Brasil x Chile

Legislativo não pode contestar preço de ingresso de jogo do Brasil

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25 de agosto de 2005, 14h24

Câmara Legislativa não pode propor ação para questionar valor de ingresso para jogo de futebol. O entendimento é do juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, Donizeti Aparecido da Silva.

O juiz negou pedido da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do Distrito Federal que queria obrigar a Federação Brasiliense de Futebol e a CBF a reduzir o preço dos ingressos do jogo Brasil e Chile, previsto para 4 de setembro. O valor varia de R$ 70 a R$ 300.

Segundo o juiz, só podem ingressar com Ação Civil Pública em defesa do consumidor os órgãos da Administração Pública, sem personalidade jurídica, destinados a defender os interesses protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, como é o caso do Procon.

No entendimento do juiz, nesse caso, é preciso esclarecer se a Câmara Legislativa quer defender interesses institucionais ou os dos consumidores propriamente ditos. Donizeti Aparecido da Silva afirmou que a doutrina tem evoluído para considerar como parte legitima os órgãos que possuem apenas personalidade judiciária.

De acordo com o juiz, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa se concentra especificamente em analisar e, quando necessário, emitir parecer sobre o mérito das matérias que tratam dos direitos dos consumidores. Em nenhuma das atribuições está a de patrocinar interesses de consumidores em juízo.

Além disso, conforme o Regimento Interno da Câmara Legislativa, o Poder Legislativo é representado pelo seu presidente e judicialmente apenas pela Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa.

Leia a íntegra da sentença

Circunscrição : 1 – BRASILIA

Processo : 2005.01.1.083636-4

Vara : 118 – OITAVA VARA DE FAZENDA PUBLICA

SENTENÇA

A COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL – CLDF, por seu Presidente, o Deputado Francisco Domingos dos Santos, ingressou com ação civil coletiva em desfavor da FEDERAÇÃO BRASILIENSE DE FUTEBOL – FMF e da CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL, colimando a condenação das rés à obrigação de fixação do preço do ingresso para o jogo de futebol da Seleção Brasileira contra a Seleção do Chile, previsto para o próximo dia 04.09.2005, em valor (sugerido) não superior a R$ 30,00 (trinta reais), quando se tratar de ingresso mais barato, e R$ 93,00 (noventa e três reais), quando for o mais caro, e ainda à devolução dos valores pagos a maior pelos torcedores/consumidores. Postula antecipação dos efeitos da tutela no mesmo sentido.

Inicialmente, a autora estriba a sua legitimação ativa ad causam nos preceitos contidos nos artigo 81, parágrafo único, inciso I, e 82, inciso III, ambos do CDC, além dos artigos 38, 54 e 66 do Regimento Interno da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Ainda, tece considerações sobre adequação da via eleita e competência deste juízo fazendário. No mérito, como fatos e fundamentos jurídicos abonadores da pretensão externada, reputa exorbitantes os valores dos ingressos cobrados para referido jogo, variando de R$ 70,00 (setenta reais) a R$ 300,00 (trezentos reais), e afirma que foram fixados sem nenhum critério de justificação plausível quanto à composição do serviço a ser prestado, inadmitido como acessível ao consumidor do DF. Faz comparação com preços cobrados em outros jogos da seleção e alude aos artigos 6o e 217 da CF, como assim do Estatuto de Defesa do Torcedor. Ressalta a prática abusiva perpetrada pelas rés, em divórcio das determinações constantes do CDC, com colação de doutrina. Finaliza justificando a presença dos requisitos para a antecipação da tutela vindicada e formula pleitos antes delineados.

São os fatos de relevância. DECIDO.

Do relato encimado aflora cristalino o ponto angular posto em debate, consistente na irresignação externada pela autora, no tocante aos preços dos ingressos para o jogo de futebol previsto para o dia 04.09.2005, entre as seleções brasileira e chilena, os quais, segundo tese esposada, estariam dissociados dos outros jogos e em flagrante descompasso com ordenamento jurídico, em particular o CDC, de molde a configurar prática abusiva.

O tema em debate não comporta maiores indagações. Contudo, aflora incontornável questão processual de extrema relevância, traduzida na legitimação ativa ad causam, cujo enfrentamento preliminar é imperativo.

Pois bem. Com propriedade a demandante traz à colação preceitos insculpidos no CDC, atinentes à matéria, os quais seguem adiante transcritos:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, e natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

(…)

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

(…)

III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código.”

Lado outro, o Regimento Interno da Câmara Legislativa do Distrito Federal, aprovado pela Resolução n. 167, de 16.11.2000, assim contempla a matéria, no pertinente ao que aqui nos interessa:

“Art. 1o O Poder Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, composta de Deputados Distritais, representantes do povo, eleitos e investidos na forma da legislação federal, com a competência que lhe é atribuída pela Lei Orgânica e pela Constituição Federal.

Parágrafo único. O Poder Legislativo é representado por seu Presidente e, judicialmente, pela Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa.

(…)

Art. 66. Compete à Comissão de Defesa do Consumidor:

I – analisar e, quando necessário, emitir parecer sobre o mérito das seguintes matérias:

relação de consumo e medidas de proteção e defesa do consumidor orientação e educação do consumidor composição, qualidade, apresentação, publicidade e distribuição de bens e serviços; política de abastecimento.

II – acompanhar e fiscalizar a execução de programas e leis relativas às matérias de sua competência;

III – intermediar conflitos relacionados com a defesa e proteção do consumidor.”

Ao singelo cotejo dos preceptivos em realce, em particular as atribuições afetas à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do DF, frente à previsão legal da possibilidade de entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, poderia concluir que a mesma está legitimada a patrocinar a defesa de interesses de consumidores em juízo. Legitimidade esta só aparente, posto que o próprio inciso III do artigo 82 do CDC é taxativo ao especificar que tais entidades ou órgãos devem necessariamente ser destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo diploma legal. Efetivamente, não é o caso da autora, cujas atribuições cuidam, como visto antes, de analisar e, quando necessário, emitir parecer sobre o mérito das matérias especificadas, acompanhar e fiscalizar a execução de programas e leis relativas às matérias de sua competência, e intermediar conflitos relacionados com a defesa e proteção do consumidor. Em nenhuma delas contempla patrocínio de interesse de consumidores em juízo, o que não se confunde com a mera intermediação.

Insta ainda colocar em relevo que, na dicção do artigo 1o, parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara Legislativa, aprovado pela Resolução n. 167, de 16.11.2000, o “Poder Legislativo é representado por seu Presidente e, judicialmente, pela Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa”. Daí emerge outro obstáculo instransponível, consistente na proibição de que algum órgão seu atue, em nome próprio, na defesa de interesses alheios à instituição.

Mas não é só isso. A construção jurisprudencial é pacífica pela legitimação das Câmaras Legislativas tão-somente no que tange à defesa de seus interesses institucionais, posto que destituídas de personalidade jurídica própria, assegurando-lhes assim apenas personalidade judiciária. Confiramos alguns arestos:

“Ementa

AÇÃO DE CONHECIMENTO – SERVIDOR PÚBLICO DISTRITAL – DEMANDA ENVOLVENDO VERBA SALARIAL – CÃMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL – LEGITIMIDADE PASSIVA.

1. O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL TEM PRECONIZADO QUE AS CÂMARAS LEGISLATIVAS ESTADUAIS DETÊM APENAS PERSONALDIADE JUDICIÁRIA, E NÃO JURÍDICA, RAZÃO POR QUE PODEM ESTAR EM JUÍZO NA DEFESA APENAS DE SEUS INTERESSES INSTITUCIONAIS.

(…)” (TJDFT, APC 20000110201104, 2ª Turma Cível, Relatora: Desa. Adelith de

Carvalho Lopes, DJU 14.08.2002, p. 51).

“Ementa

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. AUMENTO DE DESPESAS PARA O DISTRITO FEDERAL. LEGITIMIDADE DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL.

– A CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL POSSUI LEGITIMIDADE PARA ESTAR EM JUÍZO NA DEFESA DE SEUS INTERESSES INSTITUCIONAIS. TRATANDO-SE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO POR ELA OPOSTOS, CONTRA DECISÃO QUE ACARRETA AUMENTO DE DEFESA PARA O DISTRITO FEDERAL, DELES NÃO SE CONHECE POR LHE FALTAR LEGITIMIDADE PARA DEFENDER DIREITOS DESSA ENTIDADE FEDERADA.” (TJDFT, Embargos de Declaração no MSG 20020020043681, Conselho Especial, Relator: Dr. Eduardo de Moraes Oliveira, DJU 16.12.2004, p. 42).

Bem a propósito do tema o precedente oriundo da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, RMS 8967/SP, relator o Min. José Delgado, publicado no DJ de 22.03.99, cuja ementa segue adiante transcrita:

“Ementa

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURAÇA. AÇÃO POPULAR. ATO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PERSONALIDADE JURÍDICA. CAPACIDADE PROCESSUAL EM JUÍZO. DEFESA DE INTERESSES INSTITUCIONAIS PRÓPRIOS E VINCULADOS À SUA INDEPENDÊNCIA E FUNCIONAMENTO…

(…)

7. Na situação examinada não se trata de enquadrar o fenômeno processual em debate no círculo da substituição processual ou da legitimidade extraordinária. O que há de se investigar é se a Assembléia Legislativa está a defender interesses institucionais próprios e vinculados ao exercício de sua independência e funcionamento, como de fato, “in casu”, está. A ciência processual, em face de fenômenos contemporâneos que a cercam , tem evoluído a fim de considerar como legitimados pra estar em juízo, portanto, com capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer dizer, possuidores apenas de personalidade judiciária.

8. No rol de tais entidades estão, além do condomínio de apartamentos, da massa falida, do espólio, da herança jacente ou vacante e das sociedades sem personalidade própria e legal, todos por disposição de lei, hão de ser incluídos a massa insolvente, o grupo, classe ou categoria de pessoas titulares de direitos coletivos, o PROCON ou órgão oficial do consumidor, o consórcio de automóveis, as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas, a Câmara dos Deputados, o Poder Judiciário, quando defenderem, exclusivamente, os direitos relativos ao seu funcionamento e prerrogativas.

(…)”

Depreende-se, pois, que somente estariam legitimados os órgãos da Administração Pública, sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, a exemplo do PROCON.

Posto isto, indefiro a petição inicial, diante da ilegitimidade “ad causam” da autora, ao tempo em que declaro extinto o processo sem apreciação do mérito, ancorado nas disposições contidas no artigo 267, inciso I, c/c o artigo 295, inciso II, ambos do Código de Processo Civil.

Sem custas e sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília – DF, terça-feira, 23/08/2005 às 17h23.

DONIZETI APARECIDO DA SILVA

Juiz de Direito

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