Ética no mercado

Publicidade enganosa gera concorrência desleal

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27 de agosto de 2005, 10h51

Nenhuma sociedade de consumo sobrevive sem publicidade. É impossível imaginar uma publicidade sem a veiculação de informações. Diga-se, aliás, que é impossível imaginarmos a nossa própria sociedade sem esse produto importantíssimo que é a informação.

Não se pode esquecer que toda publicidade é constituída por informações e que a informação, no Código de defesa do consumidor, é um dos princípios básicos, de observância obrigatória, nas relações de consumo (artigo 6º, inciso III), além de estar inserido entre os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XIV), não há como se aceitar que uma das partes, quando se utiliza desta prática comercial para inserir no mercado seus produtos e serviços, se valha de dados falsos ou manipulados, incapazes de retratar a verdadeira realidade daquilo que está sendo divulgado.

Podemos evidenciar num primeiro momento os elementos objetivos que compõe o processo de informação, quais sejam: o emissor, o meio, o receptor e a própria informação.

A publicidade, que objetiva a comercialização de determinado produto ou serviço, é emitida pelo fornecedor (emissor) que utiliza as mais diversas formas de mídias (meio) existentes para atingir o consumidor (receptor), criando necessidades de consumo, aumentando expectativas, potencializando o consumo de produtos e serviços supérfluos, ou até mesmo os tornando mais necessários do que os mais necessários produtos para a nossa sobrevivência.

Estamos assim, diante de um instrumento de dominação e de estipulação de comportamentos, em uma sociedade onde você é aquilo que você consome. Quem de nós nunca foi comprar uma lâmina de barbear e pediu uma gilette; ou mesmo uma esponja de aço e pediu bombril; ou refrigerante e acabou pedindo uma coca-cola; ou então o carro estilo: você tem ou não, e daí a importância do estudo aprofundado da publicidade e o seu principal elemento: a informação.

Evidencia-se dessa forma a função social da publicidade na medida em exerce forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população, potencializando o consumo, criando necessidades desnecessárias, estilos de vida, o que se traduz em uma sociedade de consumo capitalista no fato de que consumir é imprescindível para se encaixar em determinado grupo social.

Como evidencia Vera Maria Jacob de Fradera1: “A publicidade é, justamente, uma dos fenômenos desta época em que vivemos, ela faz parte de nosso quotidiano, desde a mais tenra infância até nossos últimos dias, é através dela que o Mundo, em todas as suas facetas, nos é oferecido, como se fora uma vitrine, onde são expostas às novidades que, a partir de então, passam a ser necessidades, mostradas que são como indispensáveis ao conforto e à atualização da vida e dos lares”.

Em contrapartida, temos o posicionamento do publicitário Caio A. Domingues 2 que afirma que “a publicidade é um fenômeno cultural derivado: ela não inventa, não inova, não revoluciona. E somente lida com aquilo que já é aceito socialmente. É, portanto, completamente fantasiosa a noção de que a publicidade é perigosa porque conduz a sociedade, quando, na realidade, é a sociedade que conduz a publicidade — na linguagem, na visão do mundo, nas atitudes existenciais.”

Com esse panorama geral, forma-se a cadeia da informação na publicidade, iniciando o seu processo pelo fornecedor, agência de publicidade e da mídia certa otimizando o resultado esperado pela veiculação da publicidade: a comercialização de seu produto ou serviço, já que o bem de consumo está no mercado e se faz necessário atrair o consumidor para adquiri-lo.

O fornecedor, no entanto, não está obrigado a apresentar o seu produto no mercado de consumo através da publicidade, mas, como evidencia a professora Vera Maria Jacob de Fradera3, “ao optar por uma forma de publicidade deve o fabricante sujeitar-se a determinados deveres, decorrentes de lei, o Código de Defesa do Consumidor, bem como a todo um conjunto de comportamentos, obrigatórios, que repousam em princípios, de cunho ético e jurídico, tais como a boa fé, bons costumes, etc., e que informam a todo o sistema do Direito privado nacional.”

A publicidade, como prática de mercado e modo de apresentação de um produto ou serviço, ressaltando suas qualidades como forma de comunicação, é um ato lícito em si, no entanto, na medida em que se apresenta de forma a lesar os consumidores e a induzi-los a comportamentos equivocados ou os levando a laborar in error, atuando como instrumento de persuasão e agressividade, sem levar em conta a dignidade da pessoa humana, merece ser coibida.

A problemática da publicidade que motivou sua regulação é justamente a forma e qual a informação que a publicidade veiculará para atrair os consumidores, evidenciando o texto legal a forma pela qual a publicidade não pode ser veiculada.


Na década de 80, o Conar — Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária criou seu código de ética e conduta, sendo que já no seu preâmbulo no artigo 1º determina que “todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro”, complementando adiante na seção 5 dessa auto-regulamentação (artigo 27) que o anúncio4 deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido.

Visando a sanidade do mercado de consumo5 o legislador optou por proteger o consumidor, vulnerável por natureza na relação de consumo, também no campo da publicidade, positivando a proibição de veiculação de publicidade enganosa, em 1990, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, regulou-se que a publicidade deve ser feita de tal forma que não poderá induzir em erro o consumidor (artigo 37, parágrafo 1º) sendo proibida a publicidade enganosa, e por via inversa, juntamente com a análise do regime da publicidade dos artigos 30 e seguintes da lei consumeirista, temos que toda a informação veiculada tanto na oferta — que é um possível componente da publicidade — quanto na publicidade deverá ser verdadeira.

Temos assim no Brasil um sistema híbrido de controle da publicidade, de um lado a auto-regulamentação constituindo um compromisso entre os empresários, e de outro a inafastabilidade do controle jurisdicional. Como vantagem da auto-regulamentação no campo do Conar temos a flexibilidade6 do processo de controle da publicidade, através de mecanismos que se mostram muitas vezes mais eficazes e eficientes do que um processo judicial. A desvantagem fica por conta da não obrigatoriedade de suas normas, assim como pelo fato de que a criação, manutenção e aplicação da norma ocorre pelas mesmas pessoas que podem estar infringindo os seus dispositivos.

A proteção do consumidor contra a publicidade enganosa leva em conta tão somente sua capacidade de indução em erro7, assim, não é buscada na análise da publicidade o dano efetivo, mas sim a potencialidade de dano que aquela informação falsa pode causar aos consumidores, e a aferição da enganosidade em abstrato.

Como evidencia Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin8: “em suma: o legislador brasileiro, na avaliação do que seja publicidade enganosa (e no seu regramento civil), enxerga mais o anúncio do que propriamente a mente da pessoa que o produziu ou dele se aproveitou. O erro real consumado é um mero exaurimento, que para fins de caracterização da enganosidade é irrelevante.”

Assim, para a aferição da enganosidade do anúncio publicitário se faz necessária à verificação do processo de informação à luz do potencial consumidor (receptor), para saber se aquela informação veiculada é ou não suficiente e adequada, e se contém algum tipo de informação falsa.

A informação falsa, aquela mentirosa, enganadora, fingida, ambígua, dissimulada, simulada, implícita e exagerada, subliminar acarretará em uma falha no processo de comunicação entre o fornecedor e o potencial consumidor, e dela poderá resultar uma falha na contratação entre o consumidor e o fornecedor (indução em erro do consumidor).

Evidenciar uma informação falsa na publicidade não é um trabalho tão simples, o único critério que deve ser utilizado é a capacidade de induzir em erro o consumidor, temos que o legislador teve a preocupação de não fechar o comando legal de proibição da veiculação de publicidade enganosa, na medida em que evidenciou não só a principal fonte de vício de consentimento do consumidor (a informação falsa), mas também qualquer outra modalidade.

Assim, não só a informação pode ser falsa, muitas vezes a informação é verdadeira, mas a forma que foi veiculada pode traduzir no consumidor uma falsa percepção da realidade daquele produto ou serviço, induzindo o consumidor ao erro.

A análise crítica da publicidade aos olhos do consumidor é que evidenciará a presença de uma informação falsa ou percepção falsa da realidade, mesmo que parcialmente que gerará uma distorção no processo decisório do consumidor9 induzindo ao engano do consumidor ao adquirir um produto ou serviço que não compraria se estivesse adequadamente informado.

Justamente o que ocorre é uma falha no processo de comunicação intrínseco à publicidade, já que a informação veiculada, mesmo que verdadeira, não foi adequadamente compreendida pelo consumidor, assim, para que a publicidade seja internamente adequada ao mercado de consumo, o primeiro passo é a inserção de informações verdadeiras, claras, precisas e num segundo passo, o conjunto da peça publicitária, principalmente a veiculada na TV, ou seja, as imagens, personagens, figuras, músicas, textos, devem ser verdadeiras e interligadas entre si, para que o consumidor possa compreender e não se enganar com a publicidade.


Na publicidade estamos lidando diretamente com um interesse difuso visto que o próprio objetivo da publicidade é o de atingir um número indeterminado de pessoas, consumidores em potencial, e desta forma, mesmo que somente aos olhos de uma pequena parcela desses consumidores essa publicidade seja enganosa, não deve ser veiculada, não se espera assim, primeiro que haja prejuízo efetivo objetivando o comando legal a prevenção de danos, segundo a enganosidade não precisa ser “sentida” pela maioria dos consumidores, até porque é impossível a sua aferição.

As conseqüências da falha dessa comunicação recairão exclusivamente em desfavor dos fornecedores, bem como daqueles que participaram dessa cadeia emitindo e veiculando a informação, de forma solidária, já que é risco de seu negócio, ante o poder econômico, do conhecimento técnico que encontram limitação nos direitos do consumidor.

O legislador estipulou uma regra de distribuição de ônus da prova no âmbito da publicidade (artigo 38, do CDC) e não a possibilidade da inversão do ônus da Prova, previsto no artigo 6º, VIII, do CDC, pois aquele dispositivo já determina que a prova da “veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Basta, assim, a mera alegação da parte lesada quanto à falsidade da informação no anúncio publicitário para que o patrocinador tenha o dever legal de demonstrar que os dados nela insertos estão acobertados pela transparência e veracidade.

Ademais, o fato de que muitas publicidades, além de omitirem os dados essenciais do produto ou serviço — o que, por si só, já a caracteriza como falsa —, e utilizando informações falsas, ainda utilizam métodos comparativos com produtos e serviços de outros fornecedores, elementos que causam um outro problema de grande monta, qual seja — a concorrência desleal, vedada pelo ordenamento constitucional, conforme disposto nos artigos 170, IV e 173 parágrafo 4º, da Lei Maior, na medida em que as violações ao Código de Defesa do Consumidor são um ricochete à violação à ordem econômica e vice-versa.

Visando o afastamento da publicidade enganosa no mercado de consumo, o fornecedor, deve observar alguns princípios do Código de Defesa do Consumidor: boa-fé (artigo 4º, III); informação (artigo 6º, III); transparência (artigos 4º, caput e 36, parágrafo único); proteção contra a publicidade enganosa (artigo 6º, I); identificação (artigo 36, caput); veracidade (artigo 37); vinculação (artigos 30 e 35); ônus da prova (artigo 38). E por que não acrescentar outros como o da veracidade, não ambigüidade, mensagem implícita verdadeira e a vedação de mensagens subliminares.

Uma publicidade que atenda a estes princípios conterá em sua estrutura informação adequada, suficientemente clara e precisa sobre determinado produto ou serviço posto à disposição no mercado de consumo, bem como adequada a todos os elementos componentes da peça publicitária, afastando assim o seu caráter ilícito de enganosidade.

Diante de uma publicidade enganosa, além da retirada de circulação do anúncio publicitário, temos ainda a possibilidade da correção desse desvio publicitário por meio da contrapropaganda prevista no artigo 60 do Código de Defesa do Consumidor. Além da averiguação da infração penal dos artigos 63, 66 e 67 do Código de Defesa do Consumidor.

A publicidade é atividade lícita, no entanto, ao tentar iludir o consumidor para impingir-lhe seus produtos e serviços, viola a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, podendo até acarretar a prática da concorrência desleal, neste momento, a atividade antes lícita tornou-se ilícita. Contudo, respeitados os valores fundamentais, será sempre digna de elogios, caso contrário, distorcendo a mente dos atingidos, merecerá sempre o repúdio do ordenamento jurídico pátrio.

Notas de rodapé

(1) A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou abusiva à luz do princípio da boa-fé: o dever de informar no Código de Defesa do Consumidor – Revista de Direito do Consumidor n. 4, págs 173 à 191.

(2) Publicidade enganosa e abusive – Revista de Direito do Consumidor n. 4, págs 192 à 199.

(3) A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou abusiva à luz do princípio da boa-fé: o dever de informar no Código de Defesa do Consumidor – Revista de Direito do Consumidor n. 4, págs 173 à 191.

(4) a palavra anúncio é aplicada em seu sentido lato, abrangendo qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Embalagens, rótulos, folhetos e material de ponto-de-venda são, para esse efeito, formas de publicidade. A palavra anúncio só abrange, todavia, a publicidade realizada em espaço ou tempo pagos pelo Anunciante – definição contida na alínea “a” do artigo 18 do Código de Auto-Regulamentação Publicitária.

(5) Um dos principais objetivos do Código de Defesa do Consumidor à luz do artigo 170 da Constituição Federal, entendimento demonstrado pela professora Suzana Maria Catta Preta Federighi em palestra proferida ao curso de pós graduação latu sensu da PUC/SP em 27.06.2005.

(6) Frota, Mário – Auto-Regulamentação: vantagens e desvantagens – Revista de Direito do Consumidor n. 2, pág 42 à 51.

(7) Vasconcellos e Benjamin, Antônio Herman de – CDC comentado pelos autores – pág. 291 – 7ª edição – Ed. Forense Universitária.

(8) CDC comentado pelos autores – pág. 291 – 7ª edição – Ed. Forense Universitária.

(9) Vasconcellos e Benjamin, Antônio Herman de – CDC comentado pelos autores – pág. 287/288 – 7ª edição – Ed. Forense Universitária.

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