Educação no país

União legisla mas não fiscaliza instituições de ensino

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25 de agosto de 2005, 21h19

A União tem competência para legislar sobre educação, mas não é obrigada a fiscalizar instituições de ensino. Esse foi o entendimento do juiz substituto da Vara Federal de Tubarão (SC), Alexsander Fernandes Mendes, ao determinar que a União não deve fazer parte de processo que contesta os cursos de pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) da Unisul — Universidade do Sul de Santa Catarina. Assim, a competência é da Justiça estadual.

Em sua decisão, Mendes ressaltou que já existe uma tramitação regular dos pedidos de autorização e regularização dos cursos de pós-graduação, não havendo, porém, disposição acerca de uma fiscalização ostensiva.

O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra a Unisul e a União. O objetivo era que a União fosse obrigada a fiscalizar os mestrados e doutorados oferecidos pela Unisul e que a instituição regularizasse a oferta desses cursos, mediante o reconhecimento pelo Ministério da Educação.

Em informações prestadas à Justiça Federal, a União afirmou que algumas propostas de oferecimento de cursos de pós-graduação já foram analisadas pela Capes — Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2005.72.07.004829-4

DECISÃO

O Ministério Público Federal, no uso de suas atribuições institucionais, ajuizou Ação Civil Pública em face da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL e da UNIÃO com o fim de que aquela regularizasse a oferta dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), mediante o reconhecimento pelo Ministério da Educação (CNE/CAPES), e esta para que realizasse o efetivo poder de polícia dos cursos de pós-graduação stricto sensu oferecidos pela universidade ré.

Juntou farta documentação que se encontra nos autos em apenso.

Requerida as informações nos termos da Lei 8.437/92, os réus prestaram-nas à folhas 31/37 (UNISUL) e 227/233 (UNIÃO).

Para a análise do pedido liminar, entendo pertinente o exame da legitimidade passiva da União no feito, eis que sua eventual exclusão do processo afetará o deslocamento da competência para outro juízo.

Com efeito, o Ministério Público Federal instiga diversas legislações com o intuito de demonstrar a obrigatoriedade do ente federal em fiscalizar a primeira ré em relação ao objeto requerido nos autos.

Prefacialmente, na seara constitucional, o primeiro dispositivo que dedicou matéria relativa ao ensino foi a Carta de 1934, onde no seu art. 150 afirmava que competia à União:

b) determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino secundário e complementar deste e dos institutos de ensino superior, exercendo sobre eles a necessária fiscalização.

No mesmo sentido, manteve-se a Constituição de 1937 sem, no entanto, enfatizar a fiscalização a ser exercida pelo ente federal:

Art. 15 – Compete privativamente à União:

IX – fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude;

A competência material privativa da União para o ensino manteve-se nas Constituições de 1946 (art. 5º, XV, d,) e de 1967 (8º, XIV) nos mesmos moldes da Constituição anterior.

Com a promulgação da Constituição de 1988, nada foi disciplinado de específico sobre o ensino no art. 21, que dispõe sobre a competência material privativa da União, mas foi distribuída à competência concorrente entre os entes federativos (art. 23, V), sem que especificasse qualquer ato de fiscalização.

Convém ressaltar que o fato de a União ter competência privativa para legislar sobre a matéria atinente a educação (art. 22), não faz com que seja obrigada a exercer o poder de fiscalização nas instituições de ensino.

Em capítulo dedicado somente à educação, o art. 205 reforça o entendimento de que compete às três esferas do poder executivo zelar pela educação: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O dever do Estado para com a educação vem elencado no art. 208, mas numa análise sucinta do dispositivo constitucional, ainda não se vislumbra imposição à União em fiscalizar, nos moldes em que proposto, às instituições de ensino que ofereçam cursos de pós-graduação stricto sensu.

Na seqüência, o art. 209 faz previsão dos requisitos para a oferta do ensino pela iniciativa privada:

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.


O dispositivo transcrito não chega a atender as expectativas trazidas aos autos pela parte autora, senão elucidar quais itens a iniciativa privada deve cumprir para prestar serviços educacionais, previsão constitucional de eficácia limitada, tornando-a efetiva a utilização das chamadas leis ordinárias.

No nível infraconstitucional impende aduzir que a Lei 4.024/61 foi derrogada pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), expresso no art. 92.

Quanto a Lei 9.394/96, dispõe o art. 9º:

Art. 9º A União incumbir-se-á de:

IX – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.

Das palavras “autorizar”, “reconhecer”, “credenciar”, “supervisionar” e “avaliar” não há como entendê-las como incumbência na realização de uma inspeção ostensiva, onde se poderia cogitar na obrigatoriedade dos servidores da União a realizarem o pleito formulado pelo autor. Pensamento contrário violaria as normas pertinentes para a aprovação de um curso de pós-graduação stricto sensu, eis que, condená-la (União) a enviar seus prepostos para analisarem os cursos, sem que se lhe tenha sido apresentado qualquer projeto segundo as normas pertinentes, vai de encontro ao previsto no ordenamento jurídico.

Nesse sentido, a Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação, assim prescreve em seu artigo 1º:

Art. 1º Os cursos de pós-graduação stricto sensu, compreendendo programas de mestrado e doutorado, são sujeitos às exigências de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento previstas na legislação.

§1º A autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento de cursos de pós-graduação stricto sensu são concedidos por prazo determinado, dependendo de parecer favorável da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, fundamentado nos resultados da avaliação realizada pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e homologado pelo Ministro de Estado da Educação.

§2º A autorização de curso de pós-graduação stricto sensu aplica-se tão-somente ao projeto aprovado pelo CNE, fundamentado em relatório da CAPES.

§3º O reconhecimento e a renovação do reconhecimento de cursos de pós-graduação stricto sensu dependem da aprovação do CNE, fundamentada no relatório de avaliação da CAPES.

§4º As instituições de ensino superior que, nos termos da legislação em vigor, gozem de autonomia para a criação de cursos de pós-graduação devem formalizar os pedidos de reconhecimento dos novos cursos por elas criados até, no máximo, 12 (doze) meses após o início do funcionamento dos mesmos.

§5º É condição indispensável para a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento de curso de pós-graduação stricto sensu a comprovação da prévia existência de grupo de pesquisa consolidada na mesma área de conhecimento do curso.

§6º Os pedidos de autorização, de reconhecimento e de renovação de reconhecimento de curso de pós-graduação stricto sensu devem ser apresentados à CAPES, respeitando-se as normas e procedimentos de avaliação estabelecidos por essa agência para o Sistema Nacional de Pós-Graduação.

Como visto, há uma tramitação regular dos pedidos de regularização/autorização de cursos stricto sensu (pós-graduação), não havendo disposição no sentido de uma fiscalização ostensiva.

De mais a mais, colhe-se das informações prestadas pela Procuradora Chefe da União Substituta, Dra. Dalvani Luzia Propodoski Rocha Vieira Jank (fl. 230):

Entrementes, constam nos registros da Coordenação de Avaliação da CAPES que a UNISUL submeteu à avaliação, com vistas ao reconhecimento de três propostas de implantação de cursos de mestrado em 2003/4, nas áreas de Ciências da Linguagem; Constitucionalidade e Sustentabilidade do Direito; e, Direito e Desenvolvimento Sustentável. Das três propostas, somente a de Ciência da Linguagem demonstrou qualidade satisfatória e obteve o conceito (3), que é o mínimo para sustentar a recomendação de reconhecimento.

No corrente ano (2005) conta também que a UNISUL protocolou duas novas propostas de implantação de cursos de Mestrado, das Áreas de Administração e Direito, as quais estão aguardando a conclusão do processo avaliativo.

Diante desses fatos, de forma inversa ao requerido pelo MPF, já foram analisadas algumas propostas de oferecimento de cursos stricto sensu pela UNISUL.

Creio que esta é a forma como se devem tramitar os demais pedidos de autorização dos cursos de pós-graduação, pois o deferimento do pedido dos autos poderia levar, além da inocuidade da medida, a ineficiência no serviço de fiscalização ante a inexistência de sua regulamentação, fazendo com que surtisse efeito não almejado pela própria parte autora.


Na procura de decisões a respeito de casos semelhantes nos Tribunais Pátrios, encontrou-se o seguinte precedente:

PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS. CURSO DE MESTRADO SEM AUTORIZAÇÃO DA CAPES. FALTA DE INTERESSE EM RELAÇÃO À UNIÃO. ILEGITIMIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

– O dano supostamente causado pela Universidade não pode, nem em tese, ser imputado à União, que, por meio de sua atuação preventiva, não poderia ter evitado que a universidade ré ministrasse cursos de mestrado sem autorização do MEC, faltando-se legitimidade para participar da demanda.

– Ademais, o pedido para que a União fiscalizasse o curso, além de violar as regras procedimentais para a regularização de curso de pós-graduação, é inócuo, já que, ao não conceder a autorização, a União já procedeu à fiscalização preventiva.

– Se não há interesse processual quanto ao único pedido feito contra a União, nem tampouco legitimidade de parte, tem-se que esta deve ser excluída da lide, falecendo competência a esta Justiça Federal para apreciar o feito, como houvera reconhecido a sentença a quo. – Apelação improvida. (AC nº 331313/SE 1ª, Turma DJ 30/11/2004, p. 554 nº229, Desembargador Federal Francisco Wildo).

O Des. Federal Francisco Wildo, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na ementa acima transcrita proferiu em seu voto:

(…)

Percebe-se, pois, que o papel da União não é repressivo, ou ostensivo, mas sim preventivo. Não cabe ao MEC, através da CAPES, fechar as portas de uma determinada faculdade porque a mesma está oferecendo cursos sem autorização. Em hipótese alguma poderia a União ser obrigada a “fiscalizar” determinado curso, sem que se lhe tenha apresentado um projeto e sem que um interessado tenha se adequado às normas procedimentais estabelecidas pelo MEC, através da CAPES, para que um determinado curso de Mestrado tenha autorização para funcionar.

Assim, se um curso abre sem autorização do MEC, não cabe a ele ir ao local e fechar suas portas, já que o resultado da sua não aprovação (ou não fiscalização) é justamente a falta de autorização para o curso funcionar como pós-graduação strictu sensu, de forma tal que seus atos jurídicos não terão a mesma eficácia que os atos praticados por um curso regularmente credenciado.

Ao requerer que o Judiciário mande a União fiscalizar o pretenso curso de mestrado que, segundo afirma, lhe fora oferecido pela UNIT, o apelante está a pretender, na verdade, que a Administração Pública garanta que tal curso só venha a surtir efeitos de um curso de pós-graduação strictu sensu desde que tenha passado pelo crivo da fiscalização da União. Este seria o único resultado a que a fiscalização do MEC poderia chegar. Aprovar ou não aprovar o curso.

Assim, o pleito do autor viola as normas pertinentes para a aprovação de um curso de pós-graduação strictu sensu, eis que, condenar a União a enviar seus prepostos para analisar o curso, sem que se lhe tenha sido apresentado qualquer projeto segundo as normas pertinentes, é uma violação evidente ao ordenamento jurídico.

Ademais, o dano causado ao apelante não seria resolvido pela fiscalização do MEC, já que o resultado possível da fiscalização pelo MEC, seria tão somente a desautorização do curso, ou seu não-credenciamento (pensando-se apenas hipoteticamente, já que o curso sequer estava autorizado). Jamais o MEC poderia obrigar a faculdade a fechar suas portas.

Veja-se que não é proibido abrir salas de aula e dar cursos sem autorização do MEC. Vide os vários “cursinhos” para concursos públicos e para o vestibular das universidades. O que ocorre é que o resultado da fiscalização do MEC é tão-somente a não-autorização. Mais que isso, somente a polícia ou os órgãos de proteção ao consumidor podem fazer.

Assim, o fato de o curso não estar autorizado já demonstra a eficácia da fiscalização do MEC, que só dá autorização a cursos que se submetem ao devido processo acompanhado pela CAPES, como bem se vê do artigo 1º, §6º da Resolução CNE/CES nº 1, de 03 de abril de 2001:

§6º Os pedidos de autorização, de reconhecimento e de renovação de reconhecimento de curso de pós-graduação strictu sensu devem ser apresentados à CAPES, respeitando-se as normas e procedimentos de avaliação estabelecidos por essa agência para o Sistema Nacional de Pós-Graduação.

Se o curso sequer foi submetido a tal procedimento, não pode o autor querer obrigar que a União o faça.

Nesse sentido, o dano não pode, nem em tese, ser imputado à União, ou seja, a causa de pedir não tem qualquer ligação com a fiscalização do MEC, que, por meio de sua atuação preventiva, não poderia ter evitado que a universidade ré ministrasse cursos de mestrado alegando estarem tais cursos com autorização do MEC.

Assim, a causa de pedir alegada pelo apelante não pode ser, nem em abstrato, atribuída a uma “desídia” da União, que, como dito, não possui, nesses casos, poder de fiscalização ostensiva, cabendo aos órgãos legitimados a análise dos cursos cujos projetos lhes são encaminhados.

Restando, portanto, evidenciada a inocuidade do pedido relativo à União, tem-se que a falta de interesse processual, na modalidade “necessidade”, já que o procedimento judicial não teria resultado prático para a solução do problema alegado pelo apelante, já que o curso, não estando autorizado a funcionar como mestrado, já considera “fiscalizado”. Ademais, não há legitimidade da União para participar da demanda, já que não tem relação com a causa de pedir, qual seja, o pretenso engodo perpetrado pelo réu UNIT, não podendo tê-lo evitado, nem que o projeto do curso lhe tivesse sido enviado.

Se não há interesse processual com relação ao único pedido feito com relação à União, tem-se que esta deve ser excluída da lide, falecendo competência a esta Justiça Comum Federal para apreciar o feito.

(…)

Por fim quanto à chamada Taxa de Avaliação in loco das Instituições de Ensino Superior, criada pela Lei 10.870/04, em nada altera o entendimento aqui direcionado.

As taxas, espécies de tributos, dividem-se em duas hipóteses de ocorrência, conforme se depreende no art. 77 CTN:

As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. (grifei)

Ao discorrer sobre a taxa, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. Afirma que ela “(…) tem caráter contraprestacional porque não pode ser cobrada sem que o Estado preste ao contribuinte, ou coloque à sua disposição, serviço público específico e divisível. Se o serviço público inexistir, não pode o poder público cobrar taxa porque trata-se de tributo vinculado. A vinculação da hipótese de incidência legal a uma atuação estatal específica relativa ao contribuinte constitui pressuposto para a cobrança da taxa porque, caso contrário, inexistindo caráter contraprestacional, não há que se falar em taxa mas em imposto. [1]

Nessa senda, o art. 1º da Lei 10870/2004 reza que:

Art. 1o Fica instituída a Taxa de Avaliação in loco, em favor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, pelas avaliações periódicas que realizar, quando formulada solicitação de credenciamento ou renovação de credenciamento de instituição de educação superior e solicitação de autorização, reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos de graduação, previstos no inciso IX do art. 9o e art. 46 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (grifei)

Depreende-se, pelo teor da norma, que a Taxa em questão é aquela na qual há uma contraprestação por um serviço prestado, e não pela realização de um poder de polícia, sendo assim, soa lógico que a Universidade deve requerer o exercício efetivo do serviço a ser prestado pelo poder público e não que este fiscalize a regularidade da oferta do ensino.

Ante o exposto, excluo a União do pólo passivo da demanda, e declino competência para uma das varas cíveis da Comarca de Tubarão/SC.

Intimem-se.

Decorrido o prazo para eventual recurso, remetam-se os autos.

Tubarão, 23 de agosto de 2005.

Alexsander Fernandes Mendes

Juiz Federal Substituto

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