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DF é condenado a repor auxílio alimentação de servidora

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5 de dezembro de 2005, 16h31

O Distrito Federal foi condenado a pagar a uma servidora todos os valores referentes ao benefício alimentação que não foram pagos entre dezembro de 1999 e abril de 2002. A decisão é da juíza Joelci Araújo Diniz, da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. Cabe recurso.

A ação foi ajuizada por Ivette Maria Fleury Charmillot contra o Distrito Federal. Segundo os autos, o governo suspendeu o pagamento do benefício alimentação com base no Decreto 16.990/95, no período de janeiro de 1996 a abril de 2002.

Em sua defesa, o Distrito Federal sustentou que o pedido era juridicamente impossível e que já estava prescrito em relação a todas as parcelas vencidas no qüinqüênio anterior à data em que foi ajuizada a ação. Também alegou que o benefício foi suspenso em razão de dificuldades financeiras.

A juíza acolheu parte dos argumentos do DF, quanto à prescrição das parcelas vencidas no qüinqüênio anterior à data da ação, com base na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, entendeu que, com a suspensão do benefício, tais valores passaram a ser devidos em dinheiro por descumprimento de obrigação legal.

“É inadmissível que o Administrador, sob o argumento de falta de recursos, retire, por si só, garantias e benefícios reconhecidos e concedidos aos administrados”, concluiu a juíza.

Processo 2004.01.1.126293-9

Leia a íntegra da decisão

Sentença

Vistos etc.

IVETTE MARIA FLEURY CHARMILLOT, devidamente qualificada nos autos, ajuizou a presente ação de conhecimento em desfavor do DISTRITO FEDERAL, pugnando pelo pagamento do benefício-alimentação, não efetivado no intervalo de janeiro/1996 a abril/2002.

Afirma a Autora que a Lei nº 786, de 07 de novembro de 1994, instituiu o benefício alimentação para servidores civis da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Distrito Federal. Contudo, no período já mencionado, tal benefício não foi pago, por ter o Réu, através do Decreto nº 16.990/95, resolvido suspender seu pagamento.

Alega que o benefício alimentação é devido independentemente da jornada de trabalho a que o servidor estiver submetido. Argumenta que se trata de direito adquirido. Por fim, informa que, somente por meio da Lei 2.944/2002, o benefício alimentação foi restabelecido e requer a procedência do pedido, a concessão da gratuidade da justiça e a condenação do Requerido nos ônus da sucumbência. Juntou documentos (fls. 07/11).

Foram concedidos a Requerente os benefícios da Justiça Gratuita.

Devidamente citado, o Distrito Federal apresentou contestação, alegando, em preliminar, ausência de documentação indispensável à propositura da ação, impossibilidade jurídica do pedido e a prescrição de todas as parcelas vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação. No mérito, aduz que, a princípio, o benefício foi suspenso por indisponibilidade financeira para sua concessão. Noticia que, nos termos da atual redação da Lei n. 786/94, a concessão do referido benefício implica reembolso de parcela de custo pelo servidor agraciado. Argumenta, também, que, em caso de condenação, os juros de mora não poderão ser fixados em 1% ao mês, sob pena de violação ao disposto no artigo 1ª-F, da Lei n. 9.494/97. Ao final, requer a improcedência do pedido, ou, na hipótese de seu acolhimento, que seja autorizado o desconto da parcela referente ao custeio devido pela Autora. Colacionou documentos, fls. 27/30.

A Demandante manifestou-se em réplica.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Cuida-se de ação de conhecimento proposta por IVETE MARIA FLEURY CHARMILLOT em desfavor do Distrito Federal. A matéria em deslinde é unicamente de direito e, como tal, reclama julgamento antecipado, em simetria com disposições capituladas no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Argúi o réu, em preliminar, a falta de documentos necessários à propositura da ação, impossibilidade jurídica do pedido e prescrição qüinqüenal das parcelas vencidas antes da propositura da ação.

Analiso, em primeiro lugar, a alegada impossibilidade jurídica do pedido, eis que aduz o réu que há proibição legal que impede o pagamento, em dinheiro, do benefício alimentação.

A despeito de tais afirmações, entendo que a vedação legal de pagamento do benefício alimentação em espécie não deve ser aplicada, ao caso concreto, uma vez que, com a indevida suspensão, passou tais valores a serem devidos como indenização por descumprimento de obrigação legal, devendo ser paga em pecúnia, razão pela qual deve ser rejeitada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

No que se refere à não juntada de documentos indispensáveis à propositura da demanda, tenho que a matéria levantada poderia, se muito, afetar o mérito da causa, por ausência de provas, quantos aos fatos constitutivos do direito pretendido. Ademais, não nega o Requerido que a Demandante usufruía regularmente do benefício alimentação, previsto e concedido por lei, até a sua suspensão, o que, a meu ver, torna despicienda a apresentação do termo de opção por tal benefício.


Por fim, quanto à prescrição, com razão o Demandado, eis que se observa, do constante nos autos, tratar-se de obrigação de trato sucessivo, na qual a ilegalidade se renova mês a mês. Desse modo, reconhecido o direito requerido na Inicial, somente às parcelas vencidas no qüinqüênio anterior à propositura da ação deverão ser consideradas prescritas, incidindo, na espécie, o enunciado da Súmula n. 85 do Superior Tribunal de Justiça, que reproduzo:

“Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação”.

Em sendo assim, acolho apenas a preliminar de prescrição das parcelas vencidas cinco anos antes da propositura da ação.

Passo ao exame do mérito.

A Lei distrital nº 786/94 instituiu o benefício alimentação para todos os servidores civis da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Distrito Federal. No entanto, o pagamento de tal benefício foi suspenso após a edição do Decreto nº 16.990/95. Segundo o Demandado, a suspensão foi necessária pela inexistência de recursos orçamentários suficientes para o cumprimento do determinado na lei n. 786/94.

Ora, em primeiro lugar, cumpre verificar a legalidade ou não da suspensão do pagamento com fundamento no referido Decreto em detrimento das disposições constantes em lei.

Como sabido, de acordo com a hierarquia das normas, uma lei só pode ser revogada por outra, ou seja, nos termos do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

Assim facilmente se conclui que o Decreto distrital invadiu a competência do legislador ordinário ao suspender direito por ele instituído, violando o princípio da legalidade restrita a que está jungido o Administrador, não existindo outro caminho senão reconhecer a ilegalidade de tal ato normativo e, conseqüentemente, da suspensão do benefício alimentação.

Na mesma orientação, confiram-se os seguintes arestos que ora trago à colação:

“ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO ALIMENTAÇÃO. PERCEBIMENTO EM PECÚNIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA. CONCESSÃO POR LEI – LEI DSTRITAL 786/94. POSTERIOR REVOGAÇÃO POR DECRETO – DEC. 16.990/95. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. PRESCRIÇÃO DAS PARCELAS VENCIDAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS. NECESSIDADE DE ABATIMENTO DO VALOR DA CONTRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES PARA O BENEFÍCIO.

O fato de haver vedação legal de pagar o benefício alimentação em pecúnia não torna juridicamente impossível o pedido de ressarcimento em dinheiro dos valores devidos à autora pelo período em que deixou de perceber os tíquetes a que fazia jus, sendo a pretensão de indenização pelo não-pagamento.

Conforme pacificada Jurisprudência desta Corte, não é possível a revogação de benefício instituído por Lei mediante Decreto, em respeito ao princípio da hierarquia das normas, expresso no art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Impõe-se a restituição do benefício, considerando-se prescritas as parcelas vencidas há mais de cinco anos – Dec. 20.910/32 e súmula 85 do STJ – e abatendo do montante da condenação a parcela de contribuição do servidor para o benefício.

Recurso e Remessa oficial providos parcialmente.” (TJDFT, APC acórdão n. 225938, 6ª Turma Cível, Rel. Desa. Ana Maria Amarante Brito, DJU de 12.09.2005);

“REMESSA EX OFFÍCIO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. BENEFÍCIO ALIMENTAÇÃO. LEI DISTRITAL Nº 786/94. SUSPENSÃO POR DECRETO. ILEGALIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

– Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação (Súmula 85/STJ).

– O Decreto nº 16.990/95, ao cancelar o pagamento do benefício alimentação aos servidores públicos do Distrito Federal, ofendeu o direito desses servidores à percepção da vantagem, vez que a Lei Distrital nº 786/94 encontrava-se em plena vigência. – Vencida a Fazenda Pública, aplica-se a regra do § 4° do art. 20 do CPC, ou seja, a fixação dos honorários se dará consoante aplicação eqüitativa do juiz.

– Remessa oficial improvida. Unânime. (TJDFT, APC acórdão n. 225485, 6ª Turma cível, Rel. Des. Otávio Augusto, DJU de 04.10.2005);

“SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. DIREITO OBTIDO ATRAVÉS DE LEI. REVOGAÇÃO PRO DECRETO. IMPOSSIBILIDADE. Uma vez instituído por Lei o benefício-alimentação e implementado esse direito, o seu pagamento ao servidor se impõe. O benefício não pode ser suspenso por decreto em quebra na hierarquia das leis. Recurso voluntário e remessa não providos”.(TJDFT, APC 1147932, 4ª Turma cível, Rel. Des. Mário Machado, j. 18-10-2004, DJU de 18-11-2004).


No que se refere à ausência de recursos financeiros, tenho que ainda assim não há justificativa para o não pagamento do benefício instituído legalmente, pois cabe ao Estado diligenciar na obtenção dos mesmos, cumprindo o que foi determinado em lei. Incumbe, portanto, ao Distrito Federal organizar-se adequadamente, ao elaborar seu orçamento, prevendo despesas e receitas, de modo que seja possível a satisfação de seus compromissos, principalmente em face de seus servidores.

É inconcebível que o Administrador, sob o argumento de falta de recursos, retire, por si só, garantias e benefícios reconhecidos e concedidos aos administrados. Agindo de tal modo, está, sem dúvida, o Administrador maculando e deixando de cumprir satisfatoriamente sua função básica, enaltecida na clássica divisão de poderes do Estado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já decidiu nesse sentido como pode ser verificado nas seguintes ementas:

“ADMINSTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – BENEFÍCIO ALIMENTAÇÃO – SERVIDORES DO GDF – DECRETO DO GOVERNADOR SUSPENDENDO A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO – MALFERIMENTO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – PRELIMINARES REJEITADAS…2) O SERVIDOR PÚBLICO DO GDF, POR FORÇA LEGAL, TEM ASSEGURADO O BENEFÍCIO-ALIMENTAÇÃO E A INEXISTÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA OU DIFICULDADES FINCANCEIRAS DA ADMINISTRAÇÃO – FRUTOS DO MAU GERENCIAMENTO – NÃO SÃO MOTIVOS APTOS A JUSTIFICAREM A RESISTÊNCIA DO GOVERNO EM CUMPRIR A LEI.” (TJDFT, Mandado de Segurança n.º 19980020009763, Conselho Especial, Relator: Des. Eduardo de Moraes Oliveira, DJU de 11.08.99);

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DISTRITO FEDERAL. BENEFÍCIO ALIMENTAÇÃO. SUSPENSÃO. AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. DECRETO GOVERNAMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DE LEIS. CUSTEIO DO BENEFÍCIO. ABATIMENTO DO QUANTUM CONDENATÓRIO. 1. O benefício alimentação foi criado pela Lei nº 786/84, não podendo ser suprimido através do Decreto nº 16.990/95, face ao princípio da hierarquia das leis, não observado pela Administração. 2. A falta de dotação orçamentária não constitui motivo que justifique a suspensão do pagamento do benefício, porquanto cabe ao administrador público cumprir a obrigação legal imposta ao poder público em favor de quem for estipulada, observando-se a prescrição qüinqüenal por se tratar de verba de natureza alimentar. 3. É devida a compensação entre o quantum condenatório e os valores correspondentes ao custeio do benefício. 4. Rejeitadas as preliminares. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT, APC 43520-7, 4ª Turma Cível, Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa, DJU de 11.11.2004).

Conclui-se, portanto, na hipótese vertente, que o descumprimento da Lei Distrital n. 786/94, levado a efeito por agentes da Administração Pública, violou frontalmente o princípio da legalidade.

Saliento, ainda, que, no pagamento dos benefícios devidos pela ilegal suspensão, deverá ser considerada a norma prevista no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 786/94, com redação dada pela Lei Distrital n. 1.136/96, a qual prevê o reembolso pelo servidor de parte do custo do benefício alimentação.

Por fim, quanto aos juros moratórios, tenho que assiste razão ao Réu, eis que determina o art. 1º – F, da Lei n. 9.494/97, incluído pela Medida Provisória n. 2.180-35 de 24.08.2001, que:

“Art. 1o-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.”

Desta forma, os valores devidos a título de benefício alimentação, não alcançados pela prescrição qüinqüenal, deverão ser devidamente corrigidos e acrescidos de juros de mora, no percentual de 0,5% ao mês.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado para, considerando a prescrição das parcelas vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação, condenar o réu ao pagamento da importância relativa ao benefício alimentação, correspondente ao período de 17 de dezembro de 1999 a abril de 2002, devidamente corrigida, com juros de 0,5% (meio por cento) ao mês a partir da citação, descontado o valor relativo ao custeio do benefício por parte do servidor.

Condeno, ainda, o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados, por apreciação eqüitativa, em R$ 300,00 (trezentos reais), na forma do contido no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.

Extingo o processo, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

A presente sentença deverá ser submetida ao reexame necessário, assim, remetam-se autos ao e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, após decorrido o prazo para recurso voluntário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília – DF, quinta-feira, 27/10/2005 às 13h45.

Joelci Araujo Diniz

Juíza de Direito Substituta

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