚBLICA:

Ementa do pedido:

1. Juiz federal que, por mais de um ano, não cumpre liminar concedida em habeas corpus pelo TRF-3.

2. Advogada que, em petição, reclama ao relator do writ e afirma que, “em tese”, o juiz prevaricou.

3. Fato verdadeiro que não consubstancia calúnia da parte da advogada, ainda que inexistente o crime de prevaricação, pois a calúnia exige que o fato imputado seja falso. Ademais, a expressão “em tese” desqualifica a idéia de imputação, ficando o asserto no campo da possibilidade.

4. A calúnia só se consubstancia se o sentimento pessoal ou o interesse viessem especificados pela advogada na petição de modo a se corporificar a calúnia (STF, HC 81.504-9, DJ 31/5/02; RTJ 149/454 e RT 766/551).

5. “Não obstante a aspereza das palavras tecidas pelo advogado em petição, não há como se concluir pela intenção de imputar falsamente qualquer prática de crime ao Magistrado. Pedido de Habeas Corpus deferido, para trancar a Ação Penal, por ausência de justa causa” (HC 18.947/SP, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 29.4.2002).

I- DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL:

1. A paciente é advogada há quase vinte anos, participando de uma da mais renomadas bancas de advogados da cidade de Ribeirão Preto (SP), é professora de direito penal e nunca teve instaurado contra si procedimento de qualquer natureza. Embora sempre tivesse um comportamento profissional irrepreensível, está sendo injustamente processada pela suposta prática de calúnia contra a honra de um juiz federal (docs. 2 e 3).

2. Os fatos que dão origem à suposta ofensa chegam a ser assombrosos:

1. A paciente, no exercício da defesa de seis acusados em processo penal, dentre as 16 testemunhas arroladas por ocasião da defesa prévia, veio a indicar uma no exterior (doc. 4);

2. O MM. Juiz que presidia o feito indeferiu a expedição de Carta Rogatória (doc. 5)

3. Contra tal decisão impetrou-se habeas corpus perante o TRF-3 para se afastar o cerceamento de defesa o qual, por unanimidade de votos, foi deferido (doc. 6);

4. Não obstante a clareza do pronunciamento colegiado de Segunda Instância, deu-se que novos percalços espreitavam a paciente, pois o MM. Juiz de primeiro grau agora exigia que se recolhessem “as custas” para a expedição da malsinada Rogatória (doc. 7);

5. Novo habeas corpus é impetrado e, em liminar, a em. Relatora determinou que se expedisse a reclamada Rogatória sem o pagamento das custas (doc. 8);

6. Embora a determinação do Tribunal tivesse sido regularmente comunicada à autoridade então apontada como coatora, S. Exa., POR MAIS DE UM ANO, pasmem Vossas Excelências, DEIXOU DE CUMPRI-LA!!! (doc. 9);


7. É tenebroso, mas é isso mesmo, a autoridade judiciária deixou de cumprir a ordem do TRF; todavia, o nobre juiz federal depois se sentiu ofendido quando a paciente dirigiu enérgica petição ao mesmo Tribunal, apontando o descumprimento da liminar (docs. 10 e 11);

8. A petição redigida pela paciente e que se reputa criminosa, após historiar os fatos, registra:

“(…) ora, quem está tumultuando o feito nesse caso, é nada mais nada menos do que o digno magistrado a quo (ora apontado como autoridade coatora), que há mais de um ano não cumpre decisão emanada de Liminar!!! Enquanto isso o feito está paralisado!!! Que garantia se espera ter de um magistrado a quo que não cumpre decisão judicial de autoridade ad quem!!

Se fosse o particular, não teríamos a menor dúvida, iria responder pelo crime previsto no art. 330 do código Penal!!!

Mas, nesse caso, pode em tese, estar o magistrado a quo incorrendo na prática do delito de prevaricação – art. 319 do código penal.

Pois, o seu silêncio em não cumprir a liminar constitui fato que emerge a seguinte dedução:

Se assim vem procedendo, é para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, não há, outra explicação para tanto.

Postura judicial dolosa e lamentável, que afronta sobremaneira direitos constitucionais!!! (doc.10, grifos da denúncia, cf. doc. 2).

3. Diante do que se expôs, embora desnecessário, é bom dizer que a petição subscrita pela paciente, e citada na denúncia, foi elaborada em um contexto bastante específico, isto é, marcado pela indignação! Indignação da advogada que se sentiu desrespeitada não apenas porque a liminar não foi cumprida, mas pelo desprezo de quem deveria primar pelo respeito às ordens judiciais superiores.

3.1. Há casos em que o protesto do advogado há de ser feito em termos enérgicos para que se perceba a gravidade da situação. Foi exatamente o que fez a paciente. Não se dirigiu aos jornais como muitos fazem e parece que está na moda fazer. Dirigiu-se discretamente ao Tribunal, em petição onde historiava as ocorrências, e, em termos duros, mas elevados, aventou a possibilidade de, EM TESE, ter ocorrido o crime de prevaricação.

3.2. No contexto em que lançadas as palavras que se supõem ofensivas é preciso dizer que a advogada não estava fazendo a falsa imputação de um fato definido como crime. Sim, não é preciso muito atilamento intelectual para se perceber que depois dos muitos percalços que a paciente enfrentou para conseguir a liminar para a expedição da Rogatória, tinha fundadas razões para supor que o ofendido não havia, por tanto tempo, cumprido a liminar em razão de algum sentimento pessoal. Aliás, sendo verdadeiro o fato de que a autoridade não cumpriu a liminar, não se trata de falsa imputação de fato definido como crime. O eventual equívoco quanto ao fato verdadeiro ser criminoso, ou não, não torna caluniosa a asserção que exige a falsidade do fato e não, data venia, de sua qualificação. Depois, dizer que, EM TESE, tal ou qual conduta pode ser criminosa não preenche o tipo penal em questão.

3.3. O curioso é que, ao se justificar perante o Tribunal, o ofendido, sem cerimônia, disse, pasmem Vossas Excelências, que a advogada era a responsável pelo seu desmazelo em não cumprir a liminar porque havia “feito muitas petições” e, mais estranho, porque não havia reclamado antes. Ora, a inversão de valores é tão grande que, como já se disse, chega a ser assombroso que se tomem a sério tais explicações, aliás, transcritas na denúncia, e a paciente, por seu turno, que exerceu um dever, mais que um direito, venha a ser processada por calúnia.

3.4. Ante o inusitado da situação, paradoxal para se dizer o menos, no julgamento do writ perante o TRF o próprio Procurador Regional da República, dissentindo do parecer lançado por escrito (doc. 12), opinou pelo deferimento da ordem (doc. 13). Afinal, não pode haver dúvidas de que, se há um caso em que o advogado tem que falar em termos enérgicos, este, no qual o magistrado descumpriu uma liminar, é emblemático. Pode ser que os termos utilizados pela paciente tenham sido duros, mas isso não os torna criminosos. A propósito, o eminente Ministro Costa Leite, conduzindo aresto paradigmático no Habeas Corpus n.º 177-DF, deixou assentado o seguinte:


“Expressões que, segundo os léxicos, podem ser consideradas vergastantes à honra subjetiva, mas que, integradas ao contexto em que proferidas, não assumem conotação ofensiva. Inexistência, de qualquer modo, do animus injuriandi. Em tais condições, impende reconhecer a falta de justa causa para a ação penal. Ordem deferida." (STJ, 6ª Turma, j. 6.3.90, v.u., D.J. de 9.04.90, Sec. I, p. 2.749; JSTJ, ed. Lex, 11/175).

3.5. E, como ensina Magalhães Noronha:

"Não basta, pois, que as palavras sejam "aptas" a ofender, é mister que sejam proferidas com esse fim ". ("Direito Penal", SP., ed. Saraiva, 14ª ed. 1978, vol.II, nº 350, p. 126).

4. Não se coloca a sujeira embaixo do tapete processando o advogado. O asserto que se reputa ofensivo liga-se claramente à discussão da causa. O relator do habeas que a paciente havia impetrado no Tribunal Regional é, indiscutivelmente, a primeira autoridade que deve conhecer dos desvios do juiz da causa, especialmente quando a sua ordem não é cumprida. O fato de a paciente não ter se dirigido à Corregedoria, como se lê no parecer da Procuradoria Regional, não lhe retira o direito de expressão perante o juiz da causa e, insista-se, nos exatos termos em que buscou retratar uma inadmissível realidade. Vale dizer, o descaso para com direito de defesa, o descaso para com o trabalho do advogado e, agora, o descaso para com a liminar deferida pelo próprio Tribunal mereciam justa repulsa.

4.1. Admitir em tal quadro que a advogada caluniou o juiz é premiá-lo pela insólita conduta de não cumprir a liminar. Equivale a querer calar quem agiu em busca do seu direito. Tudo isso, de forma manifesta, retira a justa causa da ação penal que caminha contra a paciente, que é o que se espera ver reconhecido. Vejamos, porém, o problema da tipicidade objetiva do crime imputado à paciente.

5. Desde logo, é bom destacar que o crime imputado a paciente é aquele previsto no artigo 138, do Código Penal:

Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”.

5.1. Portanto, para a configuração do tipo penal em questão é preciso:

i) imputar a alguém um fato falso e;

ii) que este fato seja definido como crime.

5.2. Se é assim, dissecando-se o trecho inquinado de criminoso, verifica-se o seguinte: após a paciente afirmar que o magistrado não cumprira a decisão judicial emanada do E. TRF da 3ª Região, o que é absolutamente verdadeiro, destaca em negrito:

Mas, nesse caso, pode em tese, estar o magistrado a quo incorrendo na prática do delito de prevaricação – art. 319 do Código Penal.

Pois, o seu silêncio em não cumprir a liminar constitui fato que emerge a seguinte dedução:

Se assim vem procedendo, é para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, não há, outra explicação para tanto (doc. ).

5.3. Daí extrai-se que:

Primeiro, a paciente afirma que o magistrado pode em tese estar incorrendo na prática do delito de prevaricação – art. 319 do CP.

Segundo: que o silêncio em não cumprir a liminar levaria a dedução de que tal modo de proceder seria para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, já que não haveria outra explicação para tanto.

5.4. Desde logo, cabe aqui a seguinte questão: qual é o fato falso definido como crime está se imputando ao magistrado? Afirmar-se que ele descumpriu a liminar? Mas isso é verdadeiro!


5.5. Qualificar o fato verdadeiro como, em tese, criminoso não constitui calúnia nos termos da lei. Seria necessário que o fato imputado fosse falso. Afinal, imputar fato verdadeiro, erradamente definido como crime, não constitui calúnia.

6. Não bastasse isto que, por si só, demonstra o constrangimento ilegal em face da paciente, outra conclusão é inafastável:

6.1. Tomando-se como base a descrição da inicial acusatória. Os excertos caluniosos consistiriam na imputação ao magistrado da prática do delito de prevaricação, cuja moldura típica é a seguinte:

Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo, contra disposição expressa de lei,

para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

6.2. Ora, de fato a paciente noticiou por meio da petição ao ilustre Desembargador Relator do Habeas Corpus que o magistrado ali apontado como coator, ao deixar de cumprir por mais de um ano a liminar que determinava a expedição da Carta Rogatória, o fez indevidamente, uma vez que lhe cabia tão somente cumprir a ordem superior. No entanto, eminentes Ministros, transformar a narrativa da paciente em imputação criminosa ao magistrado representa, data venia, uma grosseira distorção dos fatos.

6.3. Primeiro porque, os excertos tidos por ofensivos se imbricam totalmente com o objeto da causa discutida pela paciente no habeas corpus – o que será objeto de discussão adiante. Segundo porque, seguindo a jurisprudência do Col. Supremo Tribunal Federal, para que a narração de fatos processuais feitos pela paciente (advogada) passasse a configurar a imputação do crime de prevaricação, era imprescindível que a paciente tivesse afirmado e referido objetivamente, o que não fez, qual o sentimento ou interesse pessoal do magistrado foi satisfeito em razão de deixar de praticar o ato que lhe impunha cumprir (STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, HC n.º 81.504-SP, DJ 34.05.2002).

6.4. E nem se diga como fez a E. Corte Regional apontada como coatora que a paciente genericamente afirmou que o silêncio do magistrado por dedução levaria a concluir que este assim agia para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal” e, portanto, dessa forma, estaria configurada a imputação do delito de prevaricação.

6.5. Com todo o respeito, não se pode aceitar tal intelecção.

6.6. Aliás, quem espanca qualquer dúvida acerca de tal conclusão ___ ou seja a ausência de identificação do interesse ou sentimento pessoal ___ é o próprio magistrado que se diz caluniado, como se vê de trecho da sua representação destacado na denúncia:

“É lamentável que essa advogada, no exercício de tão nobre profissão, sem jamais ter vindo pessoalmente falar com o juiz da causa, embora isso fosse prerrogativa sua, insinue que este Juízo tenha agido com o intuito de (sic) “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Que interesse ou sentimento pessoal seria esse, se a demora na solução do processo, na verdade, favorece aos acusados, eis que o em curso o prazo prescricional? (docs. 3 e 4).

6.7. Sem necessidade de se discutir provas, uma vez que basta ler a denúncia para se aferir o afirmado, verifica-se que a paciente não declinou qualquer interesse ou sentimento pessoal do agente público que se sentiu ofendido. Tanto é que, como se destacou acima, o próprio magistrado “vítima” questiona qual seria este sentimento ou interesse pessoal.

6.8. Ora, se para tipificar o crime de calúnia, por falsa imputação de prevaricação, era imperioso que o interesse ou sentimento pessoal na omissão do magistrado viesse declarada, só se pode concluir que o dito incriminado não constitui calúnia.


6.9. É por isso que o saudoso Ministro Victor Nunes Leal, em parecer proferido para um habeas corpus impetrado pelo também pranteado Professor Heleno Cláudio Fragoso perante o Colendo Supremo Tribunal Federal, no qual se discutia a falta de justa causa para ação penal pelo crime de calúnia, por ser atípico o fato criminoso falsamente imputado ao ofendido, que consistiria no delito de estelionato, assinalou:

“15. É que, se se trata de calúnia – falsa imputação de fato definido como crime – o grau de determinação do fato imputado encontra, no próprio texto do art. 138 do Código Penal, um mínimo indispensável de precisão e circunstanciamento, que decorre da necessária tipicidade da imputação.

16. Em outras palavras: se é de calúnia que se cogita, pode a doutrina discutir e variar a jurisprudência sobre a necessidade ou não da menção expressa, no teor da imputação falsa, a esta ou aquela circunstância acidental do crime atribuído ao ofendido; mas é inquestionável que todos os essentialia delicti hão de estar presentes no fato imputado, ou não se poderá falar de fato definido como crime, nem, via de consequência, em calúnia.

(…) É que, como se disse, não é o art. 138 do Código Penal, ao definir a calúnia que fornece ao intérprete a medida de determinação que há de ter o do fato imputado. Contenta-se o art. 138 com a tipicidade da imputação. Mas se a imputação deve ser típica, o que vai dizer da maior ou menor necessidade de especificações do fato imputado é a simplicidade em complexidade do tipo – não o da calúnia – mas o do crime que se pretende ver configurado na acusação ofensivo. Se o tipo é simples, como o do homicídio, quase nenhum pormenor é necessário, para que a calúnia se configure. Se o tipo é complexo e depende, como é notadamente a hipótese do estelionato, exame global das circunstâncias do fato, a imputação há de ser necessariamente circunstanciada para não ser atípica” (Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, ed. Borsoi, 1971, vol. 3, p. 44).

7. Mutatis mutandi, sendo o crime de prevaricação complexo, aplica-se com perfeição a lição transcrita. Não estando a prevaricação descrita com todos os seus elementos do tipo, não há que se falar em crime e, conseqüentemente, em calúnia.

7.1. Por mais esforço que se faça, sem qualquer análise probatória, percebe-se que o v. acórdão vergastado ao manter o processamento da ação penal, corrobora a ilegalidade da denúncia, na exata medida que falta à descrição da prevaricação, em tese, imputada ao magistrado ofendido, elemento típico essencial à sua configuração. A denúncia não traz a descrição de qual o sentimento ou interesse pessoal do magistrado foi satisfeito com o fato de ter deixado de praticar ato que lhe impunha. E não o fez, porque jamais este interesse ou sentimento pessoal foi ventilado! O escrito incriminado não o contém! Basta conferir a denúncia!

7.2. Ora, se para a caracterização do delito de prevaricação “o interesse ou sentimento pessoal é essencial à tipificação” (STF, RTJ 111/289) e, na afirmação reputada ofensiva, a indicação deste elemento típico não se encontra presente, não há se falar em “fato criminoso”. Portanto, fica afastada a figura da calúnia.

7.3. Aliás, como já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal em caso idêntico:

“Remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser indispensável à configuração do delito de prevaricação a demonstração concreta do interesse ou sentimento pessoal que teria movido o agente público, sem o que é atípica a conduta, por faltar elemento essencial ao tipo.

A afirmação genérica de que o funcionário age com parcialidade não caracteriza imputação de prevaricação apta a configurar o crime de calúnia. Hipótese, ademais, em que a denúncia, não mencionou concretamente, como de rigor, qual teria sido o interesse ou sentimento pessoal (afeição, simpatia, inimizade, ódio, etc) que, segundo a declaração, teria levado o promotor a agir com parcialidade, não bastando, para a caracterização do crime previsto no art. 319 do CP, a afirmação genérica de que a agente foi movido por “interesse ou sentimento pessoal” (HC n.º 81.504-9, DJ 31.05.2002).


7.4. Tanto é assim, que se considera inepta a denúncia que não descreve o interesse ou sentimento pessoal como decidiu a Col. Primeira Turma do E. STF que anulou em parte o recebimento de denúncia efetuado pela Col. Corte Especial do E. STJ, exatamente porque a inicial não especificava qual o fim especial do agir que poderia significar prevaricação (HC n.º 80.814-0-AM, rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence).

7.5. Eminentes Ministros: jamais a paciente afirmou qual o interesse ou sentimento pessoal do magistrado estava sendo satisfeito com o descumprimento da ordem do Tribunal. Suas palavras, aliás, externadas em petição dirigida diretamente ao Desembargador Relator do Habeas Corpus no qual se reclamava a inércia do magistrado em cumprir a decisão liminar, restringiu-se a dizer que o magistrado “pode, em tese, estar incorrendo na prática do delito de prevaricação – art. 319 do Código Penal” (doc. 10).

7.6. Portanto, se não há a descrição da satisfação de tal ou qual interesse ou sentimento pessoal, como já ressaltado, falta elemento essencial à caracterização do delito de prevaricação e, data venia, não se pode concluir pela existência de calúnia.

7.7. É por isso que o E. Supremo Tribunal Federal, em hipótese que se assemelha a dos autos, decidiu:

“CRIME CONTRA A HONRA – Calúnia – Descaracterização – Afirmação por advogado de que determinado juiz agiu com parcialidade – Imputação que não caracteriza a prática de prevaricação, pois imprescindível que na denúncia por este delito conste onde se encontra o dolo específico ou o especial fim de agir do tipo.

Ementa da Redação: Não caracteriza imputação da prática de prevaricação, apta a configurar calúnia, a afirmação por advogado de que determinado Juiz agiu com parcialidade, pois é impossível saber se ao Magistrado se atribuiu retardamento, omissão ou comissão de ato de ofício, modalidade diversas de realização do crime, cuja identificação, em cada caso, é exigível, uma vez que é imprescindível que na denúncia por prevaricação conste onde exatamente se encontra o dolo específico, ou o especial fim de agir que a figura do tipo exige, ou seja, a que tipo de sentimento pessoal teria cedido o suposto agente do delito funcional cogitado (STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RT 766/551).

7.8. No corpo do v. aresto, lê-se:

“… é da jurisprudência reiterada do Tribunal ser imprescindível à aptidão de quem denuncia por prevaricação que nela se decline concretamente onde se encontraria o dolo específico ou especial fim de agir que a figura reclama, ou seja, a que interesse ou sentimento pessoal teria cedido o suposto agente do delito funcional cogitado…”(RT 766/551).

7.9. No mesmo sentido, julgado do Pleno do E. STF:

“… Denúncia igualmente rejeitada, quanto ao delito de prevaricação (art.319), por falta de indicação consistente da finalidade de satisfação de interesse ou sentimento pessoal…”(RTJ 135/911).

8. E mais:

“… rejeitou a denúncia, por atipicidade da conduta do denunciado, que não poderia, mesmo em tese, configurar calúnia, pois não chegou a atribuir ao representante o haver agido, no alegado favorecimento de candidatos ao concurso, inspirado por interesse ou sentimento pessoal, sem o que não se caracterizaria a prevaricação referida na inicial...”(STF, Pleno, RTJ 135/25).


8.1. A Primeira Turma do Pretório Excelso, reiteradamente, tem afirmado:

Não há calúnia, se a imputação da prática de prevaricação é atípica, à falta de afirmação de elemento subjetivo específico à sua caracterização; possibilidade, contudo, de enquadramento da ofensa em outras modalidades de crime contra a honra”(Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 149/454).

8.2. No corpo do v. acórdão, consta:

“A calúnia é a falsa imputação da prática de um crime, cuja expressão material há de abranger, portanto, a afirmação de todos os elementos de sua definição legal. Se a imputação é típica, a calúnia existirá, ainda que, por hipótese, o agente desconhecesse a caráter criminoso da conduta que atribui ao ofendido. Ao contrário, porém, se a imputação é atípica, pouco importa que o agente erroneamente a supunha criminosa e como tal a qualifica: objetivamente, não haverá calúnia”.

(…) Acentuou, naquele caso, o voto condutor do saudoso Ministro Bilac Pinto (RTJ 86/866, 876):

« (…) Conhece-se, a propósito da determinação do fato, a variação doutrinária. Contudo, conforme o Ministro Victor Nunes Leal:

“… se é de calúnia que se cogita, pode a doutrina discutir e variar a jurisprudência sobre a necessidade ou não da menção expressa no teor da imputação falsa, a esta ou aquela circunstância acidental do crime atribuído ao ofendido, mas é inquestionável que todos os essentialia delicti hão de estar presentes no fato imputado ou não se poderá falar de fato definido como crime, nem, via de conseqüência, de calúnia (Citado, pág.46).

Outro não é o pensamento desta Corte, por exemplo: HC 48.757; RTJ 61/25, Relator Ministro Djaci Falcão; Res 51.368 e 51/711, dos quais fui Relator.

Ora, NÃO SE PODENDO FALAR, NA ESPÉCIE, NA IMPUTAÇÃO DE FATO DEFINIDO COMO CRIME, NÃO EXISTE RAZÃO DE SER PARA AÇÃO PENAL, TENDO POR EMBASAMENTO À PERSEGUIÇÃO AO CRIME DE CALÚNIA, ISTO É, CARECE ELA DE JUSTA CAUSA, EXATAMENTE POR ATIPICIDADE DAS IMPUTAÇÕES»

16. Na espécie, a calúnia estaria na imputação ao Procurador da República ofendido de omissão de ato de ofício que, segundo o agente, poderia configurar prevaricação.

17. Mas ____ abstração feita do modo condicional utilizada na alusão ao crime ____, o certo é que nem na frase questionada, nem no contexto do ofício, em que inserida, se pode vislumbrar a afirmação ou sequer a suspeita de que a suposta omissão funcional, que o agente critica, devesse ser atribuída ao propósito de satisfação de interesse ou sentimento pessoal do membro do Ministério Público ofendido”(RTJ 149/454).

8.3. No mesmo sentido: RTJ 125/21, Pleno do STF, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ 111/288, Segunda Turma, Rel. Min. Décio Miranda, RTJ 71/835 e RTJ 56/770 Segunda Turma, Rel. Min. Thompson Flores.

8.4. Diante de todo o exposto é patente a falta de justa causa para a ação penal que imputa à paciente o crime de calúnia, aguardando-se, assim, o seu trancamento como medida de J U S T I Ç A!

Da atipicidade delitiva em razão da imunidade do advogado no exercício da profissão e da evidente ausência do animus caluniandi:

9. A Constituição Federal de 1988 outorgou aos advogados a inviolabilidade por atos e manifestações que se ligam ao exercício da profissão. A jurisprudência, acertadamente, fixou que essa imunidade não é absoluta. Vale nos termos da lei. De fato, numa democracia, é inconcebível que um segmento profissional possa, em princípio, ficar impune quando incorre na prática de fato típico e não está acobertado por nenhuma causa justificadora ou exculpante.


9.1. O ponto é que, nas democracias, certas atividades, pela sua natureza, merecem uma proteção especial. Assim, historicamente, os parlamentares que têm o dever, mais que o direito, de investigar e denunciar falcatruas praticadas por agentes públicos e por poderosos. Idem, os magistrados que têm os seus predicamentos como uma garantia para a jurisdição, isto é, para neutralizar possíveis punições em decorrência de decisões que possam desagradar a “A”, “B” ou “C”. Em última análise, as garantias constitucionais outorgadas aos magistrados destinam-se à cidadania, destinatária de uma prestação jurisdicional isenta. O mesmo se dá quanto aos advogados. Suas prerrogativas representam a proteção necessária para que possa se manifestar com destemor em prol do cidadão. Não por acaso, em memorável julgamento lembrou-se que a imunidade judiciária outorgada aos advogados se assemelha à imunidade material dos parlamentares (HC n.º 81.389, rel. Min. Jobim, DJ 30/4/04).

9.2. Imagine-se o advogado que tem conhecimento de que o juiz da causa recebeu dinheiro da outra parte. Bate as portas da Corregedoria ou vai se acovardar, com medo de ser processado por calúnia? Ora, a inviolabilidade constitucional que se outorga ao advogado existe para garantir que o profissional, sem qualquer receio, erga sua voz, ou derrame a tinta de sua caneta (agora das impressoras), clamando por justiça, pelo restabelecimento do direito. Para isso tem que ‘denunciar’ erros, desvios, apontar fatos e qualificá-los. Esse não é um simples direito do advogado. É um dever para com o cidadão que representa!

9.3. Não é por acaso que as ofensas ligadas à discussão da causa, ainda que subsumíveis à calúnia, consideram-se acobertadas pela inviolabilidade, desde que necessárias, ou úteis, ao deslinde do tema debatido. No presente caso, o juiz que não cumpriu a liminar bem que poderia ter prevaricado. Pode ser que não, mas pode ser que sim. É por isso que a paciente, já marcada pela indignação, teve o cuidado de dizer que, EM TESE, o juiz prevaricou. Não mentiu.

A este respeito, em caso muito semelhante ao presente, a Colenda 5ª Turma do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em decisão relatada pelo seu atual Presidente, o ilustre Ministro EDSON VIDIGAL, já teve oportunidade de decidir:

“HABEAS CORPUS. ADVOGADO. EXCESSOS EM PEÇAS PROCESSUAIS. INJÚRIA, DIFAMAÇÃO E CALÚNIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. LEI 8.906/94.

No exercício do seu ofício, o advogado possui imunidade profissional, não podendo ser processado por eventual cometimento de injúria ou difamação (Lei 8.906, art. 7º, §2º).

Não obstante a aspereza das palavras tecidas pelo advogado em petição, não há como se concluir pela intenção de imputar falsamente qualquer prática de crime ao Magistrado.

Pedido de Habeas Corpus deferido, para trancar a Ação Penal, por ausência de justa causa. (HC 18.947/SP, v.u., j. 2.4.2002, DJ 29.4.2002, p. 266).

9.4. Igualmente, a Colenda 6ª Turma desta Egrégia Corte, em aresto relatado pelo eminente e culto Ministro PAULO MEDINA, já deixou assentado:

“HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DO ATO. CRIME DE CALÚNIA. ADVOGADO. DEFESA JUDICIAL. ANIMUS CALUNIANDI. AUSÊNCIA. ARTIGO 7º, § 2º DO ESTATUTO DA ADVOCACIA.

Evidenciado, de pronto, a ausência do intuito do paciente, no exercício da defesa de seu cliente em juízo, em ofender a honra do querelante, mister se faz o trancamento da ação penal, ante a falta do elemento subjetivo imprescindível para a caracterização do delito de calúnia.

“No cumprimento do seu dever de ofício, ou seja, na ação restrita à causa de seu patrocínio, o advogado tem a cobertura de imunidade profissional, em se tratando de crimes contra a honra. (Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º)” (RHC nº 11.474/MT).

Ordem concedida para trancar a ação penal”. (HC 20.482/RS, v.u., j. 8.4.2003, DJ 17.11.2003).


9.5. Em caso muito semelhante ao presente, a Colenda 5ª Turma deste Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em decisão relatada pelo eminente Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, já teve oportunidade de decidir:

“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA DE PROCURADORA DA REPÚBLICA. REPRESENTAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. OFENSA IRROGADA NO ÂMBITO ESPECÍFICO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. IMUNIDADE. EXCLUSÃO DO CRIME.

Sendo a ofensa irrogada circunscrita à representação de ofício, com o fim de discutir-se punição administrativa à Procuradora da República, há de ser reconhecida a imunidade profissional, porquanto a peça dita agressiva à honra nada mais é do que o preâmbulo da manifestação atinente a fato cuja atuação do causídico proponente tem sua razão única de ser.

Guardando a promoção os limites do razoável, no sentido da pretensão correicional administrativa, não há motivo para assinalar qualquer excesso punível.

A possibilidade de ter sido indicada a ofensa fora de juízo, não retira a imunidade do profissional, porquanto a nova disposição legal, artigo 7º, § 2º, da Lei 8.906/94, regulamenta a garantia constitucional, acrescendo referir que a ofensa irrogada, não se dera em juízo, mas em sede de representação de ofício junto ao órgão do Ministério Público.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por patente a imunidade do causídico Paciente” (HC 26.176/DF, j. 16.12.2003, DJ 29.3.2004, p. 257).

9.6. Igualmente, o Pretório Excelso, em aresto relatado por seu atual Presidente, Ministro NELSON JOBIM, decidiu:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL. IMUNIDADE MATERIAL DO ADVOGADO. Na hipótese de as expressões tidas por ofensivas serem proferidas em representação penal, na defesa de seu cliente e no exercício de sua profissão, mesmo que em sede de procedimento administrativo, incide a imunidade material do advogado (art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94). Está configurado o nexo causal entre o fato imputado como injurioso e a defesa exercida pelo recorrente, faltando, portanto, o elemento subjetivo do tipo. Precedente (HC 81389). Recurso em habeas corpus provido para trancar a ação penal, restando prejudicado o exame da incompetência da Justiça Militar”. (RHC 82033/AM, j. 29.10.2002, DJ 23.4.2004, p. 40)

9.7. Da mesma forma, em caso análogo, o Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já teve oportunidade de decidir:

“Falta de justa causa para a instauração de inquérito policial. Acusado que apenas representou à autoridade judiciária competente narrando arbitrariedades, envolvendo policiais e magistrado e requerendo sua apuração. Exercício regular do direito de petição. “Ausência de animus calumniandi. Tendo o paciente representado à autoridade judiciária competente narrando arbitrariedades e requerendo sua apuração, não há falar em crime de calúnia, mas no exercício do direito individual de pedir, em sede própria, a apuração de fatos possivelmente delituosos” (STF – RHC – Rel. FRANCISCO REZEK – RT 630/387)

9.8. Igualmente, o eminente Min. CELSO DE MELLO (HC nº 72.067-5-SP), em matéria relativa a crime contra a honra, deixou assentada a necessidade do elemento subjetivo para a tipificação, mesmo em tese, do delito:

“É preciso ter presente – consoante adverte NELSON HUNGRIA (Comentários ao Código Penal", vol. VI/53, item n.125, 5ª ed., 1982, Forense) – que, nos delitos de calúnia, difamação e injúria, não se pode prescindir, para efeito de seu formal reconhecimento, da vontade deliberada o positiva do agente de vulnerar a honra alheia, ele que, em tais infrações penais, "É indispensável a vontade de injuriar ou difamar, a vontade referida ao eventus aceleris, que é, no caso, a ofensa à honra” (RT 749/571, obs. Ementa à p. 565).

9.9. E prossegue o eminente Ministro em seu douto voto:


“ A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado, a partir do magistério expendido pela doutrina (JÚLIO FABBRINI MIRABETE, “Manual de Direito Penal”, vol. 2/147 e 151, 7º ed., 1993, Atlas; DAMÁSIO DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p.400, 407 e 410/411, 4ª ed., 1994, Saraiva; EUCLÍDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA, “Direito Penal – Crimes contra a pessoa”, p. 236/240, 2ª ed., 1973, RT, dentre outros), que a necessidade de narrar ou de criticar – tal como sustentado nesta impetração e no r. voto vencido – atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação alegadamente ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste (RT 527/181 – RT 540/320 – RT 541/385- RTJ 145/301) e de cuja prática não transparece o pravus animus, que constitui elemento essencial à positivação dos ilícitos penais em causa”.

9.10. Por fim, cite-se aresto da lavra do eminente Magistrado BRENNO MARCONDES:

“A Lei confere à parte ou a seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o “ex-adverso”, pois, na defesa dos interesses particulares, sobreleva necessidade, imperiosa muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia, deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa, o advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que interesses conflitantes exigem ataques mais violentos”. (TACRIM-SP – RT 597/321 – grifos nossos).

10. No caso em tela, em razão da evidente e indissociável ligação entre os fatos narrados e seu exercício profissional, é translúcida a atipicidade dos fatos, não só em razão da imunidade profissional, como porque fica clara, sem qualquer necessidade de incursão na análise da prova, a absoluta ausência do animus de caluniar o Magistrado, mas, simplesmente, o de reclamar de sua atuação profissional.

10.1. Por fim, note-se que, diferentemente do entendido pela douta autoridade inicialmente apontada como coatora no r. despacho que recebeu a denúncia e, depois, repetido pelo E. Tribunal Regional, a apreciação dos argumentos trazidos nesta impetração não depende “de um juízo de cognição plena (…) com ampla instrução no plano fático” (doc. 3). É que, os fatos aqui tratados são incontroversos: assim, não há necessidade de se aguardar a instrução para verificar sua atipicidade.

11. Sendo assim, caso não se reconheça a atipicidade objetiva dos fatos narrados na denúncia, requer-se seja reconhecida a imunidade judiciária, bem como a evidente ausência de animus caluniandi, trancando-se, por tais motivos, a ação penal.

iv – do pedido de liminar:

12. Demonstrado o “fumus boni iuris” por toda a argumentação acima expendida, o “periculum in mora” reside no fato de o feito ter a instrução em andamento o que causa enorme constrangimento a uma advogada militante.

Sendo assim, requer-se, liminarmente, apenas o sobrestamento da ação penal até o julgamento do “writ”.

Observa-se que a concessão da medida liminar não trará qualquer prejuízo ao andamento da ação penal, até porque não há prescrição iminente, uma vez que a denúncia foi recebida recentemente. Assim, caso ao final a ordem venha a ser denegada, o processo retomará seu curso normal.

Já o inverso não é verdadeiro: caso a Paciente se veja obrigada a comparecer nas audiências, ainda que ao final a ação penal seja trancada, os prejuízos de ordem moral e material sofridos serão irreparáveis, pois sua imagem pessoal e profissional será irremediavelmente arranhada.

13. Nessa conformidade, requer-se seja concedida a liminar para sobrestar o andamento da ação penal até o julgamento deste “writ”. Ao final, requer-se a concessão da ordem para trancar a ação penal, reconhecendo-se a manifesta atipicidade dos fatos narrados na denúncia.

Decidindo desta maneira, Vossas Excelências, como é costumeiro, estarão realizando a melhor

J U S T I Ç A!

São Paulo, 19 de julho de 2005.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP n.º 65.371

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