Tamanho da insignificância

Justiça aplica cada vez mais o princípio da bagatela

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24 de agosto de 2005, 12h17

Não raro a população brasileira vive a sensação de que apenas ladrões de galinhas param na Justiça. Nem sempre. Desta vez, foram ladrões de frangos. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou um pedido de Habeas Corpus contra a 5ª Câmara do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que manteve uma ação penal contra Márcio Roberto Varotto.

Para o Ministério Público, Varotto e o co-réu Marcelo Henrique Cardoso deviam ser condenados pelo furto de seis frangos congelados. O valor dos frangos foi estimado, à época, em R$ 21. O detalhe é que, quando a denúncia foi apresentada na primeira instância, o juiz singular a rejeitou. Justamente porque aplicou ao caso o princípio da insignificância.

“Senhor Presidente, trata-se de réu primário, a res furtiva consistiu em 6 frangos congelados de propriedade de um frigorífico, já restituídos e avaliados à época do fato em R$ 3,50 (três reais e cinqüenta centavos) cada, razões pelas quais é de se concluir que a subtração, in casu, não apresenta, na luz da evidência, danosidade relevante a justificar a afirmação da tipicidade penal, na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (artigo 98, inciso I)”, alertou o ministro Hamilton Carvalhido, relator do caso no STJ, em seu voto.

A decisão de Carvalhido também não é um marco na Justiça brasileira. Num outro caso, a 6ª Turma do STJ mandou trancar a ação penal contra um homem que foi pego furtando quatro frascos de desodorante em um supermercado. O preço somado dos produtos era de R$ 9,96.

O mesmo STJ, em voto do ministro Nilson Naves, também aplicou o princípio da bagatela ao julgar o caso de um furto de um vidro de xampu e um condicionador que, somados, valiam R$ 24.

No próprio voto do ministro, ele citou diversos precedentes do Supremo. Aliás, naquela Corte, um dos mais atentos à questão é o ministro Celso de Mello, que a trouxe à tona, entre outros, nos Habeas Corpus 84.687 e 84.412.

Num desses casos, Celso de Mello suspendeu a condenação a dois anos de prisão, pelo furto de um boné, imposta a um rapaz de 19 anos de idade. Ao conceder a liminar, o ministro também advertiu que “a simples existência de situações processuais ainda não definidas revela-se insuficiente para legitimar a adoção de medidas constritivas da liberdade individual do réu sentenciado”.

Grau de lesão

Mas se é flagrante a pequenez do delito cometido, por que o MP insiste em prosseguir com a denúncia? Para o promotor de Justiça do Distrito Federal Andrelino Bento Santos, é preciso cautela no momento da aplicação do princípio da bagatela.

“O princípio da insignificância (ou bagatela) tem como fim afastar da jurisdição pequenas lesões aos bens jurídicos. Não compensa o envolvimento do Direito Penal com questões menores. Além de caro, existe uma grande desproporção entre a pena aplicada e o delito”, explica Bento.

“Mas há desvantagens também na aplicação da insignificância. Quando se considera que uma pequena quantidade de maconha não justificaria um processo por uso, acredito que não se deva alardear uma situação como essa. Se for dito que se trata de uma conduta atípica, isso pode criar problemas”, avalia o promotor.

Para o representante do MP, a aplicação do princípio deve ser avaliada em cada caso. Isso porque é preciso adequar cada conduta às circunstâncias em que ela ocorre e ao tamanho da lesão sofrida por aquele a quem o Estado visa proteger. “Eu já denunciei por um furto de R$ 15,00. Mas o dinheiro havia sido subtraído de uma senhora aposentada que recebia um salário mínimo. Para ela, aquele valor tinha importância”, justifica.

Andrelino Bento lembra ainda que, em 1995, com a criação dos tribunais de pequenas causas, houve a possibilidade da sanção sem a aplicação da restrição de liberdade. No entanto, não foi dada a devida atenção às pequenas lesões.

Já advogado criminalista Marcel Versiani acredita que o Ministério Público deveria se preocupar mais com a jurisprudência. “Por que o MP, de pronto, na análise do caso concreto, não acatou a tese da insignificância? Embora o fato seja crime, a remansosa jurisprudência tem acolhido a tese. Sendo assim, nada justifica deflagrar uma ação penal que só emperra a já afogada Justiça Penal. Da mesma forma, não há contribuição para a prevenção e mesmo para retribuição, que são funções da pena”, finalizou o advogado.

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