Defesa dos pobres

STF destaca importância da Defensoria Pública em julgamento

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5 de dezembro de 2005, 11h18

O Supremo Tribunal Federal definiu o papel da Defensoria Pública dentro do sistema jurídico brasileiro como “vital à orientação jurídica e à defesa das pessoas desassistidas e necessitadas”. A definição foi feita em voto do ministro Celso de Mello, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivos de lei estadual da Paraíba.

A princípio, tratava-se de se discutir a constitucionalidade da lei paraibana que permitia a nomeação, pelo governador do estado, de um defensor público-geral escolhido entre pessoas estranhas à carreira.

A ação foi proposta pela Anadep — Associação Nacional Dos Defensores Públicos e questionava a validade da Lei Complementar paraibana 48/03. Dois dispositivos, mais especificamente, foram combatidos pela entidade. Os artigos 10 e 16.

Os dispositivos tinham a seguinte redação: “(…) Art. 10 – A Defensoria Pública Geral é dirigida pelo Defensor Público Geral, nomeado, juntamente com o Defensor Público Geral Adjunto, pelo Governador do Estado. (…) Art. 16 – A Corregedoria da Defensoria Pública é órgão de fiscalização, disciplinamento e orientação das atividades funcionais dos integrantes de carreira e dirigida pelo Corregedor Geral, nomeado pelo Governador do Estado”.

O relator da ação foi o ministro Celso de Mello, um entusiasta do papel destinado pela Constituição à Defensoria Pública. Já de saída, apontou em seu voto: “O exame deste litígio constitucional, no entanto, impõe que se façam algumas considerações prévias em torno da significativa importância de que se reveste, em nosso sistema normativo, e nos planos jurídico, político e social, a Defensoria Pública, elevada à dignidade constitucional de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e reconhecida como instrumento vital à orientação jurídica e à defesa das pessoas desassistidas e necessitadas”.

Seu voto criticou a inércia do Poder Público quanto à prestação da Justiça às classes menos favorecidas. “Não se pode perder de perspectiva que a frustração do acesso ao aparelho judiciário do Estado, motivada pela injusta omissão do Poder Público — que, sem razão, deixa de adimplir o dever de conferir expressão concreta à norma constitucional que assegura, aos necessitados, o direito à orientação jurídica e à assistência judiciária —, culmina por gerar situação socialmente intolerável e juridicamente inaceitável”, disse Celso de Mello.

O ministro avaliou que o povo brasileiro continua não tendo acesso pleno ao sistema de administração da Justiça, apesar da experiência positiva dos juizados especiais, “cuja implantação efetivamente vem aproximando o cidadão comum do aparelho judiciário do Estado”

No entanto, para o ministro, é necessário iniciativas mais eficientes no sentido de atender às justas reivindicações da sociedade civil que, segundo ele, exige do Estado “nada mais senão o simples e puro cumprimento integral do dever que lhe impôs o artigo. 134 da Constituição da República”.

O artigo 134 tem a seguinte redação: “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.

Os artigos questionados pela Anadep foram considerados inconstitucionais. Ou seja, ficou decidido que a Defensoria Pública deve ser dirigida por membros da carreira. O ministro Celso de Mello foi acompanhado à unanimidade pelos demais integrantes do Supremo Tribunal Federal.

Leia a íntegra do voto de Celso de Mello

01/12/2005 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.903-7 PARAÍBA

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP

ADVOGADO(A/S): WLADIMIR SÉRGIO REALE


REQUERIDO(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA

ADVOGADO(A/S): IRAPUAN SOBRAL FILHO

REQUERIDO(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA PARAÍBA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, que, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP, entidade de classe de âmbito nacional, tem por finalidade questionar a validade jurídico-constitucional da Lei Complementar paraibana nº 48, de 24 de abril de 2003 (fls. 02).

O diploma legislativo estadual em referência, que alterou a Lei Complementar nº 39, de 15/03/2002 – editada para disciplinar “(…) a Organização da Defensoria Pública do Estado da Paraíba (…)” – possui o seguinte conteúdo normativo (fls. 51):

Art. 1º – Os artigos 10 e 16 da Lei Complementar nº 39, de 15 de março de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 10 – A Defensoria Pública Geral é dirigida pelo Defensor Público Geral, nomeado, juntamente com o Defensor Público Geral Adjunto, pelo Governador do Estado.

Art. 16 – A Corregedoria da Defensoria Pública é órgão de fiscalização, disciplinamento e orientação das atividades funcionais dos integrantes de carreira e dirigida pelo Corregedor Geral, nomeado pelo Governador do Estado’.

Art. 2ºFicam revogados o inciso IV do art. 27 e o artigo 95 da Lei Complementar nº 39, de 15 de março de 2002, e demais disposições em contrário.

Art. 3º – Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, em João Pessoa, 24 de abril de 2003, 114º da Proclamação da República. (…).” (grifei)

Registro que as normas legais derrogadas pelo art. 2º da Lei Complementar estadual nº 48/2003 (inciso IV do art. 27 e o art. 95 da Lei Complementar paraibana nº 39/2002) tinham a seguinte redação:

Art. 27. São atribuições do Conselho Superior:

……………………………………………

IV eleger, a partir do segundo mandato, o Defensor Público-Geral, o Defensor Público-Geral Adjunto e o Corregedor da Defensoria Pública, dentre os Defensores Públicos Especiais, para nomeação pelo Governador do Estado.

Art. 95. O Governador do Estado, no prazo de trinta (30) dias contados da publicação desta lei, nomeará o Defensor Público-Geral, o Defensor Público-Geral Adjunto e o Corregedor Geral, dentre Defensores Públicos Especiais, para mandato especial de dois anos.” (grifei)


A autora da presente ação direta sustenta a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 48/2003, do Estado da Paraíba, enfatizando que o legislador local desrespeitou o parágrafo único do art. 134 da Constituição da República (hoje renumerado como parágrafo primeiro, por efeito da EC 45/2004), ao não observar o texto de legislação nacional editada pela União Federal, consubstanciada na Lei Complementar nº 80, de 12/01/1994, que prescreve normas gerais para a organização, nos Estados-membros, da respectiva Defensoria Pública, inclusive no que concerne à definição dos critérios de investidura nos cargos de Defensor Público Geral e de Corregedor-Geral.

Alega-se, desse modo, nesta sede processual, com fundamento na cláusula inscrita no § 1º do art. 134 da Constituição da República (na redação dada pela EC 45/2004), que o Estado da Paraíba, ao transgredir os arts. 99, “caput”, e 104, “caput”, ambos da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/94), culminou por ofender, diretamente, o próprio texto da Carta Política.

A Lei Orgânica da Defensoria Pública, editada pela União Federal (LC 80/94), estabelece normas gerais, de aplicação nacional, definidoras de critérios uniformes de nomeação para os cargos de Defensor Público-Geral do Estado e de Corregedor-Geral da Defensoria Pública dos Estados-membros, fazendo-o mediante regras que possuem o seguinte conteúdo:

Art. 99. A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, na forma disciplinada pela legislação estadual.

……………………………………………

Art. 104. A Corregedoria-Geral é exercida pelo Corregedor-Geral, indicado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira em lista sêxtupla formada pelo Conselho Superior, e nomeado pelo Governador do Estado, para mandato de dois anos.” (grifei)

Eis, em síntese, os fundamentos, que, invocados pela ANADEP, autora da presente ação direta, buscam legitimar a pretensão de inconstitucionalidade ora deduzida por essa entidade de classe (fls. 11/15):

Inicialmente, a aplicação da novíssima Lei Complementar nº 48, de 24 de abril de 2003, do Estado da Paraíba (modifica a Lei Complementar nº 39, de 15 de março de 2002), como se verifica na matéria aprovada, resultaria num verdadeiro controle de constitucionalidade da lei pelo Poder Legislativo, tendo em vista que a vexata quaestio encontrava-se sob a cognição do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADIMC nº 2.829-PB, rel. o então Min. MOREIRA ALVES. Essa inequívoca usurpação de função, portanto, exercida pelo Poder Legislativo Paraibano, viola, frontalmente, o art. 102, inciso I, alínea ‘a’ da Constituição Federal, bem como o princípio de separação de poderes (C.F., art. 2º). O controle de constitucionalidade de atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário (Doc. nº 20).


……………………………………………

Por outro lado, além da flagrante inconstitucionalidade da legislação guerreada, já demonstrada nos subitens 8.2 e 8.3, como se verifica, na espécie, os dispositivos impugnados da Lei Complementar nº 48, de 24 de abril de 2003, do Estado da Paraíba, outrossim, são atentatórios a outro preceito da Constituição Federal, porque o art. 134, § único, dispõe, a todas as letras, sem margem para interpretação que não seja a declarativa, caber à Defensoria Pública, da mesma forma que ao Ministério Público, o exercício das funções essenciais à justiça. Ambas as Instituições, razoavelmente (C.F., art. 5º, LIV), detêm um regime de autonomia administrativa, inclusive com a outorga aos seus membros de certas prerrogativas inerentes à magistratura. Sendo assim, inexiste dúvida de que se está, in casu, diante de princípio a cuja observância não podem deixar de cumprir as unidades federadas, a teor da norma contida no art. 25 da Constituição da República. Não há, destarte, qualquer espaço que permita a nomeação, pelo legislador local, de outras categorias que venham a dividir o encargo de direção da Defensoria Pública Geral ou de sua Corregedoria, privativos dos defensores públicos, organizados em carreira, o qual, portanto, há de presumir-se como implicitamente compreendido no âmbito dessa Instituição que, pela sua importância ultrapassa o raio traçado pelo próprio art. 134 da Carta Magna objetivando, sobretudo, propiciar-se a garantia e o próprio Estado Democrático de Direito.

Fica patente, então, que o art. 99 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, apenas ratificou que a Defensoria Pública do Estado deve ter por chefe o Defensor Público-Geral nomeado pelo Governador do Estado, escolhido dentre os integrantes da carreira, na forma disciplinada pela legislação estadual, considerando que assim seja, em razão do preceito contido implicitamente no art. 134, § único, da Constituição. Impende observar que só com a alteração do próprio Estatuto Político da Nação é que será juridicamente possível extirpar, dos defensores públicos de carreira, as competências que lhe foram outorgadas pelos comandos constitucionais referidos, inclusive as suas Chefias, para entrega-las a outros agentes políticos. Desse modo, parece inequívoco que o art. 134, da Constituição Federal, ao se remeter à Lei Complementar, permitida pelo seu § único, para organizar a Defensoria Pública, não estava conferindo, a referida lei complementar poderes para alterar, o que foi aprovado pelo poder constituinte originário.

De igual modo, compete privativamente aos Tribunais, escolher seus órgãos diretivos (C.F., art. 96, I, ‘a’) efirmou-se a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no sentido da recepção pela Constituição de 1988, à vista do seu art. 93, do art. 102 da LOMAN de 1979, que restringe a preferência dos dirigentes dos Tribunais aos ‘seus juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção. Precedentes’. Impende ressaltar, portanto, que os Tribunais de Justiça dos Estados selecionam seus dirigentes, entre os Desembargadores mais antigos, ‘matérias que, por dizerem respeito à organização e ao funcionamento do Poder Judiciário, acham-se sujeitas, por efeito de reserva constitucional ao domínio normativo de lei complementar. Precedentes’. Diante disso, o art. 102 da LOMAN apenas explicitou os comandos constitucionais implícitos federais (93, 96, I, a e 125), da mesma forma que ocorreu com o art. 99 da LODP c/c art. 134, § único da C.F./88, tudo em harmonia com o princípio da igualdade (C.F., art. 5º, caput). Dentro do mesmo diapasão, vem, a talho-foice, o disposto no inciso III, do art. 6º, do Projeto de Lei Complementar nº 144, de 1992, de iniciativa do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que dispõe sobre o Estatuto da Magistratura Nacional (Doc. nº 22).

EM SUMA: O CONTROLE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO FEDERAL OU ESTADUAL É DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. USURPAÇÃO DE FUNÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA PARAÍBA (C.F., ART. 102, I, A), TUDO COM VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES (C.F., ART. 2º). AFRONTA, OUTROSSIM, A L.C./PB Nº 48/03 OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA IGUALDADE (C.F., ART. 5º CAPUT E LIV), TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO ART. 134, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES.” (grifei)


A Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas (fls. 249/250), limitou-se – como bem ressaltou a douta Procuradoria-Geral da República (fls. 290) – a “tecer considerações sobre o processo legislativo de formação da lei complementar estadual”, abstendo-se de contestar a pretensão de inconstitucionalidade ora deduzida nesta sede de fiscalização normativa abstrata.

O Senhor Governador do Estado da Paraíba, por sua vez, prestou, em síntese, as seguintes informações (fls. 261/265):

(…) Trata-se de Ação Direta proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP, em face da Lei Complementar n° 48, de 24 de abril de 2003, do Estado da Paraíba, que ‘altera a Lei Complementar nº 39, de 14 de março de 2002′, e que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública no Estado.

I

preliminarmente

a)

Não cabimento da ação direta

Não é caso de ação direta de inconstitucionalidade, posto não ocorrer violação direta a nenhum dispositivo constitucional; tanto assim, que o requerente se esforça, sobremaneira, para demonstrar o cabimento.

Os dispositivos indicados como violados (arts. 2°, 5°, LIV, 25, 102, I, a, e 135) não têm relação direta com as normas impugnadas.

Na verdade, a questão jurídica controvertida cinge-se ao cotejo entre a legislação federal, de natureza não constitucional (Lei Complementar n° 80/94) e a legislação estadual citada.

Isto posto, data venia, a ação não merece conhecimento, à míngua de violação à disposição constitucional, ainda que de forma reflexa.

b)

Da Legislação Federal

Ao regulamentar a Defensoria Pública da União e prescrever normas gerais para sua organização nos Estados, a legislação federal extrapolou os limites de sua amplitude constitucional, aí sim, vulnerando o art. 25, CF, ao dispor sobre administração e organização interna de pessoal, pelos Estados.

Nesse sentir, o art. 99, da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994, fere o princípio da autonomia das unidades federadas a que se referem os arts. 1° e 25, CF.

II

Mérito

A alteração da legislação deu-se na esfera das competências formal e substancial reservadas ao Estado.

No regime político republicano brasileiro, a ação de nomear e exonerar Ministros de Estado, na espécie, bem assim prover cargos públicos, no geral, é reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 84, I e XXV, CF), constituindo prejuízo à autoridade do cargo a diminuição da competência na via legal.


Com efeito, o que a legislação paraibana estabelece é possibilidade do Governador do Estado nomear seus auxiliares diretos (Secretários de Estado e equivalentes); no caso, o Procurador-Geral e seu adjunto, no âmbito da Defensoria Pública do Estado, que têm status de Secretário (cf. princípio da simetria c/c art. 142, CE/PB – anexo).

……………………………………………

III

Do requerimento

Destarte, requer o não-conhecimento da ação, à falta de fundamentos constitucionais, ou, se for o caso, a improcedência do pedido. (…).” (grifei)

O eminente Advogado-Geral da União, em pronunciamento sobre a presente ação direta (fls. 271/278), após haver rejeitado a preliminar de não-conhecimento suscitada pelo Governador do Estado (fls. 273/274), concluiu no sentido de que o “Estado da Paraíba usurpou a competência legislativa reservada a lei complementar federal, e legislou extrapolando os limites materiais de sua competência, inobservando o princípio da simetria, destoando, assim, do art. 25 e do parágrafo único do art. 134, ambos da Constituição Federal” (fls. 277/278 – grifei).

O eminente Procurador-Geral da República, Dr. CLAUDIO FONTELES, por sua vez, opinou em igual sentido, manifestando-se pela integral procedência da presente ação direta (fls. 289/293), com apoio em parecer assim ementado (fls. 289):

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Defensoria Pública. Organização pelos Estados-membros.

A Lei Complementar n° 48, de 2003, do Estado da Paraíba, padece de inconstitucionalidade, pois inova em matéria constitucionalmente reservada à lei complementar federal, na forma do art. 134, parágrafo único, da Constituição Federal.

Parecer pela procedência da ação.” (grifei)

Este é o relatório, de cujo texto a Secretaria remeterá cópia a todos os Senhores Ministros deste Egrégio Supremo Tribunal Federal (Lei nº 9.868/99, art. 9º, “caput”; RISTF, art. 172).

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Preliminarmente, cumpre reconhecer que a Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP, como entidade de classe de âmbito nacional, encontra-se investida de legitimidade ativa “ad causampara a instauração de processo de controle normativo abstrato perante esta Suprema Corte.

A análise da estrutura, da organização e da composição da ANADEP revela que a Associação Nacional dos Defensores Públicos constitui associação civil que congrega “Defensores Públicos do País, aposentados ou não, para a defesa de suas prerrogativas, direitos e interesses, pugnando pela independência e prestígio da Defensoria Pública” (Estatuto, art. 1º).

O quadro social dessa entidade de classe tem, “como associados efetivos, os Defensores Públicos que requererem a sua inscrição (…)” (Estatuto, art. 3º), cabendo-lhes o poder de deliberar nas assembléias gerais dessa associação civil (Estatuto, art. 11, I), além do direito de participação no processo destinado a eleger os membros integrantes “dos Conselhos Diretor, Fiscal e Consultivo (…)” (Estatuto, art. 11, II e respectivo parágrafo único).


A autora da presente ação direta, por sua vez, como resultou demonstrado nestes autos, atende à exigência jurisprudencial do requisito pertinente à espacialidade, tendo atuação em todo o território nacional, além de possuir associados em pelo menos nove Estados-membros da Federação (RTJ 141/03-04, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 147/03-04, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É importante ressaltar, portanto, que a autora da presente ação direta ajusta-se à compreensão que esta Suprema Corte expressou em relação ao conceito de entidade de classe, para efeito de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, cabendo referir, por relevante, na linha de decisões proferidas por esta Corte, que a ANADEP qualifica-se como “(…) entidade representativa de uma categoria cujas atribuições receberam um tratamento constitucional específico, elevadas à qualidade de essenciais à Justiça” (RTJ 186/969-970, Rel. Min. ELLEN GRACIE).

Em suma: o exame dos estatutos sociais da ANADEP – que congrega membros componentes da carreira jurídica da Defensoria Pública da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal – evidencia que se trata de entidade de classe de âmbito nacional, cuja estrutura permite assimilá-la a outras entidades de classe, como a CONAMP (RTJ 189/200) -, a AMB (ADI 3.053/PA), a ADEPOL (ADI 1.517/União Federal), a ANAPE (RTJ 150/485), a ANAUNI (RTJ 186/969-970) a AJUFE (ADI 3.126/DF) e a ANAMATRA (ADI 2.885/SE), a quem esta Suprema Corte reconheceu assistir qualidade para agir em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

Entendo configurada, desse modo, a legitimidade ativaad causam” da Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP para fazer instaurar este processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.

Cabe verificar, agora, se se registra, na espécie, o requisito concernente à pertinência temática, que se caracteriza – na linha do magistério jurisprudencial que esta Corte firmou na matéria – pela existência de nexo de afinidade entre os objetivos institucionais da associação de classe que ajuíza a presente ação direta e o conteúdo material do diploma legislativo por ela impugnado nesta sede processual.

Os estatutos sociais da ANADEP assim definem as finalidades que lhe são inerentes e cuja colimação constitui a própria razão de ser que motivou a instituição dessa entidade de classe de âmbito nacional (fls. 20/21):

Art. 2º São finalidades da Associação Nacional de Defensores Públicos – ANADEP:

I representar e promover, por todos os meios, em âmbito nacional, a defesa das prerrogativas, dos direitos e interesses individuais e coletivos dos seus associados efetivos, em juízo ou fora dele, velando pela unidade institucional da Defensora Pública, nos termos do art. 5°, inciso XXI, da Constituição Federal, após prévia aprovação e autorização assemblear;


II prestar apoio às Associações de Defensores Públicos dos Estados, da União, do Distrito Federal e dos Territórios;

III promover e incentivar a realização de eventos de Defensores Públicos para a discussão de temas jurídicos e doutrinários de seu interesse;

IV colaborar com os Poderes Constituídos no aperfeiçoamento da ordem jurídica, fazendo representações, indicações, requerimentos ou sugestões à legislação existente ou a projetos em tramitação;

Veditar o seu informativo;

VIatuar em proteção e defesa do meio ambiente, consumidor, do Patrimônio artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

VIIarticular-se com instituições nacionais e estrangeiras, por filiação, intercâmbio ou convênio;

VIIIpromover ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), em face de lei ou ato normativo, nos termos do art. 103, IX, da Constituição Federal;

IXajuizar ação individual ou coletiva, mandados de segurança, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei, objetivando a salvaguarda dos direitos, garantias e prerrogativas de seus sócios efetivos;

Xpugnar por justa e digna remuneração, condizente com a importância do cargo de Defensor Público.” (grifei)

O exame comparativo das finalidades estatutárias da ANADEP (Estatuto, art. 2º) com o conteúdo normativo do diploma legislativo ora impugnado na presente ação direta evidencia a ocorrência, no caso, do vínculo de pertinência temática, pois a Lei Complementar nº 48/2003 do Estado da Paraíba dispõe sobre matéria referente à escolha do Defensor Público-Geral e demais agentes integrantes da Administração Superior da Defensoria Pública estadual, veiculando disciplina normativa contestada pela entidade de classe em questão, que sustenta – em fiel cumprimento aos seus objetivos sociais (Estatuto, art. 2º) – a transgressão, pela referida lei complementar local, da autonomia orgânica e administrativa dessa instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

Vê-se, pois, presente o contexto ora em análise, que o conteúdo material do diploma legislativo em causa suscita a discussão, na espécie, de questão impregnada de altíssimo interesse, pertinente ao reconhecimento, ou não, de que assiste, à Defensoria Pública dos Estados-membros, a prerrogativa da autonomia institucional.

Cabe referir, finalmente, no que concerne à questão da pertinência temática, o que sustenta a autora da presente ação direta, quando – ao discorrer sobre o conteúdo material do diploma ora impugnado (processo de escolha do Defensor Público-Geral, do Defensor Público-Geral Adjunto e do Corregedor Geral da Defensoria Pública) – salienta que a mencionada lei complementar estadual afeta, de modo direto, “a independência e o prestígio dos Defensores Públicos do país (…)” (fls. 02), asseverando, ainda, o que se segue (fls. 02):

A Anadep atua na defesa das prerrogativas, direitos e interesses dos Defensores Públicos do País, pugnando pela independência e prestígio da Defensoria Pública, sendo, portanto, uma entidade representativa de uma carreira, cujas atribuições receberam um tratamento constitucional específico, elevadas à qualidade de essenciais à Justiça, caracterizando, na espécie, a pertinência entre o seu objeto estatutário e o interesse na causa.” (grifei)


Reconheço, desse modo, a ocorrência, na espécie, do vínculo de pertinência temática, em ordem a viabilizar o julgamento final da controvérsia jurídico-constitucional suscitada na presente causa.

Superadas as questões preliminares, passo a analisar o fundo da controvérsia em discussão na presente sede processual.

O exame deste litígio constitucional, no entanto, impõe que se façam algumas considerações prévias em torno da significativa importância de que se reveste, em nosso sistema normativo, e nos planos jurídico, político e social, a Defensoria Pública, elevada à dignidade constitucional de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e reconhecida como instrumento vital à orientação jurídica e à defesa das pessoas desassistidas e necessitadas.

É imperioso ressaltar, desde logo, Senhor Presidente, a essencialidade da Defensoria Pública como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que também são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por esse motivo que a Defensoria Pública foi qualificada pela própria Constituição da República como instituição essencial ao desempenho da atividade jurisdicional.

Não se pode perder de perspectiva que a frustração do acesso ao aparelho judiciário do Estado, motivada pela injusta omissão do Poder Público – que, sem razão, deixa de adimplir o dever de conferir expressão concreta à norma constitucional que assegura, aos necessitados, o direito à orientação jurídica e à assistência judiciária -, culmina por gerar situação socialmente intolerável e juridicamente inaceitável.

Lamentavelmente, o povo brasileiro continua não tendo acesso pleno ao sistema de administração da Justiça, não obstante a experiência altamente positiva dos Juizados Especiais, cuja implantação efetivamente vem aproximando o cidadão comum do aparelho judiciário do Estado. É preciso, no entanto, dar passos mais positivos no sentido de atender à justa reivindicação da sociedade civil que exige, do Estado, nada mais senão o simples e puro cumprimento integral do dever que lhe impôs o art. 134 da Constituição da República.

Cumpre, desse modo, ao Poder Público, dotar-se de uma organização formal e material que lhe permita realizar, na expressão concreta de sua atuação, a obrigação constitucional mencionada, proporcionando, efetivamente, aos necessitados, plena orientação jurídica e integral assistência judiciária, para que os direitos e as liberdades das pessoas atingidas pelo injusto estigma da exclusão social não se convertam em proclamações inúteis, nem se transformem em expectativas vãs.

A questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de maneira inconseqüente, porque, de sua adequada organização e efetiva institucionalização, depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas – que sofrem inaceitável processo de exclusão que as coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais.

De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República.


É preciso reconhecer, desse modo, que assiste, a toda e qualquer pessoa – especialmente quando se tratar daquelas que nada têm e que de tudo necessitam -, uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades.

Torna-se imperioso proclamar, por isso mesmo, que toda pessoa tem direito a ter direitos, assistindo-lhe, nesse contexto, a prerrogativa de ver tais direitos efetivamente implementados em seu benefício, o que põe em evidênciacuidando-se de pessoas necessitadas (CF, art. 5º, LXXIV) – a significativa importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública.

É que, Senhor Presidente, sem se reconhecer a realidade de que a Constituição impõe, ao Estado, o dever de atribuir aos desprivilegiados – verdadeiros marginais do sistema jurídico nacional – a condição essencial de titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade, nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando-se, assim, um dos objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º, I).

Vê-se, portanto, de um lado, a enorme relevância da Defensoria Pública, enquanto Instituição permanente da República e organismo essencial à função jurisdicional do Estado, e, de outro, o papel de grande responsabilidade do Defensor Público, em sua condição de agente incumbido de viabilizar o acesso dos necessitados à ordem jurídica justa, capaz de propiciar-lhes, mediante adequado patrocínio técnico, o gozo – pleno e efetivo – de seus direitos, superando-se, desse modo, a situação de injusta desigualdade sócio- -econômica a que se acham lamentavelmente expostos largos segmentos de nossa sociedade.

A autora da presente ação sustenta, inicialmente, que o Estado da Paraíba, ao editar o diploma legislativo ora questionado nesta sede processual (LC nº 48/2003) – que derrogou legislação local (Lei Complementar estadual nº 39/2002) então submetida a processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante esta Corte (ADI 2.829/PB, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA) -, teria usurpado atribuição do Supremo Tribunal Federal, pois – segundo alega (fls. 11/13, item n. 8) – a Assembléia Legislativa dessa unidade da Federação não poderia aprovar nova legislação (precisamente a que ora se examina nesta causa) para modificar lei estadual (LC nº 39/2002, art. 27, IV, e art. 95, bem assim determinadas expressões normativas constantes dos arts. 10 e 16) que se encontrava pendente de julgamento, por esta Corte Suprema, no âmbito da referida ADI 2.829/PB.

Entendo inocorrente essa alegada eiva de inconstitucionalidade.

É que a mera instauração do processo de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto de impugnação perante este Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar, com idêntico conteúdo material, o diploma anteriormente pronunciado inconstitucional por esta Suprema Corte, eis que não se estende, ao Parlamento, a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de inconstitucionalidade proferida em sede concentrada.

Esse entendimento – que reconhece inexistir qualquer situação caracterizadora de usurpação na hipótese em causa – é corroborado por diversas decisões desta Corte (RTJ 150/726-727, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RTJ 151/416-417, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 177/160, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE):

A instauração do controle normativo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal não impede que o Estado venha a dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada nos atos estatais impugnados, especialmente quando o conteúdo material da nova lei implicar tratamento jurídico diverso daquele resultante das normas questionadas na ação direta de inconstitucionalidade.


(RTJ 157/773, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A mera instauração do processo de fiscalização normativa abstrata não impede o exercício, pelo órgão estatal competente, da prerrogativa de praticar os atos que se inserem na esfera de suas atribuições institucionais: o de criar leis e o de revogá-las.

O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não tem, pois, o condão de suspender a tramitação de procedimentos legislativos ou de reforma constitucional que objetivem a revogação de leis ou atos normativos cuja validade jurídica esteja sob exame da corte, em sede de controle concentrado.

A suspensão cautelar da eficácia do ato normativo impugnado em ação direta – não obstante restaure, provisoriamente, a aplicabilidade da legislação anterior por ele revogada – não inibe o Poder Público de editar novo ato estatal, observados os parâmetros instituídos pelo sistema de direito positivo.

(RTJ 146/461-462, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Cabe ressaltar, por relevante, que essa orientação vem de ser reafirmada em recente julgamento proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal:

Não custa relembrar, neste ponto, que essa posição – style=”mso-bidi-font-weight: normal”>que tem o autorizado respaldo doutrinário do eminente Ministro GILMAR MENDES, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>em obra escrita em co-autoria com o Professor IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (“style=”mso-bidi-font-weight: normal”>Controle Concentrado de Constitucionalidade”, p. 526/529, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>itens ns. 7.5.5 e 7.5.6, e p. 533/534, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>item n. 7.5.6.2, 2ª ed., 2005, Saraiva) – style=”mso-bidi-font-weight: normal”>reflete-se, hoje, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>na norma inscrita no parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>cuja constitucionalidade foi reconhecida por esta Suprema Corte no julgamento da Rcl 1.880-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA.

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei estadual. (…). Liminar concedida pelo STF. Edição de lei posterior, de outro Estado, com idêntico conteúdo normativo. Ofensa à autoridade da decisão do STF. Não caracterização. Função legislativa que não é alcançada pela eficácia ‘erga omnes’, nem pelo efeito vinculante da decisão cautelar na ação direta. Reclamação indeferida liminarmente. Agravo regimental improvido. Inteligência do art. 102, § 2º, da CF, e do art. 28, § único, da Lei federal nº 9.868/99. A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os do Poder Executivo, não alcançando o legislador, que pode editar nova lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender a autoridade daquela decisão.

(Rcl 2.617-AgR/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

Não custa relembrar, neste ponto, que essa posição – style=”mso-bidi-font-weight: normal”>que tem o autorizado respaldo doutrinário do eminente Ministro GILMAR MENDES, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>em obra escrita em co-autoria com o Professor IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (“style=”mso-bidi-font-weight: normal”>Controle Concentrado de Constitucionalidade”, p. 526/529, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>itens ns. 7.5.5 e 7.5.6, e p. 533/534, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>item n. 7.5.6.2, 2ª ed., 2005, Saraiva) – style=”mso-bidi-font-weight: normal”>reflete-se, hoje, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>na norma inscrita no parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, style=”mso-bidi-font-weight: normal”>cuja constitucionalidade foi reconhecida por esta Suprema Corte no julgamento da Rcl 1.880-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, tem advertido, com apoio nessa orientação e, também, com suporte no preceito legal ora referido, que o efeito vinculante somente se estende ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário:

EFICÁCIA VINCULANTE E FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 28 DA LEI Nº 9.868/99.

As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos (‘erga omnes’) e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em conseqüência, à necessária observância por tais órgãos estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico- -constitucional de determinada lei ou ato normativo. Precedente.

(RTJ 187/150-152, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Por tais razões, Senhor Presidente, entendo que o Estado da Paraíba, ao revogar legislação que estava sendo questionada em sede de controle normativo abstrato (ADI 2.829/PB), vindo a dispor, de modo diverso, sobre matéria que nela se achava disciplinada, não usurpou, ao contrário do que sustenta a autora, a competência do Supremo Tribunal Federal, eis que – como precedentemente enfatizado – a eficácia vinculante inerente ao julgamento cautelar e/ou final do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade não se estende ao Poder Legislativo.

Passo, desse modo, a examinar a alegação do Senhor Governador do Estado da Paraíba de que a presente controvérsia constitucional revelar-se-ia insuscetível de apreciação nesta sede de fiscalização abstrata, porque – segundo afirma o Chefe do Poder Executivo local – a ANADEP, ao estabelecer cotejo entre a Lei Complementar estadual nº 48/2003 e a Lei Complementar nacional nº 80/94 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública), objetivando, com tal confronto normativo, demonstrar ocorrência de transgressão ao que dispõe ao art. 134, § 1º, da Constituição, estaria, na realidade, sustentando uma hipótese de ofensa meramente reflexa ou indireta ao texto da Lei Fundamental, o que se mostraria incabível em sede de ação direta.

Examino essa questão apenas agora, porque intimamente vinculada ao próprio fundo da controvérsia em julgamento. É que se discute, na espécie, se os Estados-membros da Federação – distanciando-se do modelo que a União definiu em sede de normas gerais destinadas a estruturar, de maneira homogênea, a organização da Defensoria Pública no âmbito de tais unidades federadas – podem, ou não, dispor de modo diverso daquele estabelecido em legislação nacional (Lei Orgânica da Defensoria Pública – Lei Complementar nº 80/94, no caso) emanada da União Federal no exercício de atribuição normativa que lhe foi expressamente outorgada pela própria Constituição da República (art. 134, § 1º).

Ou, em outras palavras, cabe indagar se o Estado-membro dispõe de competência para, sem transgredir a Constituição da República, legislar em oposição às normas gerais que a União Federal, com apoio em expressa delegação constitucional, tenha editado a propósito de matéria submetida ao regime de competência legislativa concorrente, tal como sucede com a Defensoria Pública (CF, art. 24, XIII, c/c o art. 134, § 1º).

É evidente que não assiste, ao Estado-membro, a possibilidade constitucional de contrariar, no domínio de legislação concorrente, as diretrizes gerais que a União Federal estabelecer em sede de legislação nacional de princípios, pois, tratando-se de temas objeto da competência concorrente a que alude a Carta Política, dentre os quais a própria Defensoria Pública (CF, art. 24, XIII), há uma precisa delimitação jurídica que bem discrimina o âmbito material de intervenção normativa de cada uma dessas pessoas políticas, reservando-se, à União Federal, a competência para legislar sobre normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e atribuindo-se, ao Estado-membro, o exercício de “competência suplementar” (CF, art. 24, § 2º, “in fine”).

É relevante assinalar, neste ponto, que, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), nas quais se estabelece verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal e os Estados-membros (RAUL MACHADO HORTA, “Estudos de Direito Constitucional”, p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas, torna-se imperioso distinguir, em tal matéria, a existência de 2 (duas) ordens de legislação: de um lado, a legislação nacional de princípios ou de normas gerais, cuja formulação incumbe à União Federal (CF, art. 24, § 1º), e, de outro, as leis estaduais de aplicação e execução das diretrizes fixadas pela União Federal (CF, art. 24, § 2º).

Isso significa, portanto, que a União Federal, ultrapassando o domínio normativo das regras gerais, não pode, sob pena de transgredir domínio constitucionalmente reservado ao Estado-membro, editar legislação que desça a pormenores, que minudencie condições específicas ou que se ocupe de detalhamentos que descaracterizem o coeficiente de maior generalidade e abstração que se requer das normas gerais referidas no texto da Constituição, pois estas, mais do que as fórmulas simplesmente genéricas contidas nas leis em sentido material, hão de veicular princípios, diretrizes e bases essenciais à regulação de determinada matéria especificada no art. 24 da Carta Política.

Desse modo, e se é certo, de um lado, como adverte PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 01, de 1969”, tomo II/169-170, item n. 3, 2ª ed., 1970, RT), que, nas hipóteses referidas no já mencionado art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe, quanto a elas, de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir a esfera de competência normativa dos Estados- -membros, não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na Lei Complementar nº 80/94), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade.

Extremamente precisa, sob tal aspecto, a observação de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 01, de 1969”, tomo II/170, item n. 3, 2ª ed., 1970, RT), em magistério no qual acentua que “A legislação estadual que se não limita à função supletiva ou complementar é inconstitucional (…)” (grifei).

Cabe assinalar, no entanto, neste ponto, que, inexistindo legislação nacional sobre normas gerais, os Estados-membros poderão exercera competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades” (CF, art. 24, § 3º), tal como esta Suprema Corte já teve o ensejo de reconhecer e proclamar (RTJ 166/406-407, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Com essa cláusula, inscrita no art. 24, § 3º, da Constituição, o legislador constituinte, pondo termo a dissenso doutrinário que então lavrava, perfilhou orientação exposta no magistério de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (“Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/98-98, 2ª ed., Saraiva), PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969”, tomo II/168-176, 2ª ed., 1970, RT) e MICHEL TEMER (“Elementos de Direito Constitucional”, p. 55, 1982, RT), que, dentre outros autores, já salientavam, no regime constitucional anterior, a possibilidade de o Estado-membro desempenhar, em plenitude, as suas atribuições normativas em relação às matérias postas pela Carta Política sob o regime da competência legislativa concorrente.

Tal situação, porém, não se registra na espécie ora em exame, eis que a União Federal, no estrito desempenho de sua competência para editar a legislação fundamental ou de princípios sobre a organização e a estruturação da Defensoria Pública no plano estadual, prescreveu normas gerais disciplinadoras de tal matéria.

O Estado da Paraíba, não obstante a existência das referidas normas gerais (LC nº 80/94, arts. 99 e 104), veio a dispor de modo inteiramente contrário ao estabelecido na legislação fundamental, editada, validamente, pela União Federal, com apoio no § 1º do art. 134, c/c o art. 24, XIII, ambos da Constituição da República, assim interferindo – considerada a inocorrência da hipótese a que alude o art. 24, § 3º, da Carta Política – em domínio que lhe é constitucionalmente vedado.

Outro não tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal a propósito dessa matéria, daí resultando julgamentos plenários, que, revendo anterior orientação (RTJ 184/113-114, v.g.), fixaram diretriz consubstanciada em acórdãos assim ementados:

1. A Constituição do Brasil contemplou a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las.

2. É inconstitucional lei estadual que amplia definição estabelecida por texto federal, em matéria de competência concorrente.

3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

(ADI 1.245/RS, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

(…) 5. Repartição das Competências legislativas. CF arts. 22 e 24. Competência concorrente dos Estados- -membros. Produção e consumo (CF, art. 24, V); proteção de meio ambiente (CF, art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII).

……………………………………………

O espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de competência concorrente, abre-se: (1) toda vez que não haja legislação federal, quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; e (2) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a definição de peculiaridades regionais. Precedentes.

6. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha a dispor em diametral objeção a esta. (…).

(RTJ 180/160-161, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

A Constituição Federal, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 (…), deferiu ao Estado- -membro, eminexistindo lei federal sobre normas gerais’, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). A questão da lacuna normativa preenchível.

Uma vez reconhecida a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal em temas afetos às pessoas portadoras de deficiência, e enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado- -membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, § 3º, da Carta Política. (…).

(RTJ 166/406-407, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre registrar, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (ADI 3.098/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO) – no qual se discutia a invasão, por determinado Estado-membro, da esfera de competência da União Federal para legislar sobre normas gerais (diretrizes e bases da educação nacional) -, não só conheceu da ação direta como, também, julgou-a procedente, para declarar a inconstitucionalidade da legislação estadual, reafirmando, desse modo, a orientação jurisprudencial que venho de referir.

Impende acentuar, neste ponto, como já ressaltado, que, em tema de Defensoria Pública, a Constituição outorgou, à União Federal, atribuição para fixar normas gerais pertinentes à organização, no plano local, dessa instituição (CF, art. 134, § 1º, c/c o art. 24, XIII), reservando, aos Estados-membros, o exercício da competência suplementar, respeitadas, no entanto, as diretrizes básicas estabelecidas na legislação fundamental ou de princípios, consubstanciada, instrumentalmente, na Lei Complementar nº 80/94, que fixa as bases essenciais, de aplicação nacional, definidoras dos requisitos mínimos de investidura nos cargos de Defensor Público-Geral do Estado, de seu substituto e do Corregedor-Geral da Defensoria Pública dos Estados-membros, fazendo-o mediante regras que possuem o seguinte conteúdo:

Art. 99. A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, na forma disciplinada pela legislação estadual.

§ 1º O Defensor Público-Geral será substituído em suas faltas, licenças, férias e impedimentos pelo Subdefensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre os integrantes da carreira, na forma da legislação estadual.

……………………………………………

Art. 104. A Corregedoria-Geral é exercida pelo Corregedor-Geral, indicado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira em lista sêxtupla formada pelo Conselho Superior, e nomeado pelo Governador do Estado, para mandato de dois anos.” (grifei)

Ocorre, no entanto, como precedentemente assinalado, que a legislação estadual ora questionada estabeleceu normas frontalmente contrárias aos critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal, por efeito de expressa outorga fundada no § 1º do art. 134 da Constituição da República, culminando, assim, o diploma legislativo local, por ofender, diretamente, o próprio texto da Carta Política.

Torna-se oportuno relembrar, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o magistério doutrinário de TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR (“Normas Gerais e Competência Concorrente”, “in” Revista Trimestral de Direito Público, nº 7/1994, p. 19, item n. 12, Malheiros):

A competência suplementar não se confunde com o exercício da competência plena ‘para atender a suas peculiaridades’ conforme consta do § 2º, que é competência para editar normas gerais eventualmente concorrentes. Se assim fosse, o § 3º seria inútil ou o § 3º tornaria inútil o § 2º. (…) Isto nos leva a concluir que a competência suplementar não é para a edição de legislação concorrente, mas para a edição de legislação decorrente, que é uma legislação de regulamentação, portanto, de normas gerais que regulam situações já configuradas na legislação federal e às quais não se aplica o disposto no § 4º (ineficácia por superveniência de legislação federal), posto que, com elas, não concorrem (se concorrem, podem ser declaradas inconstitucionais). É, pois, competência que se exerce à luz de normas gerais da União e não à falta delas.” (grifei)

Entendo, por isso mesmo, Senhor Presidente, que a Lei Complementar paraibana nº 48, de 24 de abril de 2003, ao introduzir alterações nos arts. 10 e 16 da Lei Complementar estadual nº 39/2002 e ao revogar os arts. 27, IV, e 95 de tal diploma legislativo (que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública naquele Estado-membro), para, desse modo, permitir a livre nomeação, por ato do Senhor Governador do Estado, do Defensor Público-Geral, do Defensor Público-Geral Adjunto, bem assim do Corregedor Geral da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, podendo, por efeito dessas modificações, escolher pessoas estranhas à carreira, veio a incidir em evidente transgressão às normas gerais inscritas nos arts. 99 e 104 da Lei Complementar nº 80/94 que a União Federal editou com fundamento no § 1º do art. 134 da Constituição, na redação que lhe deu a EC 45/2004.

As referidas normas gerais – que estabelecem padrões mínimos e homogêneos a serem observados por todos os Estados-membros da Federação – definem requisitos destinados a valorizar a carreira de Defensor Público e a fortalecer a autonomia institucional (funcional e administrativa) da Defensoria Pública estadual, vindo a condicionar, por isso mesmo, como natural decorrência de tais prescrições constitucionais (CF, art. 134, § 1º e § 2º), o processo de investidura nos altos cargos de Defensor Público-Geral, de seu substituto e de Corregedor Geral da Defensoria Pública local.

Resulta claro, portanto, que não pode, a unidade federada (Estado-membro), mediante legislação autônoma, agindoultra vires”, transgredir, como no caso, a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional, e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, normas gerais destinadas a estabelecer padrões homogêneos de organização das Defensorias Públicas estaduais (CF, art. 24, XIII).

É importante referir, neste ponto, o claro magistério do saudoso SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES (“Princípios Institucionais da Defensoria Pública”, p. 162/163 e 168, 1995, RT), cujos comentários, a propósito das normas gerais inscritas nos arts. 99 e 104 da Lei Complementar nº 80/94, bem ressaltam os aspectos que venho de mencionar:

A LC deixou a cargo das legislações estaduais o estabelecimento dos critérios para escolha, investidura e destituição dos Defensores Públicos-Gerais dos Estados-membros. Apenas exige que a escolha recaia sobre integrante da carreira, com mais de trinta e cinco anos. Caberá às Constituições e Leis Orgânicas estaduais disciplinar a forma de escolha. (…).

……………………………………………

As Leis estaduais poderão estabelecer que o Defensor Público-Geral pertença à última classe ou categoria da carreira, ou pelo menos à categoria intermediária. (…).

De qualquer forma, o mais importante é que não poderá existir, em nenhum Estado do Brasil, Defensoria Pública chefiada por um Defensor Público-Geral que não integre a carreira, o que só reforça a independência institucional.

……………………………………………

No que tange ao Subdefensor Público-Geral, a LC deixou também para a legislação estadual estabelecer a sua forma de escolha. No entanto, a escolha deverá recair, obrigatoriamente, sobre integrante da carreira.

……………………………………………

O Corredor-Geral será nomeado pelo Governador do Estado, dentre integrantes da carreira (…).” (grifei)

Idêntica percepção do tema é revelada por GUILHERME PEÑA DE MORAES (“Instituições da Defensoria Pública”, p. 205, item n. 3, p. 216, item n. 3.2.1, e p. 224, item n. 3.4.1, 1999, Malheiros):

Em nível estadual, por força do art. 99, ‘caput’, da Lei Nacional da Defensoria Púb1ica, os critérios de escolha, investidura e destituição dos Defensores Públicos-Gerais dos Estados obedecerão ao que for disciplinado pelas respectivas legislações estaduais, quer dizer, Constituições e Leis Orgânicas dos Estados, assegurada a escolha dentre os integrantes da carreira maiores de 35 anos e a nomeação pelo Governador do Estado.

……………………………………………

Em nível estadual, em razão do art. 100, § 1º, ‘in fine’, do regramento em análise, os critérios de escolha, investidura e destituição dos Subdefensores Públicos-Gerais dos Estados sujeitar-se-ão ao que for previsto pelas respectivas legislações estaduais, através das Constituições ou Leis Orgânicas dos Estados, asseguradas a escolha dentre os integrantes da carreira e a nomeação pelo Governador do Estado.

……………………………………………

Em nível estadual, a teor do art. 104 da Lei Orgânica Nacional, o Corregedor-Geral da Defensoria Pública a do Estado é indicado dentre os integrantes da categoria mais elevada da carreira (…).” (grifei)

Cabe ressaltar que esse entendimento também encontrou integral apoio nos pronunciamentos dos eminentes Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República.

O eminente Advogado-Geral da União, ao manifestar-se nestes autos pela procedência da pretensão deduzida pela ANADEP, assim fundamentou, no ponto, a sua posição quanto à inconstitucionalidade do diploma legislativo ora impugnado (fls. 274/278):

A Lei Complementar n° 80, de 1994, instituiu um verdadeiro ‘Estatuto da Defensoria Pública’, concretizando e dando efetividade ao parágrafo único do artigo 134 da Carta Constitucional, norma de princípio institutivo, nas palavras de José Afonso da Silva.

Verificando a importância das funções dos membros da instituição a ser criada por imposição constitucional, e visando à defesa de direitos dos cidadãos necessitados, inclusive com atribuição de propor ações judiciais contra as pessoas jurídicas de direito público de todas as unidades federativas – § 2° do artigo 4° da LC n° 80, de 1994 -, outorgou o legislador complementar prerrogativas às defensorias públicas em forma de princípios, justamente para evitar quaisquer ingerências políticas. Este é o espírito geral da lei.

Nessa linha de raciocínio, ao retirar o pressuposto de ser membro da carreira para a nomeação dos cargos diretivos da Defensoria Pública do Estado pelo Governador, as alterações feitas pela norma atacada acabaram destoando da simetria aos artigos 6°, 7° e 12, e inovando quanto aos 99 e 104, todos da Lei Complementar nacional, ferindo, assim, os princípios da unidade institucional, da indivisibilidade e da independência funcional (art. 3º da Lei Complementar federal), razoavelmente necessários para assegurar ‘a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados’, eis que a nomeação passou a ter conotação estritamente política.

Como conseqüência, constata-se que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade por vício formal, uma vez que dispõe sobre matéria constitucionalmente reservada à lei complementar federal (normas gerais), na forma do parágrafo único do artigo 134 da Carta Maior.

……………………………………………

Da mesma forma, a lei contém, ainda, vício substancial, em razão da inobservância ao princípio da simetria anunciado art. 25 do texto constitucional.

……………………………………………

(…) verifica-se que a Lei Complementar n° 48, de 24 de abril de 2003, do Estado da Paraíba usurpou a competência legislativa reservada a lei complementar federal, e legislou extrapolando os limites materiais de sua competência, inobservando o princípio da simetria, destoando, assim, do art. 25 e do parágrafo único do art. 134, ambos da Constituição Federal.

São essas, Exmo. Senhor Relator, as considerações que o Advogado-Geral da União tem a fazer em razão do art. 103, § 3°, da Constituição Federal, e tendo em vista a orientação fixada por esse Tribunal (…).” (grifei)

Essa mesma visão do tema também resulta do douto parecer proferido pelo eminente Procurador-Geral da República (fls. 292/293):

A Lei Complementar n° 48, de 2003, do Estado da Paraíba, alterou a Lei Complementar n° 39/2002, que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública daquele Estado-membro, e, sem relevar os princípios e critérios gerais estabelecidos pela Lei Complementar federal n° 80/94, retirou a necessidade: a) de o Defensor Público Geral ser nomeado dentre integrantes da carreira maiores de 35 anos; b) de o Defensor Público Geral Adjunto ser nomeado dentre integrantes da carreira; c) do Corregedor da Defensoria Pública ser nomeado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira, em lista sêxtupla formada pelo Conselho Superior, para mandato de dois anos.

Portanto, a Lei Complementar Estadual n° 48, de 2003, do Estado da Paraíba, padece de inconstitucionalidade, pois inova em matéria constitucionalmente reservada à lei complementar federal, de acordo com o art. 134, parágrafo único, da Constituição Federal.

Percebe-se que, neste caso, a técnica de decisão da interpretação conforme à Constituição seria o método mais eficaz de preservar a integridade do texto do dispositivo normativo, adequando-o, pela via interpretativa, ao ditames constitucionais. É dizer, os dispositivos normativos impugnados poderiam ser preservados se lhes fosse atribuído o sentido normativo em consonância com a Constituição. No caso, os textos dos arts. 10 e 16, inseridos pela Lei Complementar Estadual n° 48, de 2003, seriam lidos no sentido de que o Defensor Público Geral, o Defensor Público Geral Adjunto e o Corregedor da Defensoria Pública do Estado da Paraíba devem ser nomeados dentre integrantes da carreira, e na forma preconizada pela LC n° 80/94.

Ocorre que a declaração de nulidade total da Lei Complementar Estadual n° 48/2003 não deixará qualquer vácuo normativo, não afetando o sistema que regula a organização da Defensoria Pública no Estado da Paraíba, pois restarão repristinadas as normas por ela revogadas (art. 27, inciso IV e art. 95 e demais disposições em contrário), pertencentes à Lei Complementar n° 39, de 2002, que disciplinavam, de forma correta e de acordo com as regras gerais fixadas pela LC n° 80/94, a nomeação, dentre integrantes da carreira, do Defensor Público Geral, do Defensor Público Geral Adjunto e do Corregedor da Defensoria Pública do Estado.

Assim, a declaração de nulidade de toda a Lei n° 48, de 2003, do Estado da Paraíba, não trará qualquer prejuízo de ordem legal, pois subsistirá, pelo efeito repristinatório da decisão de inconstitucionalidade, um sistema normativo idôneo para regular a organização da Defensoria Pública no Estado da Paraíba.” (grifei)

Cumpre analisar, ainda, Senhor Presidente, um outro ponto: o Senhor Governador do Estado, em recente manifestação nestes autos (fls. 359/365), afirma que o Defensor Público-Geral do Estado – por ser Secretário de Estado (fls. 360) – pode ser nomeado dentre pessoas estranhas à carreira de Defensor Público, sob pena de se retirar, ao Chefe do Poder Executivo, a prerrogativa da livre escolha de seu auxiliar.

Entendo não assistir razão ao Senhor Governador do Estado.

É que a atribuição, ao órgão administrativo superior da Defensoria Pública local, de “nível equivalente ao de Secretário de Estado” (Constituição da Paraíba, art. 142), de um lado, e a outorga, ao Defensor Público-Geral, de “todas as prerrogativas de Secretário de Estado” (Lei Complementar estadual nº 39/2002, art. 11), de outro, nada mais traduzem senão o reconhecimento de que o Defensor Público-Geral do Estado da Paraíba não é Secretário de Estado, pois, se o fosse, não teria sentido conferir-lhe, como o faz o direito local, as prerrogativas inerentes ao cargo de Secretário de Estado.

Na realidade, o ordenamento positivo do Estado da Paraíba, ao deferir prerrogativas, vantagens, direitos e tratamento de Secretário de Estado ao Defensor Público-Geral do Estado, não atribuiu, a este, a efetiva condição jurídico-administrativa de Secretário de Estado, eis que, se o Defensor Público-Geral do Estado fosse Secretário de Estado, não se justificaria a extensão, a ele, das prerrogativas de Secretário de Estado.

Quem é meramente equiparado a Secretário de Estado, Senhor Presidente, Secretário de Estado não é.

A Constituição do Estado da Paraíba (art. 142) e a Lei Orgânica da Defensoria Pública estadual (LC nº 39/2002, art. 11), precisamente por reconhecerem que o Defensor Público-Geral do Estado não é Secretário de Estado, estenderam-lhe regime jurídico equivalente ao que se aplica àquele alto agente político, incumbido, constitucionalmente, de auxiliar o Governador do Estado no desempenho de seu mandato como Chefe do Poder Executivo local.

Essa extensão normativa de prerrogativas próprias de Secretário de Estado, beneficiando quem não ostenta essa condição formal, tem repercussão eminentemente protocolar, não se projetando, contudo, na dimensão estritamente constitucional.

É que o estatuto jurídico concernente ao cargo de Secretário de Estado compõe-se de regras e de normas que só se aplicam àqueles que sejam formalmente qualificados como tais.

O Estado da Paraíba, ao assim dispor, fez clara distinção entre o agente público que é Secretário de Estado e o servidor estatal que, à semelhança do Defensor Público-Geral do Estado, meramente titulariza situação de tratamento protocolar e remuneratório equiparável àquela ostentada por quem efetivamente é Secretário de Estado.

Cabe assinalar, neste ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao defrontar-se com essa questão, surgida com a equiparação legal de altos agentes públicos federais a Ministro de Estado, dispensando-lhes as mesmas prerrogativas, tratamento e direitos a este último conferidos, reconheceu que só se justificava essa equivalência de tratamento pelo fato de tais agentes não ostentarem a condição jurídico-administrativa de Ministro de Estado (RTJ 169/885, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE):

Para efeito de definição da competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, não se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos dos titulares dos Ministérios: é o caso do Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. Precedentes.

(Inq 2.044-QO/SC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Não sendo, portanto, o Defensor Público-Geral, Secretário de Estado, não há que se falar, como alega o Chefe do Poder Executivo local, em cerceamento de seu poder de livre escolha dos ocupantes do cargo de Secretário de Estado (fls. 360/362).

Essa alegação, na realidade, persegue um único objetivo, qual seja o de tentar, o Governador do Estado, subtrair-se, indevidamente, a uma restrição que foi definida, de modo legítimo, em norma geral editada pela União Federal com apoio na cláusula inscrita no § 1º do art. 134 da Constituição, na redação que lhe deu a EC 45/2004.

A qualificação do Defensor Público-Geral como Secretário de Estado não tem o condão de excluir o Estado da Paraíba da necessária observância das diretrizes, que, fixadas em sede de normas gerais definidas na legislação de princípios (ou de bases) emanada da União Federal, representam expressão de um poder que foi expressamente delegado, a esta pessoa política, pela própria Constituição da República, em seu art. 134, § 1º.

Se assim não se entender, estar-se-á admitindo a gravíssima possibilidade de o Estado-membro fraudar a vontade do constituinte, pois bastaria a tal unidade federada atribuir, ao Defensor Público-Geral, a condição de Secretário de Estado, para incluí-lo dentre os agentes públicos sujeitos à livre escolha e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo local, que passaria, então, a dispor de ampla competência para investir, no cargo de Defensor Público-Geral, pessoa estranha à carreira, como sustenta (e pretende) o Governador da Paraíba.

Nem se diga, finalmente, Senhor Presidente, que, com a declaração de inconstitucionalidade do diploma normativo ora questionado, instaurar-se-ia, no Estado da Paraíba, uma situação devacuum legis”.

O eminente Procurador-Geral da República, ao apreciar esse aspecto da questão, corretamente expendeu as seguintes observações (fls. 293):

Ocorre que a declaração de nulidade total da Lei Complementar Estadual nº 48/2003 não deixará qualquer vácuo normativo, não afetando o sistema que regula a organização da Defensoria Pública no Estado da Paraíba, pois restarão repristinadas as normas por ela revogadas (art. 27, inciso IV e art. 95 e demais disposições em contrário), pertencentes à Lei Complementar nº 39, de 2002, que disciplinavam, de forma correta e de acordo com as regras gerais fixadas pela LC nº 80/94, a nomeação, dentre integrantes da carreira, do Defensor Público Geral, do Defensor Público Geral Adjunto e do Corregedor da Defensoria Pública do Estado.

Assim, a declaração de nulidade de toda a Lei nº 48, de 2003, do Estado da Paraíba, não trará qualquer prejuízo de ordem legal, pois subsistirá, pelo efeito repristinatório da decisão de inconstitucionalidade, um sistema normativo idôneo para regular a organização da Defensoria Pública no Estado da Paraíba.” (grifei)

Como se sabe, com a declaração de inconstitucionalidade ora mencionada, restaurar-se-á a eficácia da legislação anterior, que, não obstante derrogada pelo diploma legislativo em questão, ajustava-se, com integral fidelidade, segundo entendo, à LC nº 80/94 (arts. 99, 103 e 104) editada pela União Federal com fundamento no art. 134, § 1º, c/c o art. 24, XIII, da Constituição da República, e que legitima o estabelecimento, por esta pessoa política, de normas gerais pertinentes à organização, nos Estados-membros, da Defensoria Pública local.

Com efeito, a declaração de inconstitucionalidade “in abstracto”, de um lado, e a suspensão cautelar do ato reputado inconstitucional, de outro, importamconsiderada a eficácia repristinatória que lhes é inerente – em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato.

Esse entendimento, hoje expressamente consagrado em nosso sistema de direito positivo (Lei nº 9.868/99, art. 11, § 2º) – além de refletir-se no magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 272, item n. 6.2.1, 2000, Atlas; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 249, 2ª ed., 2000, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo III/87, 1997, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 213/214, item n. 212, 1999, Cejup) -, também encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, desde o regime constitucional anterior (RTJ 101/499-503, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 120/64, Rel. Min. FRANCISCO REZEK), vem reconhecendo a existência de efeito repristinatório nas decisões desta Corte Suprema, que, em sede de fiscalização normativa abstrata, declaram a inconstitucionalidade (como na espécie) ou deferem medida cautelar de suspensão de eficácia dos atos estatais questionados em ação direta (RTJ 146/461-462, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

O sentido e o alcance do efeito repristinatório foram claramente definidos, em texto preciso, por CLÈMERSON MERLIN CLÈVE (“A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 249/250, 2ª ed., 2000, RT), cuja autorizada lição assim expôs o tema pertinente à restauração de eficácia do ato declarado inconstitucional, em sede de controle abstrato, ou objeto de suspensão cautelar de aplicabilidade deferida em igual sede processual:

Porque o ato inconstitucional, no Brasil, é nulo (e não, simplesmente, anulável), a decisão judicial que assim o declara produz efeitos repristinatórios. Sendo nulo, do ato inconstitucional não decorre eficácia derrogatória das leis anteriores. A decisão judicial que decreta (rectius, que declara) a inconstitucionalidade atinge todos ospossíveis efeitos que uma lei constitucional é capaz de gerar’, inclusive a cláusula expressa ou implícita de revogação. Sendo nula a lei declarada inconstitucional, diz o Ministro Moreira Alves, ‘permanece vigente a legislação anterior a ela e que teria sido revogada não houvesse a nulidade’. (grifei)

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas e acolhendo, ainda, os pareceres dos eminentes Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, julgo procedente a presente ação direta e, em conseqüência, declaro a inconstitucionalidade da Lei Complementar estadual nº 48, de 24 de abril de 2003, editada pelo Estado da Paraíba.

É o meu voto.

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