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Bem usado no trabalho não pode ser descontado do salário

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31 de agosto de 2005, 13h41

Empresa não pode descontar do salário do empregado os valores de bens usados para o trabalho. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes afirmaram que a determinação está na CLT — Consolidação das Leis do Trabalho.

A Turma determinou que a Construtora JR Paulista devolva a um ex-empregado os valores descontados para pagamento de prestação e despesas com um carro que ele usava para o serviço. Por causa dos descontos, seu salário chegou a zero.

O empregado foi contratado pela construtora para trabalhar como instalador de linhas telefônicas da Telesp (atual Telefônica). Ele ingressou com ação na 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo a devolução dos descontos referentes ao IPVA, seguro, licenciamento, multas de trânsito e leasing de um Fiat Uno.

O trabalhador juntou ao processo recibos salariais que comprovam os descontos. O recibo de março de 2002, por exemplo, registra vencimentos e abatimentos de igual valor, de R$ 542,34. Ou seja, naquele mês, o instalador não recebeu nada da construtora.

A primeira instância entendeu que os descontos não poderiam ser efetuados diretamente nos salários e condenou a construtora a devolvê-los. A empresa recorreu ao TRT paulista. Sustentou que as prestações pagas “configuram remuneração pelo uso e gozo do bem”.

Para o juiz Decio Sebastião Daidone, relator do Recurso Ordinário, “é inconcebível que o trabalhador pague aluguel por algo que está utilizando apenas para a sua atividade junto a empresa. Nessa hipótese, por óbvio, a remuneração deveria ser também maior, para retorno do capital investido no referido bem”.

De acordo com o relator, o artigo 462 da CLT proíbe o desconto salarial para compra de bem do empregador “que não seja para proveito do próprio empregado ou de seus dependentes, ainda que haja sua expressa concordância”.

“Por qualquer ângulo que se analise a questão, quer seja pela validade ou não dos descontos salariais efetivados ou da validade do referido contrato de promessa de compra e venda, é de se ter como nula a avença”, decidiu o relator.

A decisão da 3ª Turma foi unânime. Os juízes condenaram a construtora a devolver todos os valores descontados com o pagamento de IPVA, seguro automotivo, licenciamento, multas de trânsito e leasing.

Leia a íntegra do voto

PROCESSO TRT/SP Nº 01684.2002.061.02.00 – 6

RECURSO ORDINÁRIO DA 61ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

1º RECORRENTE: CONSTRUTORA JR PAULISTA LTDA

2º RECORRENTE: TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A TELESP

RECORRIDO: RENILSON NUNES DA SILVA

EMENTA: Desconto salarial. Violação ao art. 462, §2º da CLT.

Viola o §2º do art. 462 da CLT, desconto salarial efetivado para compra de bem do empregador que não seja para proveito do próprio empregado ou de seus dependentes, ainda que haja sua expressa concordância, aposta em contrato de natureza civil, condicionado, entretanto, à própria vigência do contrato de trabalho, sujeito à rescisão injustificada pelo empregador-promitente vendedor.

Insurgem-se os recorrentes da r. decisão de fls. 393/399, cujo relatório adoto, alegando respectivamente:

Primeira recorrente – primeira reclamada: que é indevida a devolução dos descontos efetuados a título de IPVA, multas, seguro do carro, licenciamento e leasing, bem como o adicional de produção. Depósito prévio e custas recolhidas. Contra-razões apresentadas.

Segunda recorrente – segunda reclamada: que deve ser afastada sua condenação subsidiária; que deve haver reforma quanto a Justiça Gratuita e recolhimentos previdenciários e fiscais. Depósito prévio recolhido. Contra-razões apresentadas.

Manifestação da D. Procuradoria às fls. 443

Relatados.

V O T O

Conheço dos recursos.

Primeiro Recurso – Primeira Reclamada

Devolução de descontos – leasing – IPVA – licenciamento – multas – seguro do carro

O contrato de promessa de compra e venda de fls. 45/49, firmado entre recorrente e recorrido, informa que a empresa como legitima proprietária e possuidora do veículo, venderia ao autor, ou se obrigaria a faze-lo, após pagamento total do bem, a ser feito por meio de 37 parcelas mensais, sendo 36 no valor de R$410,00 e uma no importe de R$ 1.652,10. Observa-se da cláusula 5.2 (fl. 47), que o “comprador” enquanto empregado da “vendedora”, teria um desconto de 85% no pagamento das 36 parcelas, ou seja, pagaria, como pagou, por meio de descontos em recibos de pagamento, R$61,50, conforme se verifica dos documentos juntados com a inicial.

O referido contrato foi assinado em 17.07.00 e portanto após a admissão do recorrido, condiciona a sua vigência, na realidade, à vigência do próprio contrato de trabalho, como se verifica da sua cláusula 4.1, como também, condiciona o uso do veículo, objeto da avença, para “o desenvolvimento do trabalho do Comprador na Vendedora” (cláusula 4.2 que remete à cláusula primeira).


Portanto, trata-se na verdade, de um contrato híbrido, ou seja, não apenas de “promessa de compra e venda”, como também, de “adesivo ao contrato de trabalho”, com a efetivação de pagamentos por parte do “empregado-comprador” aos seus salários, que afronta o disposto no art. 462 da CLT., ainda que com sua assinatura, tivesse concordado.

Nesse sentido, o TST firmou jurisprudência através da Súmula (ex-enunciado) nº 342 que dispõe:

“Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada , ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico.”

A rigor, o referido contrato não pode ser tido como nulo, por ocorrência de coação em sua assinatura, posto que não provado pelo recorrido como lhe competia e ainda, por ter sido assinado posteriormente à data de sua admissão.

Entretanto, o mesmo não se pode falar com relação aos descontos efetivados e condicionados aos salários percebidos pelo recorrido (cláusula 2.1), como já salientado, sendo que a jurisprudência sedimentada pela Súmula supra referida, condiciona a validade de autorização, desde que o objetivo seja em benefício do próprio trabalhador ou de seus dependentes, o que não ocorre na hipótese, pois o “benefício” da compra do veículo, era somente em função do trabalho e para o empregador.

Desta forma, viola o § 4º do art. 462 da CLT, desconto salarial efetivado para compra de bem do empregador que não seja para proveito do próprio empregado ou de seus dependentes, ainda que haja sua expressa concordância, aposta em contrato de natureza civil condicionado entretanto, à própria vigência do contrato de trabalho, sujeito à rescisão injustificada pelo empregador-promitente vendedor.

Em razões recursais, a recorrente modifica sua tese defensiva, o que lhe é defeso, alegando que “as prestações pagas pelo ora recorrido, enquanto trabalhou para a recorrente, configuram remuneração pelo uso e gozo do bem…”

Mesmo que assim não fosse, é inconcebível que o trabalhador pague aluguel por algo que está utilizando apenas para a sua atividade junto a empresa. Nessa hipótese, por óbvio, a remuneração deveria ser também maior, para retorno do capital investido no referido bem.

O contrato prevê as conseqüências em razão da rescisão do contrato de trabalho, acarretando conseqüente e contratualmente, a rescisão do próprio contrato de promessa de compra e venda, como aliás declinou em sua contestação, ou seja (cláusula sexta):

a) opção de adquirir a propriedade do veículo, quitando de uma só vez as parcelas restantes diretamente à vendedora, sem o desconto previsto no item 5.2, que ocorria no pagamento das parcelas ( item 6.2);

b) o comprador poderá optar por transferir o contrato de leasing para o seu nome, desde que seu cadastro seja aprovado pela instituição financeira, assumindo todas as obrigações pertinentes ao referido contrato, bem como as despesas de transferência (item 6.3);

c) caso o comprador opte por não adquirir o veículo, as partes procederão conjuntamente a venda do bem pelo valor de mercado. Do valor apurado da venda proceder-se-á o pagamento das parcelas não quitadas do leasing. Em havendo sobra de dinheiro entre o valor da venda e o pagamento das parcelas restantes do leasing a vendedora repassará ao comprador, no prazo máximo de 30 dias.

Finalizando a cláusula sexta, dispõe ainda o referido contrato no item 6.6., que caso o comprador não manifeste qual a opção desejada no prazo retro estipulado, entender-se-á que não haverá interesse na compra do veículo, e deste modo, o valor a ser restituído ficará à disposição do comprador dentro do prazo de 30 dias da rescisão, descontando-se os eventuais débitos existentes sobre o veículo.

Portanto, por qualquer ângulo que se analise a questão, quer seja pela validade ou não dos descontos salariais efetivados ou da validade do referido contrato de promessa de compra e venda, é de se ter como nula a avença.

Poderia até se admitir a validade do referido contrato e a boa-fé da recorrente, se o teor da cláusula sexta não fosse de difícil exeqüibilidade por parte de empregado, ou seja, liquidação total do preço do veículo e aprovação de cadastro junto à instituição financeira, mormente em se considerando que estará desempregado com a dispensa efetivada. O mais viável seria a derradeira opção, de venda em conjunto do veículo para quitar o débito restante e o que sobejasse, ser entregue ao trabalhador.

Neste último sentido, a recorrente não fez qualquer demonstração nos autos, em quanto importava o débito e despesas que deveriam ser quitadas, como também, se houve tentativa ou mesmo a venda efetiva do referido bem.


É de se manter pois, o decidido em primeira instância, pelas razões expostas.

Adicional de produção

A recorrente não negou o pagamento a título de adicional de produção desde a admissão em 05/00 até 10/01, quando foi suprimida. Ao contrário, informou a fl. 370 de sua peça defensiva, que o pagamento decorria do resultado da avaliação de desempenho e comportamento de cada empregado no tocante as faltas, uso de EPI’s, uniformes, etc. e que, no caso de alguma falha, o pagamento seria variável, pois para cada item existe um valor. Logo em seguida declarou que referida avaliação, era paga por mera liberalidade.

Incontroverso que a parcela em comento, paga habitualmente, não era destinada ao reembolso de gastos do recorrido em função do trabalho executado, sendo assim, inevitável reconhecer seu caráter retributivo e, via de conseqüência, sua natureza jurídica salarial.

Pelo que, conclui-se que a supressão ocorrida de forma abrupta e sem qualquer justificativa caracterizou redução salarial, devendo, portanto, ser mantida a condenação relativa ao adicional de produção, pelo período de 11.01 a 05.02, término do pacto laboral.

Nego provimento

Segundo Recurso – Segunda Reclamada

Responsabilidade subsidiária

A Súmula nº 331, IV, do C.TST., prevê expressamente a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços terceirizados, ainda que se trate de administração pública.

O entendimento cristalizado pela Corte Superior é fruto de construção jurisprudencial que não afronta o artigo 5°, II, da Carta Política, pois a jurisdição é aperfeiçoada não somente através do ordenamento positivo, mas também através da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do Direito, conforme autorização do artigo 8° da CLT e do artigo 4° da LICC.

A adoção da Súmula que fundamenta a condenação não afronta, de forma alguma, os princípios constitucionais da legalidade, do acesso à prestação jurisdicional, do devido processo legal e da ampla defesa.

Note-se que a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada decorre apenas da inadimplência da real empregadora do autor, prestadora de serviços contratados pela Telesp, que, então, se beneficiou da mão-de-obra do trabalhador.

Nos termos da Súmula nº 331 do C. TST, inciso III a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador de serviços, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, não forma vínculo de emprego com o tomador, mas implica na sua responsabilidade subsidiária quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, desde que o tomador tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial, como ocorreu in casu.

A interposição de empresa fornecedora de mão-de-obra acarreta, para a tomadora dos serviços, a co-responsabilidade pelos encargos trabalhistas, e previdenciários, sob pena de se ensejar a exploração pessoa do trabalhador.

O fundamento da subsidiariedade não é tão-somente legal, mas se vincula aos princípios gerais do Direito, admitido conforme os termos do artigo 8º celetista. Ademais, a responsabilidade civil decorrente da culpa “in eligendo”, também é acolhida em nosso Direito como fundamento à responsabilidade subsidiária, consoante se apura do artigo 1.521 do Código Civil (1916).

Impõe-se assegurar ao autor a satisfação de seus créditos, responsabilidade esta a ser compartilhada pela reclamada beneficiária dos serviços. Esta responsabilidade decorre da culpa in iligendo e in vigilando, pois a ela cabe a fiscalização do cumprimento das obrigações pela contratada.

Justiça gratuita

Falece interesse à recorrente, pois a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita ao recorrido, em nada onera a empresa, principalmente porque foram expressamente excluídos os honorários advocatícios.

Descontos previdenciários

A retenção do recolhimento para a Previdência Social provém de regra imperativa (artigos 43 e 44 da Lei 8.212 de 24.07.1991), sobre o salário contribuição, tanto para o trabalhador como para o empregador, portanto, não se pode eximir o empregado do desconto de tal título nos créditos a seu favor, estando regulamentada a matéria pelos Provimentos 01/96 e 03/05, ambos da CGJT.

A contribuição do empregado será calculada mês a mês, observando-se o limite máximo do salário-de-contribuição e a alíquota correspondente, conforme dispõe o artigo 276 do Decreto 3048/98.

Portanto, os recolhimentos previdenciários devem ser procedidos na forma da fundamentação supra.

Dou parcial provimento.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso da primeira reclamada, Construtora JR Paulista Ltda e dou parcial provimento ao recurso da segunda reclamada, TELESP, para determinar que os recolhimentos previdenciários sejam suportados pelo reclamante, na parte que lhe couber, tudo nos termos da fundamentação. Mantenho o valor da condenação e respectivas custas.

DECIO SEBASTIÃO DAIDONE

Juiz Relator

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