Plus contratual

Benefício trabalhista pode virar obrigação contratual

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3 de dezembro de 2005, 10h37

Nos últimos tempos, as empresas têm se preocupado em assumir cada vez mais uma postura de valorização de seus funcionários. É uma tendência mundial que, sem sombra de dúvidas, gera benefícios a ambas as partes, tanto em termos de saúde e satisfação do trabalhador quanto pelo aumento da produtividade e crescimento da empresa.

Contudo, quando o empregador resolve adotar essa política, deve atentar para alguns detalhes que podem transformá-la numa “faca de dois gumes”, pois a falta de atenção à Lei Trabalhista pode transformar as vantagens fornecidas em complemento salarial, sobre o qual deverão incidir verbas contratuais, como FGTS e rescisórias, além de aviso prévio, férias etc.

Logo, decisões judiciais que condenaram empresas ao pagamento dessas verbas podem até certo ponto ser consideradas como imorais, mas não devem ser interpretadas como ilegais, ou como objeto de paternalismo ou de insegurança jurídica da Justiça do Trabalho.

Nesse aspecto, o artigo 458 da CLT dispõe que, “além do pagamento em dinheiro, compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, a habitação, o vestuário ou outras prestações in natura que a empresa assume, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado”. Traduzindo, se tais benefícios forem fornecidos com habitualidade, a título gratuito e como uma contraprestação e não para que o trabalho seja realizado, serão considerados como complementos do salário.

No caso da alimentação, por exemplo, se a empresa fornecer os benefícios, sem proceder ao respectivo desconto do valor da remuneração, estará correndo o risco de ser demandada e cobrada pelas integrações desse complemento salarial nas verbas contratuais e rescisórias do contrato de trabalho.

Em recente julgamento do Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo RR 1761/2003-005-24-00.0, embora o Juiz convocado José Antônio Pancotti tenha observado o lado moral da questão, mencionando que o julgador deveria adotar posição que prestigiasse atos e fatos que iriam além do contrato de trabalho, a empresa só foi absolvida da cobrança dessas integrações por verba complementar ao salário porque efetuou desconto, ainda que simbólico, dos valores pagos a título de auxílio-alimentação.

Já em julgamento feito pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, a empresa foi condenada a incorporar ao salário de um empregado o valor da conta de celular paga de forma habitual e integral, incidindo sobre as verbas contratuais e rescisórias. Embora a pessoa jurídica tenha argumentado que o celular era utilizado como ferramenta de trabalho (isto é, era fornecido para a realização do trabalho), prevaleceu a tese de que referido benefício correspondia a complemento salarial, já que não havia restrição do aparelho para uso particular e a conta era integralmente paga pela empresa.

Vale esclarecer que, mesmo tendo apresentado Recurso ao TST (AIRR 1862/2003), a condenação foi mantida por questões processuais, já que dependeria da reanálise de fatos e de provas, o que, segundo a jurisprudência desse Tribunal, não é possível.

Outro risco de configuração de “plus” salarial, ainda que o parágrafo 2º, inciso II, do artigo 458 da CLT não considere como tal, é o custeio, pelo empregador, de cursos universitários ao empregado. Isso se verifica quando o benefício não é concedido para o desenvolvimento do trabalho, de forma a facilitar ou auxiliar a prestação dos serviços junto à empresa. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Ordinário 20010138069, em que a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) firmou entendimento de que o pagamento de mensalidades de curso universitário em benefício de obreiro, por ser desnecessário ao desenvolvimento de suas atividades na empresa, consistia em salário.

Entretanto, nem tudo está perdido. Na hipótese da utilização de veículo de propriedade da empresa pelo funcionário fora do expediente de trabalho, para fins particulares, o TST pacificou a questão favoravelmente às empresas, pela Orientação Jurisprudencial 246, afastando a natureza de salário do benefício, desde que não seja oferecido como contraprestação (“a utilização, pelo empregado, em atividades particulares, de veículo que lhe é fornecido para o trabalho da empresa não caracteriza salário utilidade”).

De qualquer modo, ainda que os Tribunais estejam se sensibilizando com o lado social da questão e observando a modificação da sociedade, todo cuidado é pouco na hora de a empresa adotar políticas de concessão de benefícios aos seus funcionários. Enquanto não houver alteração da lei que, sem sombra de dúvida, é muito antiga e não reflete os tempos atuais, o empregador deve “deixar seu coração em casa” e realizar desconto do salário de seu empregado, por conta do fornecimento do vale-refeição (ainda que módico), deve fiscalizar o uso de aparelho celular para que só haja o reembolso do montante relativo às ligações efetuadas em prol da empresa e não pode custear cursos que não tenham ligação com a atividade laboral desempenhada. Essas pequenas providências poderão evitar, no futuro, surpresas desagradáveis que podem somar valores consideráveis, especialmente quando se somam parcelas dos últimos cinco anos.

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