Renda certa

Hospital terá de pagar pensão aos pais de bebê morto

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5 de dezembro de 2005, 10h23

Pais de baixa renda têm direito à indenização por danos materiais em decorrência da morte do filho, mesmo que a vítima não tenha exercido atividade profissional e não tenha colaborado para o sustento da casa. Com este entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a Fundação de Assistência Integral à Saúde e o município de Belo Horizonte a pagar pensão à mãe de um bebê recém-nascido que morreu em razão de infecção hospitalar.

Depois de perder o filho, a mãe entrou na Justiça alegando ter sofrido danos morais e materiais, além de reivindicar pensão alimentícia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que a perda do filho recém-nascido causou sofrimento e dor à mãe e aos familiares, resultando em dano moral.

No entanto, não existiria prejuízo patrimonial, já que a indenização por dano material visa estabelecer a situação financeira e recompor a renda que nunca mais será obtida. “Sem caracterização de um prejuízo econômico, não se indenizam os danos materiais”, decidiu.

A mãe recorreu ao STJ, pedindo pensão e o aumento do valor da indenização por danos morais. A Turma acolheu parte do apelo, para determinar o pagamento de pensão. De acordo com o relator, ministro João Otávio Noronha, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda em decorrência da morte de filho menor, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima.

O ministro determinou que o valor da pensão a ser paga pela Fundação de Assistência Integral à Saúde deve ser de “dois terços do salário mínimo, desde a data em que a vítima completaria 14 anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho”.

A pensão deverá ser pagar até a data em que o filho completaria 25 anos, quando possivelmente constituiria família própria e reduziria sua colaboração no lar.

RESP 738.413

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 738.413 — MG (2005⁄0053194-8)

RECORRENTE: HELENA MARIA LOPES

ADVOGADO: CYRO DE PAULA E OUTROS

RECORRIDO: MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE

PROCURADOR: ALCY ÁLVARES NOGUEIRA E OUTROS

RECORRIDO: FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE

ADVOGADO: FRANCISCO GILMAR M GAUDERETO E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Cuida-se de recurso especial interposto por HELENA MARIA LOPES com fundamento nas alíneas “a” e “c” do art. 105, III, da Constituição da República, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:

“Indenização. Morte de filho. Infecção hospitalar. Danos material e moral. Município. Fiscalização. Responsabilidade. A perda do filho recém-nascido causa sofrimento e dor à mãe e a todos os familiares, a atingir patrimônio moral. No entanto, na esfera patrimonial, não existe prejuízo a ser reivindicado pelos pais, porquanto a indenização por dano material, em forma de pensão, visa restabelecer a situação financeira do ato ilícito, recompondo a renda que não mais será auferida em razão da morte de quem a recebia. Sem caracterização de um prejuízo econômico não se indenizam os danos materiais. Rejeitam-se as preliminares e nega-se provimento ao agravo retido; no reexame necessário, reforma-se parcialmente a sentença, prejudicados os recursos voluntários.” (fl. 511).

Seguiu-se então o julgamento dos embargos de declaração, sintetizado na ementa abaixo:

“Embargos de declaração. Acórdão. Omissão. Inexistência. Examinados, na decisão, todos os pontos que envolvem o julgamento, inviável a utilização do recurso previsto no art. 535 do Código de Processo Civil. Rejeitam-se os embargos de declaração.” (fl. 530).

Alega a recorrente, nas razões do apelo extremo, violação dos artigos 535, I, do CPC e arts. 186, 944 e 950 do Novo Código Civil. Aponta, também, dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e julgado desta Corte.

Pleiteia o deferimento do pedido de pensão alimentícia e a majoração da indenização por danos morais.

Não foram apresentadas contra-razões (fl. 591).

Juízo positivo de admissibilidade à fl. 593.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 738.413 – MG (2005⁄0053194-8)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO RECÉM-NASCIDO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. CABIMENTO.

1. O prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados constitui requisito indispensável à admissibilidade do recurso especial. Incidência da Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal.

2. Inexistindo omissão, obscuridade ou contradição a ser sanada no acórdão embargado, mostra-se inequívoco o julgado que rejeita os embargos declaratórios.


3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima.

4. A pensão deve ser de 2⁄3 do salário mínimo a partir da data em que a vítima completaria 14 anos até a que completaria 25 anos. A partir daí, até a data em que a vítima completaria 65 anos, a pensão reduz-se à metade do salário mínimo.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

Inicialmente, examinados os autos, constato que, no acórdão recorrido, em nenhum momento foi abordada a matéria sob a ótica dos arts. 186, 944 e 950 do Novo Código Civil. O recurso especial ressente-se, nesse ponto, do necessário prequestionamento a viabilizar o exame do apelo no âmbito desta superior instância.

Incidem, portanto, na espécie, os enunciados das Súmulas n. 282 e 356 do STF ante a ausência de prequestionamento, requisito indispensável à propositura do apelo especial.

Ademais, em que pese a oposição de embargos de declaração para suscitar a apreciação dos dispositivos tidos como violados, trata-se de inovação em sede de embargos, uma vez que em momento algum foi discutido o tema sob o enfoque da Lei Civil.

Não verifico, outrossim, a alegada ofensa ao art. 535 do CPC, visto que o acórdão proferido no julgamento da apelação manifestou-se de forma clara, expressa e motivada acerca da questões suscitadas. Com efeito, escorreito o julgado que rejeitou os embargos declaratórios, uma vez que não havia nenhuma omissão, obscuridade ou contradição a ser sanada.

Melhor sorte assiste aos recorrentes quanto ao alegado dissídio pretoriano, uma vez que restou comprovada a divergência entre o acórdão recorrido e aresto desta Corte.

No que concerne à condenação ao pagamento de pensão vitalícia, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima, no valor de dois terços do salário mínimo, desde a data em que a vítima completaria quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, até a data em que a vítima atingiria a idade de sessenta e cinco anos.

Entende o Tribunal, entretanto, que a pensão deve ser reduzida pela metade após a data em que o filho completaria vinte e cinco anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO MENOR. INDENIZAÇÃO.

1. É devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pele vítima. O termo inicial do pagamento da pensão conta-se dos quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, e tem como termo final a data em que a vitima atingiria a idade de sessenta e cinco anos.

2. Entretanto, tal pensão deve ser reduzida pela metade após a data em que o filho completaria os vinte e cinco anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo.

3. Recurso especial provido.” (Resp n. 653597-AM, Rel. Min. Castro Meira, DJU 04.10.2004)

“CIVIL E PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. VALOR E TERMO FINAL. DANOS MORAIS. QUANTUM. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA⁄STJ. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

I – A orientação da Segunda Seção, em casos de indenização por morte de filho, é de que a pensão mensal arbitrada em favor dos pais deve ser integral até os 25 (vinte e cinco) anos, idade presumida do casamento da vítima, reduzindo-se a partir de então essa pensão à metade até a data em que, também por presunção, a vítima atingiria os 65 (sessenta e cinco) anos de idade.

II – Não correspondendo a contribuição dos filhos, para o custeio da casa dos seus pais, à totalidade do seu salário, afigura-se razoável e justo, em linha de princípio, fixar a indenização no percentual de dois terços (2⁄3) daquele.

III – É da jurisprudência deste Tribunal que o arbitramento do valor indenizatório por dano moral pode ser analisado em sede de recurso especial, desde que o quantum se mostre manifestamente exagerado, ou irrisório, distanciando-se das finalidades da lei. No caso, no entanto, diante de suas peculiaridades fáticas, e na linha da orientação da Turma, o valor fixado pelo acórdão impugnado se mostrou razoável.


IV – A pretensão recursal de ver aumentado o percentual dos honorários advocatícios encontra, no caso, óbice no verbete n. 7 da Súmula⁄STJ” (REsp n. 302298, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 17.6.2002);

“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHOS MENORES (5 E 8 ANOS) NÃO TRABALHADORES. DISSÍDIO RESTRITO AO TERMO FINAL DA PENSÃO: SE QUANDO A VÍTIMA VIESSE A COMPLETAR 25 ANOS (ACÓRDÃO EMBARGADO) OU 65 ANOS (ACÓRDÃO PARADIGMA).

Assim como é dado presumir-se que o filho, vítima de acidente fatal, teria, não fosse o infausto evento, uma sobrevida até os sessenta e cinco anos, e até lá auxiliaria a seus pais, prestando alimentos, também pode-se supor, pela ordem natural dos fatos da vida, que ele se casaria aos vinte cinco anos, momento a partir do qual já não mais teria a mesma disponibilidade para ajudar materialmente a seus pais, pois que, a partir do casamento, passaria a suportar novos encargos, que da constituição de uma nova família são decorrentes.

A pensão fixada, com base nas peculiaridades da espécie pelo Tribunal de origem, deve, a partir de quando a vítima viesse a completar vinte e cinco anos, ser reduzida pela metade, assim ficando, caso haja a sobrevida dos pais, até os presumíveis sessenta e cinco anos da vítima.

Embargos de divergência acolhidos” (EREsp n.º 106.327, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 1.10.2001);

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – AMBULÂNCIA MUNICIPAL – MOTORISTA ESTADUAL – SOLIDARIEDADE – DANOS MATERIAIS – FAMÍLIA POBRE – PRESUNÇÃO DE QUE A VÍTIMA MENOR CONTRIBUÍA PARA O SUSTENTO DO LAR – SÚMULA 07⁄STJ – SÚMULA 491⁄STF – PENSIONAMENTO AOS PAIS DA VÍTIMA ATÉ A IDADE EM QUE ESTA COMPLETARIA 65 ANOS – DESCONTO DO VALOR DO SEGURO OBRIGATÓRIO – SÚMULA 246⁄STJ – DIVERGÊNCIA NÃO-CONFIGURADA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

1. O Tribunal aquo, louvado em provas, verificou que a vítima já auxiliava nas despesas da casa. Incidência da Súmula 07⁄STJ.

2. O STJ proclama que em acidentes que envolvam vítimas menores, de famílias de baixa renda, são devidos danos materiais. Presume-se que contribuam para o sustento do lar. É a realidade brasileira.

3. ‘É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.’ (Súmula 491⁄STF)

4. ‘O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada.’ (Súmula 246⁄STJ)

5. A jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade solidária do proprietário do veículo por acidente onde o carro é guiado por terceiro.

6. Em acidente automobilístico, com falecimento de menor de família pobre, a jurisprudência do STJ confere aos pais pensionamento de 2⁄3 do salário mínimo a partir dos 14 anos (idade inicial mínima admitida pelo Direito do Trabalho) até a época em que a vítima completaria 25 anos (idade onde, normalmente, há a constituição duma nova família e diminui o auxílio aos pais). Daí até os eventuais 65 anos (idade média de vida do brasileiro) a pensão reduz-se a 1⁄3 do salário mínimo.

7. Recursos parcialmente providos” (REsp nº 335.058, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 15.12.2003).

Desse modo, merece ser revisto o acórdão para ajustar-se à jurisprudência do Tribunal. A pensão mensal deve ser fixada (a partir da data em que a vítima completaria 14 anos) em 2⁄3 do salário mínimo, valor que haverá de ser reduzido pela metade a partir do vigésimo quinto aniversário da vítima, se vivo fosse. O termo final da indenização deve coincidir com a data em que o menor vitimado completaria 65 anos de idade.

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento.

É como voto.

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