Liberdade de imprensa

Leia voto de Celso de Mello em defesa do sigilo da fonte

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6 de dezembro de 2005, 10h03

Nenhum jornalista pode ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Esse é o resumo do entendimento do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para quem essa prerrogativa de sigilo da fonte dos jornalistas é um instrumento de preservação da própria liberdade de informação.

A discussão sobre a inviolabilidade do sigilo da fonte de jornalistas voltou à tona depois que o procurador da República no Distrito Federal Bruno Acioli pediu a quebra de sigilo telefônico de quatro jornalistas que publicaram reportagens sobre corrupção envolvendo servidores do Banco Central e de dirigentes de bancos privados.

“Não haverá que se falar em manutenção do sigilo de fonte sempre que esse for prescindível ao exercício profissional ou deixar de atender á função social”, afirmou o procurador em artigo publicado nesta segunda-feira (5/12) no jornal <i>O Globo</i>.

Em decisão histórica em abril de 1996, o ministro Celso de Mello — que tem se destacado como voto condutor em casos que envolvem a liberdade de imprensa — cobriu o sigilo de fonte de aura inviolável.

“(…) nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte”, disse o ministro no julgamento do Inquérito 870-2.

Segundo o ministro, a liberdade de imprensa, na medida em que não sofre interferências governamentais ou restrições de censura, “constitui expressão positiva do elevado coeficiente democrático que deve qualificar as formações sociais genuinamente livres”. E a prerrogativa do sigilo da fonte do jornalista, nesse contexto, constitui instrumento de preservação da própria liberdade de informação.

Celso de Mello afirma que essa prerrogativa, longe de qualificar-se como mero privilégio de ordem pessoal ou estamental, configura, na realidade, “meio essencial de concretização do direito constitucional de informar, revelando-se oponível, em conseqüência, a quaisquer órgãos ou autoridades do Poder Público, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados”.

Leia o voto do ministro

INQUÉRITO 870-2 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO: MARIA APARECIDA CAMPOS STRAUS OU CIDINHA CAMPOS

DESPACHO: Defiro a promoção da douta Procuradoria-Geral da República, para que se executem as diligências propostas a fls. 129. Para esse efeito, encaminhem-se os presentes autos à Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro.

Assino o prazo de trinta (30) dias para a execução das diligências investigatórias.

2. Impõe-se observar, por necessário, uma vez identificado o jornalista que reportou o episódio concernente à “Lista do Bicho” — e que manteve contacto com a Deputada Cidinha Campos —, que esse profissional da Imprensa, sendo o caso, dispõe da prerrogativa concernente ao sigilo da fonte.


Trata-se, na realidade, de expressiva garantia de ordem jurídica, que, outorgada a qualquer jornalista em decorrência de sua atividade profissional, destina-se, em última análise, a viabilizar, em favor da própria coletividade, a ampla pesquisa de fatos ou eventos cuja revelação se impõe como conseqüência ditada por razões de estrito interesse público.

O ordenamento positivo brasileiro, na disciplina específica desse tema (Lei nº 5.250/67, art. 71), prescreve que nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte.

Para FREITAS NOBRE (“Lei da Informação”, p. 251/252, 1968, Saraiva), “O jornalista, à semelhança de outros profissionais (…), goza do direito ao segredo profissional, podendo, conforme dispõe o art. 71, não indicar o nome do informante, ou mesmo a fonte de suas informações, isto é, até mesmo o local onde obtém os elementos que lhe permitem escrever a notícia ou comentário”, eis que — tratando-se do profissional de imprensa — “este segredo é exigência social, porque ele possibilita a informação mesmo contra o interesse dos poderosos do dia, pois que o informante não pode ficar à mercê da pressão ou da coação dos que se julgam atingidos pela notícia”.

Com a superveniência da Constituição de 1988, intensificou-se, ainda mais, o sentido tutelar dessa especial proteção jurídica, vocacionada a dar concreção à garantia básica de acesso à informação, consoante enfatizado pelo próprio magistério da doutrina (WALTER CENEVIVA, “Direito Constitucional Brasileiro”, p. 52, item n. 10, 1989, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/39, 1990, Saraiva).

Essa é a razão pela qual a Carta Política, ao proclamar a declaração de direitos, nela introduziu — enquanto verdadeira pauta de valores essenciais à preservação do Estado democrático de direito — a explícita referência à indevassabilidade da fonte de informações, qualificando essa prerrogativa de ordem profissional como expressão de um dos direitos fundamentais que claramente limitam a atividade do Poder Público.

A Constituição da República, tendo presente a necessidade de proteger um dos aspectos mais sensíveis em que se projetam as múltiplas liberdades do pensamento — precisamente aquele concernente ao direito de obtenção da informação —, prescreveu, em seu art. 5º, n. XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (grifei).

Impõe-se rememorar, no ponto, o magistério de DARCY ARRUDA MIRANDA (“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 774, item n. 781, 3ª ed., 1995, RT), que, após enfatizar o alto significado político-social que assume a prerrogativa concernente ao sigilo da fonte de informação, observa:

O jornalista ou radialista que publicou ou transmitiu a informação sigilosa, ainda que interpelado, não fica obrigado a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Este silêncio é direito seu, não podendo ser interpretado neste ou naquele sentido e não fica sujeito a sanção de qualquer natureza, nem a qualquer espécie de penalidade.

Esclareça-se, porém: o que não sofre sanção civil, administrativa ou penal, é o silêncio do divulgador, não a publicação ou transmissão incriminada.” (grifei)


Cumpre enfatizar — presente o quadro normativo em referência — que, mais do que simples prerrogativa de caráter individual ou de natureza corporativa, a liberdade de informação jornalística desempenha uma relevantíssima função político-social, eis que, em seu processo de evolução histórica, afirmou-se como instrumento realizador do direito da própria coletividade à obtenção da informação (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 238/240, 10ª ed., 1995, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol I/283, item n. 184, 1989, Forense Universitária).

A liberdade de imprensa, na medida em que não sofre interferências governamentais ou restrições de caráter censório, constitui expressão positiva do elevado coeficiente democrático que deve qualificar as formações sociais genuinamente livres. E a prerrogativa do sigilo da fonte, nesse contexto, constitui instrumento de preservação da própria liberdade de informação.

Isso claramente significa que a prerrogativa concernente ao sigilo da fonte, longe de qualificar-se como mero privilégio de ordem pessoal ou estamental, configura, na realidade, meio essencial de concretização do direito constitucional de informar, revelando-se oponível, em conseqüência, a quaisquer órgãos ou autoridades do Poder Público, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados.

Daí a exata advertência de CELSO RIBEIRO BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/81-82, 1989, Saraiva):

O acesso à informação ganha uma conotação particular quando é levado a efeito por profissionais, os jornalistas. Neste caso, a Constituição assegura o sigilo da fonte. Isto significa que nem a lei nem a administração nem os particulares podem compelir um jornalista a denunciar a pessoa ou o órgão de quem obteve a informação. Trata-se de medida conveniente para o bom desempenho da atividade de informar. Com o sigilo da fonte ampliam-se as possibilidades de recolhimento de material informativo.” (grifei)

Em suma: a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder à “disclosure” da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional da Imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso, eis que — não custa insistir — os jornalistas, em tema de sigilo da fonte, não se expõem ao poder de indagação do Estado ou de seus agentes e não podem sofrer, por isso mesmo, em função do exercício dessa legítima prerrogativa constitucional, a imposição de qualquer sanção penal, civil ou administrativa.

Estas considerações — que são feitas em função da natureza das diligências investigatórias solicitadas pelo Ministério Público Federal no presente Inquérito — têm a única finalidade de indicar, de maneira bastante precisa, as áreas que se acham pré-excluídas do âmbito da investigação penal, seja por efeito de determinação legal (Lei nº 5.250/67, art. 71), seja como conseqüência de expressa imposição constitucional (CF, art. 5º, XIV).

Publique-se.

Brasília, 08 de abril de 1996.

Ministro CELSO DE MELLO

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