Fogo contra fogo

Podval tinha Habeas Corpus pronto para usar contra abuso

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25 de agosto de 2005, 21h05

O criminalista Roberto Podval revelou nesta quinta-feira (25/8) que já havia deixado um advogado de plantão no Supremo Tribunal Federal com um Habeas Corpus em seu favor e de sua sócia Beatriz Rizzo, na terça-feira (23/8) quando acompanhavam o ex-secretário nacional de Comunicação do PT Marcelo Sereno em depoimento à CPI dos Bingos, no Senado Federal.

Podval e Beatriz foram para o Senado dispostos a reagir diante de uma eventual humilhação dos parlamentares que iriam inquirir seu cliente. Durante o depoimento, os advogados se envolveram num bate-boca com os senadores. Na tentativa de impedir o advogado de falar, os parlamentares o insultaram e o ameaçaram de expulsão da sala e de prisão. “Havíamos avisado ao cliente que não íamos nos calar caso os senadores cometessem alguma forma de abuso. O engraçado é que ele chegou a me pedir calma durante a discussão”, disse.

Podval montou uma estratégia até para o caso de receber voz de prisão. Beatriz, com o celular, avisaria ao advogado que estava no STF. “Neste momento, ele entraria com um pedido para nos incluir no Habeas Corpus em favor do cliente”, disse. O ministro Eros Grau havia concedido um HC para que o dirigente petista permanecesse calado caso considerasse que a resposta a alguma pergunta pudesse comprometê-lo.

O advogado explicou porque decidiu não se incluir no HC para Sereno. “Caso o ministro negasse, eu ficaria mais desprotegido na CPI do que os demais advogados já ficaram. Ia ficar desmoralizado lá”, falou. Para ele, seu intuito foi alcançado. “Depois da discussão, os senadores passaram a ser mais respeitosos conosco e com o nosso cliente”, completou.

A Aasp — Associação dos Advogados de São Paulo divulgou nota de apoio a Podval, em que critica o comportamento dos senadores durante os depoimentos à comissão. “O Brasil passa por momento dos mais delicados de sua história, e a única saída para a crise está no absoluto respeito aos cânones da democracia. É necessário que as autoridades e os nossos representantes no parlamento façam uso do poder de que estão investidos com equilíbrio e bom senso, sem afrontar de modo arbitrário preceitos constitucionais e a proteção legal às prerrogativas dos advogados”, diz um trecho do texto (veja a íntegra abaixo).

Já a OAB hesitou, como aconteceu em relação à CPI do Narcotráfico em 1999, quando outro advogado passou constrangimentos semelhantes. Contudo, nem sempre foi assim. Em 1958, quando aconteceu a primeira Conferência da OAB, a entidade tratou do assunto de forma firme e definiu posição sobre a atuação dos advogados durante as CPIs. A proposição foi aprovada nos termos da manifestação do notável Nehemias Gueiros. “Cabe-lhes assistir aos indiciados, acompanhar as testemuhas e tomar, contra os abusos e excessos da ação investigatória, as providências judiciais tuitivas dos direitos dos seus constituintes, funcionando junto ao inquérito de acordo com as normas do Código de Processo Penal, que a Lei nº 1.579, de 18/3/1952 tornou subsidiário dos regimentos parlamentares, e fora dele com a amplitude de meios que a Constituição e as leis ordinárias lhe facultam”, defendeu.

Leia a íntegra da nota da Aasp e, em seguida, a posição firmada pela OAB em 1958

A Associação dos Advogados de São Paulo, sempre atenta à defesa das prerrogativas da Classe, não poderia silenciar diante do constrangimento pelo qual passaram seus associados, o advogado Roberto Podval e sua colega Beatriz Rizzo, no pleno exercício de suas atividades profissionais, quando acompanhavam cliente em depoimento à CPI dos Bingos, no Senado Federal, na última terça-feira.

Na oportunidade, alguns senadores desprezaram completamente os direitos e as prerrogativas daqueles advogados, chegando a ameaçá-los de prisão e de chamar a segurança daquela Casa para retirá-los do recinto.

Ao agir desse modo, os senhores senadores ignoraram completamente os direitos da advocacia, insculpidos na Constituição da República (art. 133) e na Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia (art. 7°, incs. I, III, VI, “d”, e XI), além, é claro, de deixarem perplexa a Classe dos Advogados e a sociedade brasileira, pois tais fatos ocorreram dentro da mais Alta Casa do Parlamento Brasileiro, durante consulta do depoente a seus advogados, presentes para exercer a defesa.

A Classe dos Advogados não pode admitir, sob nenhum pretexto, extravagâncias como as que ocorreram no Senado Federal; precisamos lutar para corrigir esse tipo de extremismo. O Brasil passa por momento dos mais delicados de sua história, e a única saída para a crise está no absoluto respeito aos cânones da democracia. É necessário que as autoridades e os nossos representantes no parlamento façam uso do poder de que estão investidos com equilíbrio e bom senso, sem afrontar de modo arbitrário preceitos constitucionais e a proteção legal às prerrogativas dos advogados, que se destinam, em última análise, a resguardar o cidadão.

A Associação dos Advogados de São Paulo, Entidade com mais de 63 anos de existência e 85 mil associados, mantendo-se fiel à tradição de assumir institucionalmente a defesa do pleno exercício profissional dos advogados, vem a público manifestar seu veemente repúdio aos fatos ocorridos no Senado Federal, durante a CPI dos Bingos, os quais configuraram flagrante desrespeito à Classe dos Advogados, ao Estado de Direito e à sociedade brasileira.

Leia a emenda Nehemias Gueiros:

“É vasto… o campo da participação profissional dos advogados em relação às Comissões Parlamentares de Inquérito:

Cabe-lhes assistir aos indiciados, acompanhar as testemuhas e tomar, contra os abusos e excessos da ação investigatória, as providências judiciais tuitivas dos direitos dos seus constituintes, funcionando junto ao inquérito de acordo com as normas do Código de Processo Penal, que a Lei nº 1.579, de 18/3/1952 tornou subsidiário dos regimentos parlamentares, e fora dele com a amplitude de meios que a Constituição e as leis ordinárias lhe facultam”. (A Advocacia e o Seu Estatuto — A Advocacia e o Poder Legislativo: Comissões Parlamentares de Inquérito. Intevençaõ dos Advogados e normas de Procedimentos. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1964, p. 132).

E, seguindo na trilha traçada por Gueiros, a OAB proclamou:

“a) Devem os advogados defender, intransigentemente, as suas prerrogativas, no direito ao acesso às Comissões Parlamentares de Inquérito, toda vez que estiver em causa a assistência profissional aos seus constituintes;

b) A Ordem dos Advogados do Brasil, através da Comissões de Prerrogativas, deve prestigiar a intervenção dos advogados nas Comissões Parlamentares de Inquérito, e a observância das normas processuais subsidiárias da lei específica, toda vez que estiver em causa o direito de defesa.

É uma conseqüência do princípio constitucional que assegura aos acusados ampla defesa art. 141 § 25), regra de direito natural, antes de ser garantia individual assegurada no direito positivo, que nenhuma democracia representativa pode desconhecer. (Idem, pp. 132-133).”

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