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Delação é arma importante para enfrentar crime organizado

Autor

  • Lélio Braga Calhau

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

29 de agosto de 2005, 11h10

O instituto jurídico conhecido como delação premiada tem ocupado a atenção da mídia nas últimas semanas. Vários setores o vêem com desconfiança e o mesmo é alvo de violenta polêmica no meio político e jurídico.

Como tudo que é novo e desconhecido gera desconfiança, a delação premiada passa por essa crítica por ter sido introduzida muito recentemente no ordenamento jurídico brasileiro. Ela realmente não faz parte da nossa tradição jurídica, que sempre foi avessa á possibilidade de acordos entre o Poder Público e infratores, nos quais a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e de sua autoria, poderia ter como conseqüência a redução de um a dois terços da pena, como por exemplo, no enfrentamento das organizações criminosas.

Todavia, acredito que uma grande parte das críticas é injusta, escoimadas em discursos políticos disfarçados de “pensamento científico penal”, fruto, em parte, da arrogância de uma ala de pensamento que no Brasil se julga o “suposto saber” em termos de ciências criminais, a qual prega a tolerância no sistema penal, mas é incapaz de tratar com a mesma tolerância as idéias, que por uma razão ou outra, discordem do seu falso “discurso científico”. Esse tipo de situação só serviu para dificultar o entendimento, a interpretação e a colocação de limites na aplicação do Direito Penal, e nesse momento, dificulta também a colocação de um objetivo e limite definido para esse instituto.

Não há dúvida que a delação premiada é um instituto que só deva se utilizado em casos especiais. O Estado não pode permitir sua banalização, já que o Poder Público detém o monopólio de investigar os crimes e se isso ocorresse, seria a confissão de sua incapacidade de apurar os crimes, coisa inaceitável.

Mas, o crime evoluiu e a figura daquele delinqüente solitário ou ladrão de ocasião já possui a resposta necessária, ou pelo menos alguma resposta penal para os seus atos. A situação toma contorno diferente quando tratamos da criminalidade profissional, ou o que conhecemos no imaginário popular como o “crime organizado”. Ali, temos a profissionalização da atividade criminal, com a atuação hierárquica, sigilosa e quase sempre compartimentada de seus vários membros, sendo que necessariamente poucos conhecem o funcionamento da parte superior da organização criminal, onde se encontram os comandantes, pessoas quase sempre bem sucedidas e com grande poder social, e que raramente seriam descobertas em suas atividades pelos mecanismos ordinários de investigação criminal.

Sem a existência da delação premiada, é muito difícil para o Estado desmantelar o funcionamento dessas organizações criminosas, que, em muitos casos, mantém laços muito estreitos com o Poder Público, ora com agentes corruptos infiltrados em seus quadros, ora posando de entidade lícitas e de cunho social, tentando impedir, através de artifícios legais (e ilegais) a descoberta do funcionamento ilícito da organização. Não podemos é permitir o uso abusivo da delação premiada. Mas, negar a complexidade e a necessidade do enfrentamento, em especial, das organizações criminosas com a delação premiada é negar a própria dinâmica da realidade criminológica que nos cerca.

Autores

  • é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

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