STF em chamas

Supremo mantém resolução que reduz números de vereadores

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25 de agosto de 2005, 21h04

Aos gritos de “viva o mensalão”, centenas de manifestantes colocaram fogo em papéis e xingaram ministros do Supremo Tribunal Federal em protesto contra a decisão da Corte, que, por dez votos a um, manteve a redução do número de cadeiras de vereadores nos municípios nesta quinta-feira (25/8).

O resultado já estava definido e o ministro Marco Aurélio proferia seu voto quando a confusão começou. Em frente à estátua da Justiça, centenas de manifestantes inconformados com o corte de 8,5 mil vagas de vereadores Brasil afora, deram início à baderna.

A segurança do STF pouco pôde fazer. Muitos dos manifestantes atravessaram a praça dos Três Poderes e tentaram invadir o Palácio do Planalto.

O tumulto foi acalmado com a chegada do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar e deixou, de quebra, um congestionamento nas imediações dos palácios.

O julgamento

O plenário do Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a Resolução 21.702/04, do Tribunal Superior Eleitoral. A Resolução fixou o número de vereadores que cada município deve ter, com base em sua população, seguindo o que foi decidido em julgamento do próprio STF (RE 197.917).

Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a redução de cadeiras foram ajuizadas: uma pelo PP e outra pelo PDT. O relator da matéria foi o ministro Celso de Mello e o ministro Marco Aurélio foi o único a discordar da decisão.

Diversas vezes durante o julgamento os ministros invocaram a questão da supremacia da Constituição Federal e ressaltaram que quem determina os limites constitucionais é o STF.

Em março de 2004, o Pleno do Supremo fixou um critério para definir o número de vereadores nos municípios. Como a decisão leva à diminuição do número de assentos nos legislativos municipais, os vereadores decidiram pressionar o Supremo para rever seu posicionamento. A via escolhida foi a ADI contra a resolução do TSE que, na prática, viabilizou a decisão do STF. Não surtiu efeito.

Em seu voto que conduziu a decisão, o ministro Celso de Mello ressaltou que o TSE nada mais fez “senão dar expansão a uma interpretação constitucional que, emanada do Supremo, definiu o exato alcance e o preciso significado da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal”.

O ministro acrescentou que a norma editada pelo TSE reforça a supremacia e a própria força normativa da Constituição diante do fato de que a fixação dos critérios para se estabelecer o número de vereadores por município foi decidida em julgamento de um Recurso Extraordinário pelo próprio STF.

“As razões expostas convencem-me da correção do ato emanado do TSE levando-me por isso mesmo ao não vislumbrar ofensa aos postulados da reserva de lei, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal e a não acolher a pretensão de inconstitucionalidade deduzida nas ações”, concluiu o Celso de Mello.

Para o ministro Carlos Velloso, que também é presidente do TSE, “a Resolução conferiu natureza objetiva à decisão do Supremo no julgamento do Recurso Extraordinário, a fim de evitar milhares de recursos e ações que poderiam surgir após as eleições municipais e congestionar a Justiça Comum e a Eleitoral”.

O presidente do STF, ministro Nelson Jobim, afirmou que a Corte fez algo importante ao dar interpretação definitiva ao artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal, com o objetivo de uniformizar a aplicação das regras eleitorais. “Se as eleições se realizassem nos termos que tínhamos, até hoje estaria uma enorme balbúrdia em relação à composição das câmaras dos vereadores porque essa discussão não terminaria”, afirmou.

Voto Divergente

Voto vencido, o ministro Marco Aurélio afirmou que a Constituição Federal dispôs que os municípios seriam regidos por suas próprias leis orgânicas, desde que atendidos determinados princípios. De acordo com o entendimento do ministro, o constituinte não determinou ao TSE a fixação do número de cadeiras.

Para o ministro Marco Aurélio, não cabe ao Tribunal Superior Eleitoral, nem ao Supremo, regulamentar a lei. “Não reconheço a competência do TSE e do Supremo em atuar com essa repercussão”, ressaltou. No voto, Marco Aurélio destacou que a resolução do TSE afastou as leis orgânicas municipais, o que considerou ser uma violação ao texto constitucional. “Será que é dado desconhecer essas leis orgânicas sem afastá-las mediante procedimento próprio da ordem jurídica?”, indagou o ministro.

Segundo o ministro, o TSE substituiu os constituintes alterando “a própria Constituição Federal para elaborar o que essa mesma Constituição previu como sendo da incumbência de cada câmara de vereadores, que é a lei orgânica do município”.


ADI 3.345 e 3.365

Leia os votos do merito, da preliminar de não conhecimento e de inaplicabilidade do ministro Celso de Mello

25/08/2005 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDADE 3.345-0

V O T O

(mérito)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, nele proferiu, em 24/03/2004, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, ‘INCIDENTER TANTUM’, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.

2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.

4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.

5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).

6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º).

7. Inconstitucionalidade, ‘incidenter tantum’, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes.

8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ‘ex tunc’, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.

Recurso extraordinário conhecido e, em parte, provido.” (grifei)

Essa decisão plenária foi proferida por votação majoritária, vencidos os Ministros MARCO AURÉLIO, SEPÚLVEDA PERTENCE e CELSO DE MELLO.

Ao final desse julgamento – que se transformou no “leading case” a propósito da interpretação definitiva que esta Suprema Corte deu à cláusula de proporcionalidade consubstanciada no inciso IV do art. 29 da Constituição -, registraram-se as seguintes intervenções, motivadas pela preocupação deste Supremo Tribunal com as eleições municipais de 2004:

“O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, gostaria de fazer uma ponderação ao Tribunal, considerando a matéria já julgada.

Passa-se o seguinte: pela legislação eleitoral – todos nós sabemos -, no mês de junho, começam as convenções partidárias para fixação dos candidatos. Os candidatos são relativos às vagas das Câmaras de Vereadores. Nesse caso, pela decisão, reduziu-se o número de Vereadores e ficaria em aberto se esperássemos a Lei Orgânica Municipal votar a matéria. Creio que aqui vamos ter um problema sério, porque os candidatos dos partidos políticos, a cada conjunto de partido político – ao que me lembro – dá cento e cinqüenta por cento no número de candidatos correspondentes às vagas. Então, as coligações partidárias, inclusive, têm mais um ponto, mas os partidos individualmente, para cada nove vagas, ficam com o direito de ter cento e cinqüenta por cento disso e assim sucessivamente.

Ora, se nós não tivermos, nesse período todo, uma solução desta questão em todo o País, tenho a impressão que vai haver uma enorme e terrível dificuldade para o processo eleitoral que se realizará. Então, eu ponderaria, e aqui, evidentemente, presente está o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que isso seria uma matéria a ser regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, para dar eficácia à situação e viabilizar a realização das eleições, porque, senão, vamos ter um imenso problema em relação a isso.” (grifei)

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, penso que, para a tranqüilidade dessa decisão que o Tribunal Superior Eleitoral terá que tomar – e aí o apelo a Vossa Excelência e ao seu dinamismo – é essencial que o acórdão esteja publicado no menor tempo possível. A partir daí, submeterei ao Tribunal Superior Eleitoral como administrar esse problema. Embora se cuide de um caso concreto, e malgrado a minha respeitosa dissonância da maioria, é preciso dar uma orientação uniforme a esse respeito para todo o País.” (grifei)

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Sr. Presidente, a propósito das observações feitas pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, gostaria apenas de registrar – e trarei numa outra oportunidade – que esse caso, e há necessidade de sua regulamentação pelo TSE, está a demonstrar a plena e completa superação da intervenção do Senado, aqui, neste tema. Talvez o Senado tenha uma função de mera publicação, de emprestar mera publicidade à decisão. De modo que, talvez em momento oportuno, devamos discutir isso em questão de ordem.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me permite? Mesmo porque a lei em jogo no processo é uma lei local, e não se aplica em todo o território nacional, ou seja, não sugere a suspensão da execução no Brasil inteiro.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Esse é um caso em que não há necessidade.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Sim, mas estamos dando efeito transcendente. (…).” (grifei)

Em conseqüência dessas ponderações, que compuseram o acórdão plenário do Supremo Tribunal Federal no caso referido – e cuja finalidade consistiu em viabilizar a adoção, pelo TSE, de medida que desse máxima eficácia ao julgamento proferido no apelo extremo em questão -, o Ministério Público Eleitoral, por seu eminente Chefe, formulou representação, dirigida ao E. Tribunal Superior Eleitoral, propondo-lhe a edição de resolução destinada a conferir efetividade e concreção ao julgamento plenário, realizado por esta Corte Suprema, do RE 197.917/SP.

Eis o teor da representação, que, acolhida pelo Tribunal Superior Eleitoral, ensejou a edição da Resolução TSE nº 21.702/2004 (fls. 164/165):

A Procuradoria Geral Eleitoral, tendo conhecimento de que foi concluído, em 24 de março último, o julgamento do RE n° 197.917-8/SP (Rel.: Min. Maurício Corrêa, DJ 31/3/2004), vem expor e requerer a Vossa Excelência o seguinte:


1. O Colendo Supremo Tribunal Federal, por votação majoritária (vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Celso de Mello), deu parcial provimento ao recurso, para, ‘restabelecendo, em parte, a decisão de primeiro grau, declarar inconstitucional, ‘incidenter tantum’, o parágrafo único do artigo 6º da Lei Orgânica nº 226, de 31 de março de 1990, do Município de Mira Estrela/SP, e determinar à Câmara de Vereadores que, após o trânsito em julgado, adote as medidas cabíveis para adequar sua composição aos parâmetros ora fixados, respeitados os mandatos dos atuais vereadores’.

2. Estabeleceram-se no julgado precisos critérios para a definição do número de Vereadores, segundo o número de habitantes do Município e conforme cada uma das três faixas populacionais constantes do art. 29 da Constituição (alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’).

3. Objetivando assegurar a observância da orientação emanada da Corte Suprema, não apenas, evidentemente, para o município de Mira Estrela, mas para todos os municípios brasileiros, e considerando, ainda, a proximidade das eleições municipais, o MINISTÉRIO PUBLICO ELEITORAL, invocando as competências dessa Corte Superior previstas no art. 23 do Código Eleitoral, propõe a edição de ato normativo que estabeleça prazo razoável às Câmaras Municipais para adaptação das respectivas leis orgânicas, visando ao pronto atendimento dos parâmetros de fixação do número de Vereadores.

4. Sugere-se, por outro lado, que o ato normativo proposto explicite que o Tribunal Superior Eleitoral, uma vez superado o lapso temporal fixado sem correção das normas locais, estabelecerá, de ofício, o número de Vereadores, nos estritos termos do que decidido no RE nº 197.917-8/SP. (…).

O eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, então Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral, ao acolher a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral, assim fundamentou o seu voto, que foi seguido pela unanimidade daquela Alta Corte judiciária, inclusive pelos eminentes Ministros ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO (fls. 165):

“(…) O meu voto acolhe a representação.

A manifestação do Supremo Tribunal Federal – ‘Guarda da Constituição’ – tomada por maioria qualificada de votos, ao cabo de aprofundado debate – traduz a interpretação definitiva do art. 29, IV, da Lei Fundamental.

Por sua vez, no âmbito da sua missão constitucional, não apenas de cúpula da jurisdição eleitoral, mas também de responsável maior pela administração geral dos pleitos, incumbe ao TSE valer-se de sua competência regulamentar para assegurar a uniformidade na aplicação das regras básicas do ordenamento eleitoral do país.

Em conseqüência, proponho ao Tribunal aprovar resolução nos termos da minuta anexa.

Além de visar à observância geral dos critérios fixados pelo Supremo Tribunal Federal para a determinação do número de vereadores em cada município, o texto leva em conta a tramitação em ambas as casas do Congresso Nacional de propostas de emenda à Constituição para alterar a disciplina vigente da matéria.” (grifei)

Em conseqüência dessa resolução, o E. Tribunal Superior Eleitoral, que tem sido provocado a declarar a inconstitucionalidade desse mesmo ato, vem repelindo tal pretensão e confirmando a plena validade jurídico-constitucional da Resolução TSE nº 21.702/2004, vencido o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, em decisões consubstanciadas em acórdãos assim ementados:

Mandado de Segurança. Resolução-TSE nº 21.702/2004. Número de vereadores para a legislatura 2005/2008. Art. 29, IV, Constituição da República. Interpretação do Supremo Tribunal Federal. Coisa julgada. Afastamento.

Regulamentação feita pelo Tribunal Superior Eleitoral no exercício da sua competência (art. 23, IX, do Código Eleitoral).

A competência das Câmaras de Vereadores para fixar o número de suas cadeiras, nos termos do art. 29, IV, Constituição da República, deverá orientar-se segundo a interpretação que lhe foi dada pelo colendo Supremo Tribunal Federal, a quem compete precipuamente a sua guarda. (…).”

(MS 3.173/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA – grifei)

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÃO 2004. NÚMERO DE CADEIRAS NA CÂMARA DE VEREADORES. CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.


– A competência das Câmaras de Vereadores para fixar o número de cadeiras daquela Casa deve observar o previsto no art. 29, IV, da Constituição Federal, com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, a quem compete a guarda da Carta Magna.”

(RMS 337/RS, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – grifei)

ELEIÇÃO DE 2004. CÂMARA DE VEREADORES. CADEIRAS. NÚMERO. FIXAÇÃO. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. RESOLUÇÕES Nº 21.702 E Nº 21.803. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. DENEGAÇÃO DO PEDIDO DE MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO PARA ESSE FIM. VOTO VENCIDO. Não são inconstitucionais Resoluções nº 21.702 e nº 21.803, baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.”

(RMS 362/SP, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO – grifei)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Eleições 2004. Vereadores. Número. Fixação. Alteração. Competência. Agravo Regimental. Fundamentos não invalidados. Não-provimento.

A edição da Resolução nº 21.702/2004 se deu em cumprimento à interpretação do art. 29, IV, CF dada pelo STF.

Tal norma não fere direito da Câmara de Vereadores nem de seus membros.”

(RMS 341-AgR/RS, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS – grifei)

O eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, ao participar, no Tribunal Superior Eleitoral, com voto vencedor, do julgamento do RMS 341-AgR/RS, assim apreciou a matéria:

“(…) E quando tomei ciência da resolução desta egrégia Casa, entendi que ela tinha um caráter meramente expletivo, ou seja, ela não inovou primariamente a ordem jurídica; limitou-se a aplicar a Constituição de modo didático, na mesma linha decisória do Supremo Tribunal Federal. (…).” (grifei)

Vale rememorar, bem por isso, consideradas as procedentes razões expendidas pelo eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, a corretíssima observação que o eminente Ministro GILMAR MENDES fez, a esse mesmo propósito, quando do julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do já mencionado RMS 341-AgR/RS, oportunidade em que bem justificou a plena legitimidade constitucional da Resolução TSE n° 21.702/2004:

Aqui se revelou um drama do nosso modelo difuso de controle de constitucionalidade. Em primeiro lugar, porque se tratava de um Controle Difuso (…): uma ação civil pública movida pelo Ministério Público para eliminar um número de vereadores do Município de Mira Estrela. E havia outras ações, havendo, portanto, uma singularidade: a ação civil pública – todos sabemos, é um processo de índole objetiva -, que buscava a eliminação desses excedentes, com a conseqüente declaração de inconstitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Ministro Maurício Corrêa, acolhe a tese e fixa o tal critério de proporcionalidade que está no art. 29, inciso IV, da Constituição. A partir daí, faz uma construção quase que de caráter normativo, extensível não só àquele município, mas a tantos quantos se enquadrassem nesta situação. E tínhamos vários recursos extraordinários tratando da mesma matéria em municípios diferentes, o que geraria, naquela quadra que antecedia a eleição, uma situação singular, porque teríamos essas definições nos casos impugnados e, depois, as indefinições, pois essa batalha judicial prosseguiria após as eleições com todas essas questões que estamos de certa forma experimentando.

Daí ter eu proposto, no julgamento, que fizéssemos o encaminhamento no sentido da declaração de inconstitucionalidade com efeito para a próxima legislatura. E foi o que se entendeu, tendo dito o Ministro Sepúlveda Pertence que tal declaração poderia ser combinada com a edição de uma resolução pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Como estamos numa fase de transição, especialmente quanto ao modelo difuso, pareceu-me que essa seria a obra mais adequada para se fazer essa transição. Do contrário, teríamos a eternização das demandas em relação a todos esses outros municípios, que não preencheriam as condições e que teriam ações de impugnação alimentadas pelos mais diversos atores.

(…) Na verdade, o sistema já estava devidamente fixado e sabíamos que essas questões iriam se arrastar, com sérias conseqüências. Ninguém quer imaginar, por exemplo, o quadro levantado, relativo à eliminação de um ou dois vereadores de uma câmara de vereadores, e saber como isso afeta o próprio processo legislativo já exercido.

(…) Diante, então, da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, teríamos um tumulto em pouco mais de 5 mil municípios.


Por isso que se fez essa opção, que tem conseqüências no nosso sistema integral de controle de constitucionalidade, porque rompe com a tal fórmula do Senado, de maneira muito clara. Aqui, já o uso da ação civil pública significa que não precisa comunicar ao Senado, num caso como este, e atribui um tipo de efeito vinculante que transcende um caso concreto e abrange os fundamentos determinantes. Em suma, é um caso de todo singular.

Daí o Tribunal ter optado, de forma bastante responsável, por não permitir que houvesse a chamada repercussão retroativa e que o novo modelo só se aplicasse à legislatura futura – o que também foi uma novidade, utilizada em sede de controle incidental. (…).” (grifei)

Todos os aspectos que venho de referir, Senhor Presidente, notadamente as ponderações expostas pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, convencem-me de que o E. Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a resolução ora questionada, não incidiu em qualquer transgressão ao ordenamento constitucional.

Sustenta-se que o Tribunal Superior Eleitoral, com tal ato, teria desrespeitado a norma inscrita no art. 16 da Constituição da República, que assim dispõe:

“A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”

Tenho para mim que não se registra, na espécie, a alegada ofensa à cláusula constitucional em questão.

Cabe observar, neste ponto, que o legislador constituinte, atento à necessidade de coibir abusos e casuísmos descaracterizadores da normalidade ou da própria legitimidade do processo eleitoral e sensível às inquietações da sociedade civil, preocupada e indignada com a deformante manipulação legislativa das regras eleitorais, operada, arbitrariamente, em favor de correntes político-governamentais detentoras do poder, fez inscrever, no texto constante do art. 16 de nossa Carta Política, um postulado de irrecusável importância ético-jurídica, tal como reconhecido e proclamado por esta Suprema Corte:

“- A norma inscrita no art. 16 da Carta Federal, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi enunciada pelo constituinte com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias e os próprios candidatos.”

(RTJ 144/696-697, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa norma consagrou, entre nós, o princípio constitucional da anterioridade da lei eleitoral, que fez diferir, no tempo, o início da eficácia da legislação inovadora do processo eleitoral.

Na realidade, a cláusula inscrita no art. 16 da Constituição – distinguindo entre o plano da vigência da lei, de um lado, e o plano de sua eficácia, de outro – estabelece que o novo diploma legislativo, emanado do Congresso Nacional, embora vigente na data de sua publicação, não se aplicará às eleições que ocorrerem em até um ano contado da data de sua vigência, inibindo-se, desse modo, a plenitude eficacial das leis que alterarem o processo eleitoral.

Vê-se, portanto, que a norma inscrita no art. 16 da Constituição impõe a análise de algumas categorias fundamentais da teoria geral do direito, que distingue, referentemente à lei – pois é o legislador o destinatário do princípio da anterioridade eleitoral -, três planos em que se desenvolvem noções básicas a propósito do tema: (a) o plano da existência da lei, que se instaura, segundo alguns, com a promulgação desse ato estatal (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 314, 11ª ed., 1989, Saraiva) ou, segundo outros, com a sanção do respectivo projeto (JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, “Lei Complementar Tributária”, p. 40, 1975, RT/EDUC); (b) o plano da validade da lei, cuja aferição decorre da compatibilidade, formal e material, dessa espécie normativa com a Constituição e (c) o plano da eficácia da lei, que se traduz na sua aptidão de gerar e produzir todas as suas conseqüências de ordem jurídica.

Nesse contexto, o preceito referido, consubstanciado no art. 16 da Carta Política, não impede, na matéria em questão, a instauração do processo de formação de leis nem obsta a própria edição desses atos estatais, cuja eficácia jurídica, no entanto, ficará paralisada até que se opere o decurso do lapso de um ano a contar de sua vigência.

Daí a correta observação de FÁVILA RIBEIRO (“Pressupostos Constitucionais do Direito Eleitoral”, p. 93, 1990, Fabris Editor), para quem esse contingenciamento de ordem jurídico-temporal imposto à atividade normativa do Poder Legislativo, no plano do direito eleitoral, justifica-se plenamente:

“As instituições representativas não podem ficar expostas a flutuações nos seus disciplinamentos, dentre os quais sobrelevam os eleitorais, a que não fiquem ao sabor de dirigismo normativo das forças dominantes de cada período, alterando-se as leis sem qualquer resguardo ético, aos impulsos de eventuais conveniências, em círculo vicioso, para impedir que as minorias de hoje tenham legítima ascensão ao poder pelo genuíno consentimento do corpo de votantes.” (grifei)

Torna-se irrecusável, desse modo, que a norma inscrita no art. 16 da Constituição da República foi enunciada pelo constituinte – como o reconhece a própria doutrina (PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1, p. 317, 1989, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1, p. 134, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. II, p. 1.123, 1989, Forense, v.g.) – com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas pelo Poder Legislativo, aptas a romper a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias e os próprios candidatos.

A teleologia da norma constitucional em causa foi bem ressaltada por CELSO RIBEIRO BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/596-597, 1989, Saraiva):

“(…). A preocupação fundamental consiste em que a lei eleitoral deve respeitar o mais possível a igualdade entre os diversos partidos, estabelecendo regras equânimes, que não tenham por objetivo favorecer nem prejudicar qualquer candidato ou partido. Se a lei for aprovada já dentro do contexto de um pleito, com uma configuração mais ou menos delineada, é quase inevitável que ela será atraída no sentido dos diversos interesses em jogo, nessa altura já articulados em candidaturas e coligações. A lei eleitoral deixa de ser aquele conjunto de regras isentas, a partir das quais os diversos candidatos articularão as suas campanhas, mas passa ela mesma a se transformar num elemento da batalha eleitoral.


É, portanto, a ‘vacatio legis’ contida neste art. 16, medida saneadora e aperfeiçoadora do nosso processo eleitoral.” (grifei)

Para os autores já referidos, a essência do princípio constitucional da anterioridade da lei eleitoral reside, fundamentalmente, no seu caráter moralizador, “que impede mudanças ad hoc no processo eleitoral” (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1, p. 134, 1990, Saraiva), a que se associa, ainda, a natureza salutar do preceito, “que busca proibir o casuísmo eleitoral, usado durante a época do Estado autoritário...” (PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1, p. 317, 1989, Saraiva).

Cabe referir, ante a precisão de seu entendimento, a observação de WALTER CENEVIVA (“Direito Constitucional Brasileiro”, p. 118, item n. 15, 3ª ed., 2003, Saraiva):

Sempre com o mesmo objetivo, há norma especial destinada a evitar o chamado ‘casuísmo’, consistente no impedimento de modificações da lei que, criando obstáculos à desejável rotatividade do seu exercício, beneficiem os detentores do poder.

A norma constitucional, na versão de 1993, excluiu o período obrigatório de suspensão da vigência da lei, mas manteve o duplo objetivo de impedir mudanças constantes e de tornar conhecida a regra do jogo eleitoral com suficiente antecedência, de modo a igualar as oportunidades dos disputantes.” (grifei)

Se o postulado da anterioridade eleitoral, portanto, tem por destinatário precípuo o próprio Poder Legislativo da União, pois visa a diferir, no tempo, a própria carga eficacial da legislação eleitoral, cabe acentuar, por necessário, que a função inibitória desse postulado se instaurará, quando a lei, editada pelo Congresso Nacional, importar em alteração do processo eleitoral.

Cabe rememorar, neste ponto, que o processo eleitoral, enquanto sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função do tríplice objetivo que persegue, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes.

Para ANTONIO TITO COSTA (“Recursos em Matéria Eleitoral”, p. 113, item n. 7.2, 4ª ed., 1992, RT), o processo eleitoral em si mesmo considerado – que tem, na diplomação, “o ponto culminante de todo um sucessivo complexo de atos administrativos-judiciais” – constitui, na globalidade das etapas que o compõem, um “iter” que “vai desde a escolha dos candidatos em convenção partidária, até sua eleição, proclamação e diplomação”.

JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 377, item n. 20, 23ª ed., 2004, Malheiros), ao definir o alcance e a extensão jurídica do procedimento eleitoral (e das fases que o compõem), assinala:

“O procedimento eleitoral compreende uma sucessão de atos e operações encadeadas com vista à realização do escrutínio e escolha dos eleitos. Desenvolve-se em três fases basicamente: (1) apresentação das candidaturas; (2) organização e realização do escrutínio; (3) contencioso eleitoral.” (grifei)

Definido, assim, de um lado, o sentido jurídico- -constitucional da expressão processo eleitoral – que se inicia com as convenções partidárias e a apresentação das candidaturas e termina com o ato de diplomação – e identificada, de outro, a “mens” que deve orientar o intérprete na exegese do princípio constitucional da anterioridade da lei eleitoral proclamado no art. 16 da Carta Política (a necessidade de impedir a utilização abusiva e casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação dos pleitos eleitorais), torna-se forçoso concluir que a Resolução TSE nº 21.702/2004 não pode ser acoimada de vulneradora da cláusula constitucional em questão.

Tenho para mim, por isso mesmo, que a Resolução em causa, além de não alcançada pelo princípio constitucional em questão, também não implicou modificação do processo eleitoral. É que, no que se refere a este último aspecto, foi ela editada em 02/04/2004 (fls. 159), sendo que as convenções partidárias para a escolha dos candidatos ao mandato de Vereador somente puderam realizar-se a partir de 10/06/2004, consoante o Calendário Eleitoral de 2004, aprovado pela Resolução TSE nº 21.518/2003.

Isso significa dizer que tais convenções regeram-se pelo que constava do ato ora impugnado, que se aplicou, de maneira homogênea, a todos os partidos políticos e candidatos, sem provocar qualquer desequilíbrio entre eles, dispensando-lhes tratamento equânime, desvestido, em conseqüência, de qualquer sentido discriminatório.

Disso resulta que a Resolução TSE nº 21.702/2004 – por não haver rompido a igualdade de participação das agremiações partidárias e respectivos candidatos no processo eleitoral, por não haver produzido qualquer deformação descaracterizadora da normalidade das eleições municipais de 2004, por não haver instaurado qualquer fator de perturbação desse pleito eleitoral e por não haver sido motivada por qualquer propósito casuístico da Justiça Eleitoral – não comprometeu a finalidade mesma visada pelo legislador constituinte, quando prescreveu a norma inscrita no art. 16 da Constituição.

É importante registrar, ainda, tal como assinalado pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, que A fixação, em si, do número de cadeiras da Câmara Municipal distancia-se do gênero ‘processo eleitoral’ (…)” (MS 2.103/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei), razão pela qual essa mesma E. Corte judiciária afirmou ser plenamente válida a alteração do número de cadeiras, ainda que efetivada “no próprio ano em que realizadas as eleições”.

Cabe fazer, aqui, uma outra observação, consistente no fato de que, se se entender que a definição da composição numérica das Câmaras Municipais traduz tema estranho à competência da Justiça Eleitoral, revelar-se-á, então, inaplicável, ao caso ora em exame, o princípio da anterioridade da lei eleitoral, pois estar-se-á em face de típica matéria de caráter político-administrativo, e não de matéria de índole eleitoral.

Se se analisar essa questão sob tal prisma, forçoso será reconhecer que o Tribunal Superior Eleitoral terá, então, meramente ultrapassado os limites de sua competência, cuja definição, no entanto, ao contrário do que sucedia nos regimes constitucionais anteriores (CF/69, art. 137, p. ex.) – que proclamavam, em sede constitucional, em favor da Justiça Eleitoral, “um conjunto irredutível de atribuições, suscetíveis, não obstante, de ampliação” (RTJ 100/1005, Rel. Min. RAFAEL MAYER) -, hoje não mais decorre da própria Constituição, pois esta, em seu art. 121, “caput”, submeteu, ao domínio normativo da lei complementar, “a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.

Analisada a controvérsia sob esse específico aspecto, e por não estar em discussão, desse modo, matéria eleitoral – mas, sim, tema de índole político-administrativa, sujeito à competência da Justiça comum dos Estados-membros (RT 180/236 – RT 180/370 – RT 183/236 – RT 184/86 – RT 208/345 – RT 246/517 – RT 363/138, v.g.) – revelar-se-ia inadequada, uma vez admitida essa premissa, a invocação do princípio da anterioridade da lei eleitoral, a que se refere o art. 16 da Constituição, o que faria instaurar, na espécie, aí sim, mero exame de atuação “ultra vires” da Justiça Eleitoral, em análise a ser efetuada no plano da estrita legalidade, inviabilizando-se, até mesmo, por efeito conseqüencial, o próprio cabimento da ação direta de inconstitucionalidade.

De qualquer maneira, no entanto, entendo que o E. Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a resolução questionada, não transgrediu a norma consubstanciada no art. 16 da Constituição.

E não o fez, porque, além das razões que anteriormente já expus, é preciso observar que, tratando-se de atribuições inerentes ao Poder Judiciário, não há como submeter a eficácia de suas decisões e resoluções à cláusula inscrita no art. 16 da Constituição, quando proferidas no desempenho da função jurisdicional ou, como no caso, em decorrência de julgamento definitivo do Supremo Tribunal Federal a propósito de controvérsia que esta Corte dirimiu no exercício de sua jurisdição constitucional, fixando diretriz hermenêutica em torno da compreensão, da aplicabilidade e da incidência da cláusula de proporcionalidade consubstanciada no inciso IV do art. 29 da Constituição.

Vale relembrar, por oportuno, neste ponto, um fragmento do voto proferido pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, quando da discussão da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre a denominada “verticalização” das eleições.

O eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, ao discutir o tema pertinente ao alcance do art. 16 da Constituição, ponderou, em função das atribuições normativas de que se acha investida a Justiça Eleitoral, que esta não deve agir de maneira impulsiva, provocada por alterações abruptas em sua jurisprudência ou em sua prática institucional.

Disse, então, Sua Excelência, que “A norma constitucional – malgrado dirigida ao legislador -, contém princípio que deve levar a Justiça Eleitoral a moderar eventuais impulsos de viradas jurisprudenciais súbitas, no ano eleitoral, acerca de regras legais de densas implicações na estratégia para o pleito das forças partidárias”.

Tal situação, contudo, não se registrou no caso, pois o Tribunal Superior Eleitoral, como precedentemente demonstrado e como adiante será enfatizado, limitou-se a agir em função de um postulado fundamental e essencial à valorização da ordem constitucional, consistente na observância do princípio que consagra a força normativa da Constituição.


Pelas razões ora expostas, portanto, afasto a alegação de que a Resolução em causa teria desrespeitado o art. 16 da Constituição da República.

Sustenta-se, finalmente, que o Tribunal Superior Eleitoral teria vulnerado a autonomia municipal, de um lado, e transgredido o princípio da separação de poderes, de outro.

Também entendo improcedentes tais alegações.

Cabe enfatizar, neste ponto, por necessário, que o E. Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a resolução em causa, nada mais fez senão dar expansão a uma interpretação constitucional, que, emanando do Supremo Tribunal Federal, definiu o exato alcance e o preciso significado da cláusula inscrita no inciso IV do art. 29 da Constituição.

Ao assim proceder, o Tribunal Superior Eleitoral, atuando em sua condição de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral – o que lhe confere responsabilidade pela realização e supervisão das eleições em nosso País –, objetivou dissipar dúvidas que pudessem fazer instaurar, no processo das eleições municipais, grave situação de insegurança jurídica a propósito de controvérsia que esta Suprema Corte acabara de resolver em julgamento plenário no qual o Supremo exerceu a prerrogativa extraordinária que lhe atribui, em sede de interpretação constitucional, o monopólio da última palavra.

Na realidade, o Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o mencionado julgamento plenário do RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, submeteu-se, na elaboração do ato ora questionado, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional.

O que fez a Alta Corte Eleitoral, na verdade, Senhor Presidente, foi buscar solução – plenamente legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição – que prevenisse e neutralizasse situações que certamente comprometeriam a exata e correta composição das Câmaras Municipais, considerada a existência de grave controvérsia em torno dessa questão, especialmente em face das inúmeras ações civis públicas que o Ministério Público promoveu perante o Poder Judiciário a propósito da exegese pertinente à cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Constituição da República.

Por tal razão, o Tribunal Superior Eleitoral, tendo a percepção da gravidade dos problemas suscitados pela realidade concreta dos Municípios cujas Leis Orgânicas se acham em conflito com a interpretação que esta Suprema Corte deu ao inciso IV do art. 29 da Constituição, consagrou, em função da disparidade das diretrizes de composição numérica adotadas por tais estatutos municipais, critérios homogêneos de definição do número de Vereadores, tais como estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal em interpretação definitiva que fixou o significado e o alcance da cláusula de proporcionalidade inscrita no preceito constitucional mencionado.

Cumpre ter presente, neste ponto, em reconhecimento da legitimidade constitucional da Resolução TSE nº 21.702/2004, a advertência do magistério doutrinário (MANOEL MESSIAS PEIXINHO, “A Interpretação da Constituição” , p. 83/84, item n. 3.2.3, 2ª ed., 2000, Lumen Juris; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional” , p. 481/482, item n. 11, 13ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros) no sentido de que, tal como assinala KONRAD HESSE ( “A Força Normativa da Constituição”, p. 20/23, trad. de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991), a interpretação do texto constitucional – que sempre exige, de quem a realiza, uma pré-compreensão do conteúdo normativo da Constituição – há de efetivar-se na perspectiva de um dado problema concreto, de tal modo que a resolução judicial da controvérsia propicie máxima efetividade à norma constitucional em exame, precisamente na linha do que fez o E. Tribunal Superior Eleitoral, que adotou, com a Resolução em causa, medida destinada a valorizar e a dar plena eficácia à jurisdição constitucional desta Suprema Corte, consubstanciada no ato interpretativo, que, concretizado no já referido julgamento plenário, estabeleceu diretriz hermenêutica que pautou a correta edição, pelo TSE, do ato ora questionado nesta sede processual.

É importante rememorar, neste ponto, tal como tive o ensejo de assinalar no início deste voto, o debate de que resultou, já ao final do julgamento plenário do RE 197.917/SP, quando assentada, pelo Supremo, a interpretação constitucional definitiva da matéria em exame, a proposta desta Suprema Corte, dirigida ao Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que, por essa Alta Corte Eleitoral, fossem adotadas medidas destinadas a implementar, de maneira homogênea, os critérios consagrados na decisão mencionada, afastando, em conseqüência, quaisquer divergências interpretativas em torno da cláusula de proporcionalidade prevista no inciso IV do art. 29 da Constituição, em ordem a conferir uniformidade e a assegurar normalidade às eleições municipais que se realizariam em outubro de 2004:

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, gostaria de fazer uma ponderação ao Tribunal, considerando a matéria já julgada.

Passa-se o seguinte: pela legislação eleitoral – todos nós sabemos -, no mês de junho, começam as convenções partidárias para fixação dos candidatos. Os candidatos são relativos às vagas das Câmaras de Vereadores. Nesse caso, pela decisão, reduziu-se o número de Vereadores e ficaria em aberto se esperássemos a Lei Orgânica Municipal votar a matéria. Creio que aqui vamos ter um problema sério, porque os candidatos dos partidos políticos, a cada conjunto de partido político – ao que me lembro – dá cento e cinqüenta por cento no número de candidatos correspondentes às vagas. Então, as coligações partidárias, inclusive, têm mais um ponto, mas os partidos individualmente, para cada nove vagas, ficam com o direito de ter cento e cinqüenta por cento disso e assim sucessivamente.

Ora, se nós não tivermos, nesse período todo, uma solução desta questão em todo o País, tenho a impressão que vai haver uma enorme terrível dificuldade para o processo eleitoral que se realizará. Então, eu ponderaria, e aqui, evidentemente, presente está o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que isso seria uma matéria a ser regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, para dar eficácia à situação e viabilizar a realização das eleições, porque, senão, vamos ter um imenso problema em relação a isso.”

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, penso que, para a tranqüilidade dessa decisão que o Tribunal Superior Eleitoral terá que tomar – e aí o apelo a Vossa Excelência e ao seu dinamismo – é essencial que o acórdão esteja publicado no menor tempo possível. A partir daí, submeterei ao Tribunal Superior Eleitoral como administrar esse problema. Embora se cuide de um caso concreto, e malgrado a minha respeitosa dissonância da maioria, é preciso dar uma orientação uniforme a esse respeito para todo o País.”

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Sr. Presidente, a propósito das observações feitas pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, gostaria apenas de registrar – e trarei numa outra oportunidade – que esse caso, e há necessidade de sua regulamentação pelo TSE, está a demonstrar a plena e completa superação da intervenção do Senado, aqui, neste tema. Talvez o Senado tenha uma função de mera publicação, de emprestar mera publicidade à decisão. De modo que, talvez em momento oportuno, devamos discutir isso em questão de ordem.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me permite? Mesmo porque a lei em jogo no processo é uma lei local, e não se aplica em todo o território nacional, ou seja, não sugere a suspensão da execução no Brasil inteiro.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Esse é um caso em que não há necessidade.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Sim, mas estamos dando efeito transcendente. (…).”

Vê-se, pois, que a justa preocupação externada por esta Suprema Corte, a que deu fiel interpretação o E. Tribunal Superior Eleitoral na Resolução 21.702/2004, objetivou prevenir a ocorrência de situações de tumulto que culminassem por gerar perplexidade, insegurança e instabilidade quanto ao real sentido do inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental, ante a diversidade de critérios interpretativos a respeito da precisa definição da cláusula de proporcionalidade inscrita nesse preceito normativo, o que provocaria a inaceitável frustração da exegese que esta Corte Suprema, em sua condição de guardiã da Constituição da República, fixou a propósito da matéria versada na regra constitucional em questão, com sensíveis prejuízos para a própria integridade da ordem constitucional.

Torna-se relevante salientar, na linha do que destacou o eminente Ministro GILMAR MENDES, que esta Suprema Corte deu efeito transcendente aos próprios motivos determinantesque deram suporte ao julgamento plenário do RE 197.917/SP.

Esse aspecto assume relevo indiscutível, pois permite examinar a presente controvérsia constitucional em face do denominado efeito transcendente dos motivos determinantes subjacentes à decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida no julgamento plenário do RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, especialmente em decorrência das intervenções dos eminentes Ministros NELSON JOBIM, GILMAR MENDES e SEPÚLVEDA PERTENCE.

Cabe referir, em particular, neste ponto, a intervenção do eminente Ministro GILMAR MENDES, que ressaltou a aplicabilidade, ao E. Tribunal Superior Eleitoral, do efeito vinculante emergente da própria “ratio decidendi” que motivou o julgamento do precedente mencionado.

Essa visão do fenômeno da transcendência – que esta Corte admitiu na decisão proferida na Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – reflete a preocupação que a doutrina vem externando a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes (“ratio decidendi”) do julgado declaratório de inconstitucionalidade emanado do Supremo Tribunal Federal, como resulta claro do magistério da doutrina (GILMAR FERREIRA MENDES, “O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional” , “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 162/149-168, 2004, Senado Federal; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 2.405/2.406, item n. 27.5, 2ª ed., 2003, Atlas).

É importante ressaltar que essa preocupação, realçada pela doutrina, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatizam autores eminentes (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 109, item n. 2.8, 2ª ed., 2003, Atlas; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 50/57, 1999, RT; RITINHA ALZIRA STEVENSON, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. e MARIA HELENA DINIZ, “Constituição de 1988: Legitimidade, Vigência e Eficácia e Supremacia”, p. 98/104, 1989, Atlas; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 8/11, item n. 2, 1998, Celso Bastos Editor; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 215/218, item n. 3, 1995, RT, v.g. ).

Cabe destacar e reconhecer, neste ponto, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional, de “guarda da Constituição” (CF, art. 102, “caput” ), confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência desta Corte Suprema:

(…) A interpretação do texto constitucional pelo STF deve ser acompanhada pelos demais Tribunais. (…)A não-observância da decisão desta Corte debilita a força normativa da Constituição. (…).”

(RE 203.498-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Impõe-se relembrar, a propósito desse tema, e considerando-se a controvérsia instaurada nesta sede processual, as valiosas observações que, a tal respeito, expendeu o eminente Ministro GILMAR MENDES (“O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 162/149-168, 163-166, 2004, Senado Federal):

Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição.

Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão algo assemelhado a um efeito vinculante, independentemente da intervenção do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n. 9756, de 17.12.1998).

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Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII).

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Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADIn, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema.

A aceitação das ações coletivas como instrumento de controle de constitucionalidade relativiza enormemente a diferença entre os processos de índole objetiva e os processos de caráter estritamente subjetivo. É que a decisão proferida na ação civil pública, no mandado de segurança coletivo e em outras ações de caráter coletivo não mais poderá ser considerada uma decisão ‘inter partes’.

De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.

Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem ‘efeito transcendente’ às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso.

Esse conjunto de decisões judiciais e legislativas revela, em verdade, uma nova compreensão do texto constitucional no âmbito da Constituição de 1988.

É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’ (FERRAZ, 1986, p. 64 et seq, 102 et seq; JELLINEK, 1991, p. 15-35; HSÜ, 1998, p. 68 et seq.).

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Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa ‘força normativa’. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. (…)A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia.

Essa solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. (…).” (grifei)

Vale referir, ainda, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto parecer do eminente Advogado-Geral da União, em passagem inteiramente aplicável à situação que ora se examina na presente sede de controle de constitucionalidade, em que se busca atribuir, ao julgamento que esta Corte proferiu na interpretação definitiva de determinado preceito da Constituição, a eficácia natural que dele necessariamente deve resultar, considerado, para tal efeito, o princípio da força normativa da Constituição (fls. 252/255):

Cinge-se a questão de mérito em saber se a observância pelo Tribunal Superior Eleitoral da interpretação do art. 29, IV, da Constituição da República, efetuada por esse Egrégio Supremo Tribunal Federal no RE n° 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, é (ou não) constitucional, ou seja, se o TSE está obrigado (ou não) a cumprir a interpretação constitucional firmada pelo STF, adequando-se à força normativa da Constituição.


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Alicerçada nesse postulado, a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal tem reconhecido a obrigatoriedade dos demais Tribunais observarem a interpretação do texto Constitucional efetivada pelo STF. Veja-se:

‘Recurso Extraordinário. Agravo Regimental. 2. Tributário. Contribuição Social. Lei n ° 7.689/88. Inconstitucionalidade do art. 8° da Lei n° 7.689/88. Precedentes: Plenário, RREE 146.733-SP, rel. Min. Moreira Alves, D.J. de 06.11.92. 3. A interpretação do texto constitucional pelo STF deve ser acompanhada pelos demais Tribunais. 4. A não-observância da decisão desta Corte debilita a força normativa da Constituição. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.’

(RE n° 203498 AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 22.08.2003, destaques não originais).

Ressalte-se, assim, a necessidade de observância pelo TSE da interpretação dos dispositivos da Constituição realizada pelo Supremo Tribunal no RE n° 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa (…).

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Anote-se, ainda, que o eminente Min. Sepúlveda Pertence, voto-vencido, no RE n° 197.917, considerou a necessidade de tratamento uniforme para todo o País, decorrente das inúmeras situações em casos concretos, cujo pressuposto fático é o mesmo – proporcionalidade à população do número de vereadores nas Câmaras municipais, até mesmo em razão do princípio da isonomia. Veja-se o voto-explicação:

‘Sr. Presidente, penso que, para a tranqüilidade dessa decisão que o Tribunal Superior Eleitoral terá que tomar – e aí o apelo a Vossa Excelência e ao seu dinamismo – é essencial que o acórdão esteja publicado no menor tempo possível. A partir daí, submeterei ao Tribunal Superior Eleitoral como administrar esse problema. Embora se cuide de um caso concreto, e malgrado a minha respeitosa dissonância da maioria, é preciso dar uma orientação uniforme a esse respeito para todo o País.’

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Vê-se, portanto, que o TSE encontra-se vinculado à Constituição Federal e à interpretação conferida pelo STF ao texto constitucional, sendo, indiscutível, a supremacia da força normativa da Constituição sobre as legislações inconstitucionais dos diversos Municípios brasileiros, haja vista que essas leis orgânicas municipais não poderiam vincular o TSE a incidir em inconstitucionalidade por omissão que tumultuaria todo o processo eleitoral (CF, art. 103, § 2º).”

Não foi por outra razão que o eminente Procurador-Geral da República, por sua vez, ao pronunciar-se pela inteira validade constitucional da Resolução em causa, e após acentuar que o ato em questão “não criou uma regra independente das leis em vigor”, não havendo dado origem, portanto, “a uma nova lei eleitoral”, motivo por quenão violou a autonomia municipal, como traduzida no artigo 29 da Carta Constitucional” (fls. 267), assinalou, com inteira propriedade (fls. 268):

Como bem enfatizou o il. Min. Sepúlveda Pertence, em transcrição já aqui avivada – item 4, retro, deste parecer -, no julgamento do RE n° 197.917, aconteceu ‘a interpretação definitiva do artigo 29, IV, da Lei Fundamental’, feita por quem é: ‘Guarda da Constituição’.

Ora, e aqui vamos a outro passo de reflexão, quando a Corte Suprema, pouco importa se no exame incidental, ou concentrado, fixa interpretação definitiva de norma constitucional o que assim proclamado, e por sua própria natureza, transcende o dispositivo, e necessariamente compreende o todo julgado, vale dizer, também sua motivação.

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Aconteceu a interpretação definitiva de norma constitucional pelo único Colegiado a fazê-lo com carga de peremptoriedade (…).”

Todas essas considerações, Senhor Presidente, enfatizam a circunstância – que assume absoluto relevo – de que não se pode minimizar o papel do Supremo Tribunal Federal e de suas decisões em matéria constitucional, pois, consoante adverte o eminente Ministro GILMAR MENDES, em voto proferido no AI 460.439-AgR/DF, trata-se de “decisões que concretizam, diretamente, o próprio texto da Constituição”.

É preciso ter em perspectiva que, em sede de fiscalização constitucional, o exercício jurisdicional do poder de controle destinado a preservar a supremacia da Constituição põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, reside a magna prerrogativa outorgada a esta Corte de definir os limites das competências estatais, de determinar o alcance dos direitos e garantias fundamentais e de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder.

Daí a precisa observação de FRANCISCO CAMPOS (“Direito Constitucional”, vol. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério enfatiza, corretamente, que, no poder de interpretar, inclui-se a prerrogativa de formular e de revelar o próprio sentido do texto constitucional. É que – segundo a lição desse eminente publicista – “O poder de interpretar a Constituição envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la (…). Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte”.

Impende registrar, neste ponto, a lição do eminente Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (“Ação Rescisória em Matéria Constitucional”, “in” Revista de Direito Renovar, vol. 27/153-174, 159-165, 2003), na qual esse ilustre magistrado demonstra possuir exata percepção do papel institucional que se atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição político-jurídica de guardião maior da supremacia e da intangibilidade da Constituição da República:

Ocorre que a lei constitucional não é uma lei qualquer. Ela é a lei fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, seja formal, seja material. Na Constituição está moldada a estrutura do Estado, seus organismos mais importantes, a distribuição e a limitação dos poderes dos seus agentes, estão estabelecidos os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos. Enfim, a Constituição é a lei suprema, a mais importante, a que está colocada no ápice do sistema normativo. Guardar a Constituição, observá-la fielmente, constitui, destarte, condição essencial de preservação do Estado de Direito no que ele tem de mais significativo, de mais vital, de mais fundamental. Em contrapartida, violar a Constituição, mais que violar uma lei, é atentar contra a base de todo o sistema. Não é por outra razão que, além dos mecanismos ordinários para tutelar a observância dos preceitos normativos comuns, as normas constitucionais têm seu cumprimento fiscalizado e garantido também por instrumentos especiais e próprios.


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Mais ainda: a guarda da Constituição, além de constituir dever jurado de todos os juízes, foi atribuída como missão primeira, mais relevante, a ser desempenhada ‘precipuamente’, ao órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102). A ele se atribui, no exercício da fiscalização abstrata da constitucionalidade do ordenamento, o poder de declarar, com eficácia ‘erga omnes’ e efeito vinculante, a inconstitucionalidade de preceitos normativos, retirando-os do ordenamento jurídico, ou a sua constitucionalidade, afirmando a imperiosidade da sua observância. Também no âmbito do controle difuso, os precedentes do STF têm eficácia transcendental no sistema, como, por exemplo (…),a de vincular, indiretamente, as decisões dos demais tribunais, cujos órgãos fracionários ‘não submeterão ao plenário, ou órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento (…) do Supremo Tribunal Federal sobre a questão’ (CPC, art. 481, § único).

……………………………………………

As razões fundantes do tratamento diferenciado, segundo é possível colher da jurisprudência do STF, são, essencialmente, a da ‘supremacia jurídica’ da Constituição, cuja interpretação ‘não pode ficar sujeita à perplexidade’, e a especial gravidade com que se reveste o descumprimento das normas constitucionais, mormente o ‘vício’ da inconstitucionalidade das leis.

O exame desta orientação (…)revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar, em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição, de órgão com legitimidade constitucional para dar a palavra definitiva em temas relacionados com a interpretação e a aplicação da Carta Magna. Supremacia da Constituição e autoridade do STF são, na verdade, valores associados e que têm sentido transcendental quando associados. , entre eles, relação de meio e fim. E é justamente essa associação o referencial básico de que se lança mão para solucionar os diversos problemas (…).

O princípio da supremacia da Constituição e a autoridade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal constituem, conforme se viu, os pilares de sustentação para construir um sistema apto a dar respostas coerentes à variedade de situações (…).

……………………………………………

(…)O STF é o guardião da Constituição. Ele é o órgão autorizado pela própria Constituição a dar a palavra final em temas constitucionais. A Constituição, destarte, é o que o STF diz que ela é. Eventuais controvérsias interpretativas perante outros tribunais perdem, institucionalmente, toda e qualquer relevância frente ao pronunciamento da Corte Suprema. Contrariar o precedente tem o mesmo significado, o mesmo alcance, pragmaticamente considerado, que os de violar a Constituição. A existência de pronunciamento do Supremo sobre matéria constitucional acarreta, no âmbito interno dos demais tribunais, a dispensabilidade da instalação do incidente de declaração de inconstitucionalidade (CPC, art. 481, § único), de modo que os órgãos fracionários ficam, desde logo, submetidos, em suas decisões, à orientação traçada pelo STF. É nessa perspectiva, pois, que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, mesmo em controle difuso.” (grifei)

Na realidade, Senhor Presidente, presentes todas as razões expostas, resulta claro que o ato ora questionado nada mais fez senão consolidar a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, garantindo a efetividade do pronunciamento desta Corte na interpretação definitiva do art. 29, IV, da Carta Política, viabilizando, desse modo, a plena eficácia de tal julgamento, assim fortalecendo a supremacia e, com esta, a própria força normativa da Constituição.

Em uma palavra: a Resolução em causa privilegiou, de modo legítimo e plenamente compatível com o sistema constitucional, o papel eminente que a ordem jurídica atribuiu ao Supremo Tribunal Federal em tema de interpretação da Constituição da República, valendo referir, por oportuno, a advertência de KONRAD HESSE (“A Força Normativa da Constituição”, p. 21/22, trad. de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991), no ponto em que enfatiza que “Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis (…)”, pois não se pode ignorar que “Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda” (grifei).

Concluo o meu voto, Senhor Presidente.

As razões que venho de expor convencem-me da correção do ato emanado do E. Tribunal Superior Eleitoral, levando-me, por isso mesmo, por não vislumbrar ofensa aos postulados da reserva de lei, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal, a não acolher a pretensão de inconstitucionalidade deduzida nas presentes ações diretas.

É que o Tribunal Superior Eleitoral, como precedentemente por mim assinalado, ao editar a Resolução em causa, nada mais fez senão observar o sentido da decisão que esta Suprema Corte proferiu, em caráter definitivo, no exercício de sua jurisdição constitucional, dando efetividade ao princípio essencial que consagra a força normativa da Constituição e de cujo reconhecimento deriva, tal como sucede no caso, o respeito ao primado da Constituição e a fidelidade à exegese que lhe foi dada por seu guardião e máximo intérprete, a quem incumbe, sempre, por efeito de expressa determinação constante do próprio texto constitucional, o monopólio da última palavra sobre o real significado das cláusulas que compõem a Lei Fundamental da República.

Quem assim age, tal como o fez o E. Tribunal Superior Eleitoral, procedendo, como ele, nos estritos limites do já mencionado julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, adstringindo-se, com absoluta fidelidade, aos critérios que esta Suprema Corte reputou cabíveis ao examinar o alcance da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Constituição, não transgride a autoridade normativa da Carta Política.

Por tais razões, e acolhendo as doutas promoções dos eminentes Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, julgo improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo Partido Progressista (ADI 3.345/DF) e pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 3.365/DF).

É o meu voto.

Leia o voto da preliminar de não conhecimento do ministro Celso de Mello

25/08/2005


TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.345-0 DISTRITO FEDERAL

V O T O

(s/ preliminar de não-conhecimento)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O eminente Procurador-Geral da República, ao sustentar que a Resolução TSE nº 21.702/2004 traduz ato de natureza meramente regulamentar, propõe o não-conhecimento das presentes ações diretas de inconstitucionalidade (fls. 266/268).

Os autores (PP e PDT), contudo, enfatizam que o ato ora impugnado reveste-se de conteúdo normativo, expondo-se, por isso mesmo, à possibilidade da fiscalização concentrada de constitucionalidade.

Entendo não assistir razão ao eminente Chefe do

Ministério Público da União, pois a Resolução em causa reveste-se de suficiente densidade normativa, apta a viabilizar a instauração, na espécie, do controle abstrato por via de ação.

As agremiações partidárias que ajuizaram as presentes ações diretas sustentam que a Resolução TSE nº 21.702/2004 teria desrespeitado, de modo direto e frontal, o texto da Constituição,notadamente as normas que consagram os postulados da reserva de lei formal, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal.

Eis o teor da Resolução TSE nº 21.702/2004, emanada do

E. Tribunal Superior Eleitoral e objeto de impugnação nesta sede de controle abstrato (fls. 161/162):

RESOLUÇÃO Nº 21.702

PETIÇÃO Nº 1.442 – CLASSE 18ª – DISTRITO FEDERAL (Brasília).

Relator: Ministro Sepúlveda Pertence.

Instruções sobre o número de vereadores a eleger segundo a população de cada município.

O Tribunal Superior Eleitoral, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, IX, do Código Eleitoral, resolve expedir a seguinte Instrução:

Art. 1º Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 197.917, conforme as tabelas anexas.

Parágrafo único. A população de cada município, para os fins deste artigo, será a constante da estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em 2003.

Art. 2º Até 1º de junho de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral verificará a adequação da legislação de cada município ao disposto no art. 1º e, na omissão ou desconformidade dela, determinará o número de vereadores a eleger.

Art. 3º Sobrevindo emenda constitucional que altere o art. 29, IV, da Constituição, de modo a modificar os critérios referidos no art. 1º, o Tribunal Superior Eleitoral proverá a observância das novas regras.

Art. 4º Esta Instrução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.”

O exame do ato em referência permite nele divisar-se a existência de regras qualificadas pelos atributos da impessoalidade e da generalidade abstrata, o que lhe confere a natureza de espécie normativa autônoma, ainda mais se se considerar – segundo sustentam os autores – que o TSE, ao editar a Resolução mencionada, procedeu a verdadeira regulamentação direta do próprio texto constitucional.

Cabe assinalar, neste ponto, na linha da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 143/510, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que a noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade: “CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO EMANADA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – RELATIVA INDETERMINAÇÃO SUBJETIVA DE SEUS DESTINATÁRIOS – QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA.

– A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Esses elementos – abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade – qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais.” (ADI 2.321-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 138/436), em tema de fiscalização concentrada de constitucionalidade, firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem pertinência, se o ato estatal questionado assumir a qualificação de espécie normativa, cujas notas tipológicas derivam da conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica, (c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes.”

(RTJ 176/655-656, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Todos esses elementos – autonomia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade – qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais.

Tenho para mim, desse modo – e considerado o próprio conteúdo da Resolução emanada do TSE (que se destaca pelos atributos da generalidade abstrata e da impessoalidade) – que se cuida, na espécie ora em exame, de ato revestido de suficiente densidade normativa, como tem sido assinalado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na análise de causas idênticas à que ora se aprecia nesta sede processual (ADI 1.652/MS, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – ADI 1.781/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – ADI 1.787/PE, Rel. Min. MOREIRA ALVES – ADI 1.797/PE, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – ADI 1.801/PE, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA).

Diversa seria a situação, no entanto, tal como acentua a jurisprudência desta Corte, se se tratasse de resolução emanada do TSE consubstanciadora de resposta a uma simples consulta, pois, em tal hipótese, o Tribunal Superior Eleitoral exerce, no tema, “competência materialmente administrativa”, de cuja prática resultam deliberações desvestidas de caráter vinculante:

“(…) 5. Não-conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade, no que concerne às Resoluções referidas do TSE, em respostas a consultas, porque não possuem a natureza de atos normativos, nem caráter vinculativo. (…).

(RTJ 188/448-450, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – grifei)

A especial qualificação jurídica da Resolução em causa, como já acentuado, ajusta-se à orientação jurisprudencial que esta Corte firmou no tema, pois, independentemente da análise de sua constitucionalidade (a ser aferida em momento posterior, quando do julgamento do mérito), o conteúdo desse ato emanado do E. Tribunal Superior Eleitoral autoriza seja ele contrastado, de modo direto e imediato, com as normas de parâmetro, que, inscritas na Constituição da República, foram invocadas, pelos autores das presentes ações diretas, como supostamente vulneradas pelo ato ora questionado.

Tal circunstância torna viável, em conseqüência, a meu juízo, a instauração, na espécie, do processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade. É que, por tratar-se de ato estatal impregnado de suficiente densidade normativa, a Resolução em exame preenche, para efeito de instauração da jurisdição constitucional concentrada desta Corte, as exigências delineadas pela jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal construiu em torno da natureza que deve assumir o ato objeto de impugnação em sede de fiscalização normativa abstrata.

Como se sabe, e consoante tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, a prolação do juízo de inconstitucionalidade – que traduz um juízo de desvalor – não pode, nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais,para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do diploma questionado (RTJ 179/864, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).

Cabe não desconsiderar, portanto, a advertência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a finalidade a que se acha vinculado o processo de fiscalização normativa abstrata restringe-se, tão-somente, à aferição de situações alegadamente caracterizadoras de inconstitucionalidade direta, imediata e frontal (RTJ 133/69, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 134/558, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 137/580, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Desse modo, para que se viabilize o controle abstrato de constitucionalidade, é necessário que a situação de conflito, entre o ato estatal dotado de menor positividade jurídica e o texto da Constituição, transpareça, de maneira direta e imediata, do cotejo que se faça, desde logo, entre as espécies normativas em relação de antagonismo, não se revelando cabível, para esse fim, que o contraste hierárquico com a Carta Política seja feito por via reflexa, como sucederia naqueles casos em que se impusesse o confronto prévio do ato estatal impugnado com qualquer estatuto de caráter meramente legal (RTJ 133/69, Rel. Min. CARLOS VELLOSO –RTJ 134/559, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 147/545-546, Rel. Min.CELSO DE MELLO – RTJ 158/54-55, Rel. Min. CELSO DE MELLO –RTJ 172/47-48, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – RTJ 176/1019-1020, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.628/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ELLEN GRACIE).

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado que, em sede de ação direta, a inconstitucionalidade deve transparecer, diretamente, do texto do ato estatal impugnado (RTJ 176/1019-1020), sob pena de não-conhecimento desse meio extraordinário de impugnação, que não pode ser utilizado para o exame de meras crises de legalidade (RTJ 152/352, Rel. Min. CELSO DE MELLO):

O confronto do ato questionado com os dispositivos da Carta teria que passar, primeiramente, pelo exame in abstracto de outras normas infraconstitucionais, de tal forma que não haveria confronto direto da lei em causa com. a Constituição.


Não-conhecimento da ação.”

(ADI 1.692/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – grifei)

Não é, porém, o que sucede na espécie ora em exame, pois a Resolução em causa encerra, em seu conteúdo material, uma clara “norma de decisão”, impregnada, por si só, de autonomia jurídica e revestida de suficiente densidade normativa, bastando, para o reconhecimento do necessário coeficiente de normatividade qualificada que se requer para o processo de fiscalização concentrada, a constatação de que o E. Tribunal Superior Eleitoral, fundado no exercício do poder normativo que a ordem jurídica lhe atribuiu, prescreveu instruções gerais sobre o número de Vereadores a eleger segundo a população de cada Município, observando, no entanto, para tal efeito, os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 197.917/SP e incorporados, por essa Alta Corte Eleitoral, nas tabelas anexas à Resolução nº 21.702/2004 (fls. 161/162).

Em suma: o ato estatal em questão subsume-se à noção de espécie normativa autônoma, contra a qual se torna legítima a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, como tem decidido – não custa reiterar – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 137/574, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 170/415, Rel. Min. FRANCISCO REZEK):

(…) Esta Corte, excepcionalmente, tem admitido. ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto seja decreto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta lei, apresentando-se,assim, como decreto autônomo, o que dá margem a que seja ele examinado em face, diretamente, da Constituição no que diz respeito ao princípio da reserva legal. (…)”

(RTJ 142/718, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, rejeito a preliminar suscitada pelo eminente Procurador-Geral da República e, em conseqüência, conheço das presentes ações diretas.

É o meu voto.

Leia o voto s/inaplicabilidade, ao processo de controle normativo abstrato, dos institutos do impedimento e da suspeição

25/08/2005 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.345-0 DISTRITO FEDERAL

V O T O

(s/inaplicabilidade, ao processo de controle normativo abstrato, dos institutos do impedimento e da suspeição)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): A Resolução TSE nº 21.702, de 02/04/2004, objeto de impugnação na presente sede de controle normativo abstrato, foi subscrita pelos eminentes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, então Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral, ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO (fls. 161/162).

As informações que o E. TSE encaminhou a esta Suprema Corte, por efeito de solicitação que lhe dirigi, como Relator desta causa, foram prestadas pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, na condição de representante do órgão judiciário de que emanou o ato ora questionado.

Cabe verificar, desse modo, se os eminentes Ministros desta Suprema Corte que, na condição de membros integrantes do TSE, subscreveram a Resolução ora impugnada dispõem, ou não, de condições jurídico-legais para participar do julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Tenho para mim que inexiste, em relação aos eminentes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO, qualquer situação de incompatibilidade que os impeça de exercer as suas funções jurisdicionais no exame da presente ação direta, eis que é prevalecente, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento jurisprudencial quanto à inaplicabilidade, ao processo de controle normativo abstrato, dos institutos do impedimento e da suspeição.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, embora prestando informações no processo, e os membros desta Corte, integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, que subscreveram o ato impugnado não estão impedidos de participar de julgamento de ações diretas nas quais seja questionada a constitucionalidade, “in abstracto”, de resoluções emanadas daquela Egrégia Corte Eleitoral.

Esse entendimento – de que não se registra, em tal situação, qualquer hipótese de incompatibilidade dos Ministros desta Suprema Corte que integram o Tribunal Superior Eleitoral – veio a ser reiterado, por esta Suprema Corte, na ADI 2.243/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, na ADI 2.626/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ELLEN GRACIE, na ADI 2.628/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ELLEN GRACIE, e na ADI 2.321/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO:

(…) FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO – INAPLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO – CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA AJUIZADA EM FACE DE ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL.

– O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, embora prestando informações no processo, não está impedido de participar do julgamento de ação direta na qual tenha sido questionada a constitucionalidade, ‘in abstracto’, de atos ou de resoluções emanados daquela Egrégia Corte judiciária. Também não incidem nessa situação de incompatibilidade processual, considerado o perfil objetivo que tipifica o controle normativo abstrato, os Ministros do Supremo Tribunal Federal que hajam participado, como integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, da formulação e edição, por este, de atos ou resoluções que tenham sido contestados, quanto à sua validade jurídica, em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade, instaurada perante a Suprema Corte. Precedentes do STF.

– Os institutos do impedimento e da suspeição restringem-se ao plano exclusivo dos processos subjetivos (em cujo âmbito discutem-se situações individuais e interesses concretos), não se estendendo nem se aplicando, em conseqüência, ao processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, que se define como típico processo de caráter objetivo destinado a viabilizar o julgamento, em tese, não de uma situação concreta, mas da validade jurídico-constitucional, a ser apreciada em abstrato, de determinado ato normativo editado pelo Poder Público. (…).”

(ADI 2.321/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não ignoro, Senhor Presidente, que é diverso, no plano do direito comparado, o tratamento normativo que outros sistemas jurídicos dispensam ao tema da incompatibilidade (impedimento/suspeição) em sede de controle normativo abstrato.

O ordenamento positivo de vários países que possuem Tribunais Constitucionais autoriza a aplicação do regime de impedimentos/suspeições aos juízes que compõem tais Cortes, mesmo quando se trate de processo objetivo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, como sucede, por exemplo, na Espanha (Lei Orgânica nº 2/79, art. 10, “h”), na Colômbia (Decreto nº 2.067/91, arts. 26 a 30, c/c o Regimento Interno da Corte Constitucional, art. 79), na Itália (Regimento Geral da Corte Constitucional, art. 14), em Portugal (Lei nº 28/82, art. 29, n. 1), na República Federal da Alemanha (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional Federal, arts. 18 e 19), no Chile (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, art. 19), na Turquia (Lei nº 2.949/83, art. 46) e no Peru (Lei nº 28.301/2004, art. 5º), dentre outros.

Não é por outra razão que GUSTAVO BINENBOJM (“A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira”, p. 146/147, item n. V.1, 2001, Renovar), ao examinar o novo estatuto da jurisdição constitucional brasileira consubstanciado nas Leis nº 9.868/99 e nº 9.882/99, assinala a inconveniência de se proceder a uma “restrição apriorística à possibilidade de argüição do impedimento ou suspeição dos juízes do Supremo Tribunal em sede de fiscalização abstrata (…)”, preconizando que a legislação permita a argüição de suspeição e/ou impedimento dos julgadores desta Corte no âmbito do processo de controle concentrado de constitucionalidade.

Não obstante razoável tal ponderação, cabe reconhecer, no entanto, que ela encerra solução “de lege ferenda”, a ser considerada, desse modo, pelo legislador, pois, como já acentuado, a jurisprudência desta Corte não admite a aplicabilidade, aos juízes do Supremo Tribunal, do regime das suspeições e/ou impedimentos, com ressalva da situação examinada na ADI 55/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI (RTJ 146/3), quando assim se definiu a questão ora em exame:

(…) acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária (…), preliminarmente, conhecendo da Questão de Ordem que lhe foi submetida pelo Sr. Ministro-Presidente, o Tribunal decidiu, por unanimidade, que, nos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, não está impedido o Ministro que, na condição de Ministro de Estado, haja referendado a lei ou o ato normativo objeto da ação.

Também, por unanimidade, o Tribunal decidiu que está impedido, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o Ministro que, na condição de Procurador-Geral da República, haja recusado representação para ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade.” (grifei)

A diretriz jurisprudencial ora referida – que reconhece não se aplicar, em regra, ao processo de controle normativo abstrato de constitucionalidade, qualquer das hipóteses legais de incompatibilidade previstas no art. 134 (impedimento) e no art. 135 (suspeição), ambos do CPC – encontra fundamento na circunstância de que os institutos do impedimento e da suspeição restringem-se ao plano exclusivo dos processos subjetivos (em cujo âmbito discutem-se situações individuais e interesses concretos), não se estendendo nem se aplicando, em conseqüência, ao processo de fiscalização abstrata, que se define como típico processo de caráter objetivo, destinado a viabilizar “o julgamento, não de uma relação jurídica concreta, mas de validade de lei em tese (…)” (RTJ 95/999, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei).

Vale referir, neste ponto, expressiva passagem constante do voto que o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, como Relator da ADI 2.243/DF, proferiu a propósito da questão ora em exame:

(…) o processo tem peculiaridades, entre as quais constatamos a ausência de envolvimento de interesse subjetivo. Esse fato, a meu ver, conduz à conclusão de que o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que praticou o ato impugnado e que veio a prestar informações, não está impedido de participar do julgamento.” (grifei)

A importância de qualificar-se o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo -vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da “harmonia do sistema constitucional, ferida pela manutenção de lei produzida em desrespeito à Constituição” (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 327, 11ª ed., 1989, Saraiva) -, além de refletir entendimento exposto em autorizado magistério (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 141/145, item n. 3.2.2, 2ª ed., 2000, RT; NAGIB SLAIBI FILHO, “Ação Declaratória de Constitucionalidade”, p. 106, 2ª ed., 1995, Forense; GILMAR FERREIRA MENDES, “Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos”, p. 250, 1990, Saraiva), encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção “in abstracto” da ordem constitucional (RTJ 113/22, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 131/1001, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 136/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Isso significa – uma vez admitido o perfil objetivo que tipifica a fiscalização abstrata de constitucionalidade (GILMAR FERREIRA MENDES, “Jurisdição Constitucional”, p. 129/130, 2ª ed., 1998, Saraiva) – que, em princípio, não se deve reconhecer, como pauta usual de comportamento hermenêutico, a possibilidade de aplicação sistemática, em caráter supletivo, das normas concernentes aos processos de índole subjetiva, especialmente daquelas regras meramente legais que disciplinam e definem as hipóteses de impedimento e de suspeição, regras essas que se revelam ordinariamente inaplicáveis ao processo de ação direta de inconstitucionalidade, como tem enfatizado o Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 146/3-7, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI –RTJ 147/719 e 750/752, Rel. Min. SYDNEY SANCHES).

Não custa rememorar, neste ponto, Senhor Presidente, que, mesmo tratando-se de processos de índole subjetiva instaurados em matéria eleitoral, em cujo âmbito se veiculam litígios de caráter individual e concreto, ainda assim não se caracteriza hipótese de impedimento, quando se cuidar de causas, que, oriundas do Tribunal Superior Eleitoral, devam ser julgadas por esta Suprema Corte, incidindo, no tema, a norma consubstanciada no parágrafo único do art. 277 do RISTF, que assim dispõe:

Não estão impedidos os Ministros que, no Tribunal Superior Eleitoral, tenham funcionado no mesmo processo ou no processo originário, os quais devem ser excluídos, se possível, da distribuição.” (grifei)

Essa mesma orientação acha-se consagrada no enunciado constante da Súmula 72/STF, que possui a seguinte formulação:

No julgamento de questão constitucional, vinculada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos os Ministros do Supremo Tribunal Federal que ali tenham funcionado no mesmo processo, ou no processo originário.” (grifei)

Sendo assim, tendo em vista as razões expostas – e considerando que sequer se discutem situações individuais nem interesses concretos no âmbito do controle normativo abstrato (RTJ 164/505-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.254-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, torna-se juridicamente lícita a possibilidade de atuação, no julgamento da presente causa, dos eminentes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO, não obstante tenham participado, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, da formação e da elaboração do ato ora questionado nesta sede processual.

Reconheço, portanto, considerados os precedentes referidos, que os Ministros do Supremo Tribunal Federal que subscreveram, no Tribunal Superior Eleitoral, o ato ora impugnado não incidem em qualquer situação de incompatibilidade processual.

É o meu voto.

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