Liberdade de imprensa

Paulo Henrique Amorim se livra de indenizar sindicato

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23 de agosto de 2005, 15h44

O jornalista Paulo Henrique Amorim e a Rádio e Televisão Bandeirantes se livraram de ter de indenizar, por danos morais, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, por causa de reportagem veiculada no Jornal da Band no dia 1 de outubro de 1998. Na notícia, o sindicato aparecia como receptor de verbas do exterior por vias ilegais, que supostamente serviriam para cobrir despesas de fundo de greve e tinham como destino o escritório do advogado Roberto Teixeira.

A decisão é do juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 25ª Vara Cível Central de São Paulo, que ainda condenou os autores da ação ao pagamento de honorários e despesas processuais de R$ 7 mil. Ainda cabe recurso.

Fantacini ressaltou em sua decisão que a função do juiz é atender às exigências do bem comum e que nesse raciocínio, a liberdade de imprensa e informação é garantia constitucional do Estado Democrático de Direito, e assim, dentro do limite do razoável, se sobrepõe ao interesse individual do direito à honra e à imagem.

Denise e Ricardo Higuchi, filhos do ex-tesoureiro do sindicato Sadao Higuchi, alegam que a reportagem ofendeu a honra, o nome e a imagem de Sadao e do sindicato.

O juiz afirmou que a imprensa tem sido instrumento essencial de fiscalização e controle da sociedade sobre atos de homens políticos. “O jornalismo investigativo é de ser louvado, pois tem muitas vezes suprido lacunas dos órgãos constituídos com a finalidade de controle e repressão a atos ilegais ou imorais”.

Para o juiz, a análise dos fatos e dos adjetivos utilizados na veiculação “insere-se no capítulo da liberdade de imprensa, no legítimo exercício do direito de informar, pautado pelo interesse público, ao abrigo portanto, da isenção prevista no artigo 27, VIII, da lei de Imprensa”.

Segundo o advogado de Paulo Henrique Amorim, José Rubens Machado de Campos foi louvável a manifestação judicial de reconhecimento do jornalismo investigativo e da liberdade de imprensa envolvendo entidades públicas.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Processo nº 000.99.456.339-9

25ª Vara Cível Central da Capital

Processo nº 000.99.456.339-9

Vistos.

SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC, DENISE HIGUCHI e RICARDO HIGUCHI movem a presente AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS pelo rito ordinário contra RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA e PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM (denunciado à lide) alegando que em decorrência de edição e veiculação de matéria jornalística pelo “Jornal da Band”, transmitido em rede nacional no dia 1º 10.98, pela empresa-ré, em horário nobre, ofendidas fortemente e honra objetiva, nome e imagem, tanto do sindicato-autor, como do finado Sadao Higuchi, pai dos co-autores.

Ocorre que esta série de reportagens concatenada, similar e seqüencial, de inusual ocorrência, teve como personagem central o advogado Roberto Teixeira, sabidamente ligado ao Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, com abordagem diária do tema diverso, sempre no intuito de traçar imagem de inidoneidade daquele causídico.

Aduziram que, basicamente, a edição de 1º.10.98, afirmou que o sindicato-autor recebia verbas do exterior, sem contabilização ou percurso oficial pelas vias regulares, supostamente destinadas a arcar com as despesas de fundo de greve e outras de finalidade social, tendo como destino o escritório Roberto Teixeira, com entrega pelo ex-tesoureiro Sadao Higuchi, afirmando-se que o óbito deste administrador, a quem se alega deter poderes além dos inerentes a suas funções, revestia-se de suspeição, sugerindo possível homicídio diante do amplo conhecimento do “de cujus” de tal prática ilegal.

Requereram a condenação dos réus ao pagamento de verba reparatória a título de danos morais.

Em contestação (fls.93/107) alegou a ré Rádio e Televisão Bandeirantes, preliminarmente, impossibilidade de cúmulo subjetivo ativo em litisconsórcio facultativo, decadência do direito dos autores, inépcia da inicial e ilegitimidade dos autores, tendo apresentado denunciação da lide com relação ao jornalista e apresentador Paulo Henrique dos Santos Amorim. No mérito, diz que a apresentação da fita e transcrições em que supostamente se encontra reproduzida a matéria jornalística, não se constitui em material hábil e insuspeito, vez que conforme determinação legal, a prova de materialidade e autoria se efetiva através da gravação obtida pelos meios formais determinados pela Lei nº 5.250/67.

Réplica às fls. 126/138.

Manifestação do Ministério Público (fls. 145/150).

Contestação do litisdenunciado passivo (fls. 193/215) alegando, em síntese, preliminarmente, do procedimento equivocado, denunciação inviável e preclusa, decadência, e parcial nulidade do processado. No mérito, aduziu que nenhuma imputação criminosa foi feita a nenhum dos autores, de modo direito ou indireto. Pede a improcedência de lide secundaria e da ação principal.


Réplica dos autores (fls. 310/313).

Manifestação do Ministério Público (fls. 322/327).

A sentença de fls. 349/355, julgou extinta a ação principal, com apreciação do mérito, nos termos do art. 269, IV, CPC e julgou extinta a denunciação da lide, sem apreciação do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC.

Embargos infringentes rejeitados pelo V. acórdão de fls. 467/473.

É o relatório.

DECIDO.

Comprovado e incontroverso o ato inquinado de ilícito, o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do CPC, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito. Aliás, como há muito tempo solicitado pelo autor (fls. 152).

Nos termos do art. 49, I, da Lei 5.250/67, aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano moral, inclusive no caso de calúnia, difamação e injúria, figuras apontadas na petição inicial.

Com efeito, a reportagem do jornal da ré afirmou que o sindicato autor receberia verbas do exterior, sem contabilização, que eram desviadas de sua finalidade, destinadas ao escritório do advogado Roberto Teixeira, com entrega física feita pelo ex-tesoureiro Sadao Higuchi, cuja morte, tida como acidental, seria suspeita. Com base em fonte de informação (fls. 68/9), cujo sigilo é assegurado na Constituição Federal.

Portanto, a solução da controvérsia repousa na análise do fato em si — a divulgação do nome do autor envolvido em suposto crime — em cotejo com duas situações abstratas positivadas, inclusive na Carta Magna.

De um lado, tem-se o direito a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas”, de cuja violação decorre o direito à indenização pelo dano material ou moral experimentado (*art. 5º, X, CF). Por outro lado, temos o direito da liberdade de manifestação e de imprensa (arts. 5º, IX, e 220, CF).

Da contraposição dos direitos positivos em aparente conflito, decorre que a apuração da efetiva existência de responsabilidade civil da ré, há que se fundar na teoria do abuso do direito, e pressupõe sempre a existência de culpa ou dolc.

Com efeito, o exercício regular de direito constitui, não raro, escusativa da responsabilidade civil (art. 160, I, do Código Civil), calcado na parêmia “quem usa de um direito seu não causa dana a ninguém”.

Neste ponto, vale transcrever lição de Caio Mário da Silva Pereira: “o Indivíduo, no exercício de seu direito, deve conter-se âmbito da razoabilidade. Se o excede e, embora exercendo-o, causa um mal desnecessário ou injusto, equipara seu comportamento ao ilícito e, ao invés de excludente de responsabilidade, incide no dever ressarcitório” (Responsabilidade Civil, 6ª ed., p. 296).

Na mesma obra, o renomado mestre adverte que a regularidade do exercício do direito deve ser apreciada pelo juiz com seu arbitrium boni viri – o arbítrio do homem leal e honesto. Só assim equilibra-se o subjetivismo contido na escusativa do agente que, não obstante causar um dano, exime-se de repara-lo.

E para se atingir o equilíbrio entre os direitos fundamentais contrapostos, deve o julgador se valer da lógica do razoável, preconizada pelo mestre espanhol Recasens Siches, invocado por Alípio Silveira:

“A técnica hermenêutica do razoável, ou do logos do humano, é a que realmente se ajusta à natureza da interpretação e da adaptação da norma abstrata aniquila a realidade da vida. A lógica tradicional de tipo matemático ou silogístico não serve ao jurista, nem para compreender e interpretar de modo justo os dispositivos legais, nem para adapta-los às circunstâncias dos casos concretos. O juiz realiza, na grande maioria dos caso, um trabalho de adaptação da lei ao caso concreto, segundo critérios valorativos alheios aos moldes silogísticos. E mais: ora, ao se orientar por juízos de valor em que se inspira a ordem jurídica em vigor, deverá o interprete atender às exigências do bem comum, já que a lei é ordenação da razão, editada pela autoridade competente, em vista do bem comum. E como o bem comum se compõe de dois elementos primaciais — a idéia de justiça e a utilidade comum — são esses os elementos, de caráter essencialmente valorativo, os princípios orientadores” (Hermenêutica no Direito Brasileiro, RT, 1968, vol. I/86).

É preciso ressaltar, neste ponto, que a liberdade de imprensa e informação é garantia constitucional do estado democrático de direito, e como tal garantia da sociedade livre, e assim, dentro do limite do razoável, se sobrepõe ao interesse individual do direito à honra e à imagem.

“A liberdade de informação jornalística, tratada no art. 220 e parágrafo 1º da Lex Fundamentalis, que envolve um direito de informar (até de forma crítica), no regime democrático, caracteriza, também, um dever de informar. A informação é indispensável no Estado Democrático de Direito! A emissão e a ocultação, como os excessos ou desvios, é que são socialmente danosos. E, ressalvadas as inequívocas ofensas, bem delineadas (aquelas, porventura indiretas ou ambíguas, devem ser, previamente esclarecidas e não, simplesmente, presumidas), ninguém está isento ou imune a qualquer narrativa crítica. Nem mesmo os denominados agentes políticos (Chefes de Executivo, membros do Poder Legislativo, do Poder Judiciário ou do Ministério Público, dentre outros) podem pretender uma posição, frente aos meios de comunicação, privilegiada, própria dos regimes de opressão”.


“Aliás, preleciona Dennis Lloyd, mestre da Universidade de Londres, que: ‘A relação entre lei e liberdade e, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada (A idéia da lei – Martins Fontes). E, mais adiante: ‘Em qualquer comunidade onde predominam os valores democráticos e igualitários, é óbvio que o direito à liberdade de expressão e o direito à liberdade de imprensa devem ser qualificados como valores fundamentais, pois sem eles a possibilidade de desenvolvimento de cristalização de opinião pública, permitindo que ela exerça influência sobre os órgãos governamentais do Estado, estaria condenada a ser virtualmente ineficaz” (op. cit., p. 127 – 128; apud, de forma resumida, RT 757/502 – Superior Tribunal de Justiça – Ministério Félix Fischer).

A imprensa tem sido instrumento essencial de fiscalização e controle da sociedade sobre atos de homens públicos. O jornalismo investigativo é de ser louvado, pois tem muitas vezes suprido lacunas dos órgãos constituídos com a finalidade de controle e repressão a atos ilegais ou imorais. Ademais leva ao público informações que muitas vezes se perdem nos escaninhos da burocracia, permitindo ao povo analisar e julgar os atos de seus administradores.

Há que se elogiar a coragem de jornais e jornalistas que não temem o poder na busca da verdade.

Não se pode esquecer que ninguém está mais sujeito à critica do que o homem público, em especial aquele que exerce atividade política ou mandato popular, cujos atos podem e devem ser submetidos ao crive da opinião pública.

O mesmo se diga quanto a sindicato, entidade representativa de categoria profissional, que como tal é mantida por tributos, recebendo assim dinheiro público, pelo que obrigada a prestar contas de suas atividades não só a seus associados, mas a toda a sociedade.

Note-se que os mesmos fatos narrados na reportagem, pelo seu interesse público, foram objeto de ampla divulgação na imprensa escrita, e chegaram a ser investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual, como se vê das matérias jornalísticas de fls. 249/304.

Parece ironia do destino que este processo tenha chegado em termos para julgamento justamente neste momento de tão grave crise moral na política nacional. É bem de ver que, não fosse o empenho da imprensa, caixa de ressonância da sociedade de bem, e talvez não tivéssemos as CPI´s e o aprofundamento das investigações, que tantas revelações têm trazido, antes fora de cogitação, tal sua gravidade.

Assim, o direito à honra e à imagem dos autores não se mostra de caráter absoluto, cedendo espaço ao interesse público maior da divulgação noticiosa levada a efeito.

A análise dos fatos e dos adjetivos utilizados na veiculação insere-se no capítulo da liberdade de imprensa, no legitimo exercício do direito de informar, pautado pelo interesse público, ao abrigo portanto, da isenção prevista no art. 27, VIII, da Lei de Imprensa.

Pelo exposto, e o que mais dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, arcando os autores com despesas processuais, sendo os honorários advocatícios dos patronos da ré e do litisdenunciado ora arbitrados em R$ 3.500,00 para cada um (total, pois, de R$ 7.000,00), face ao trabalho desenvolvido, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de Agosto de 2005.

CARLOS EDUARDO BORGES FANTACINI

Juiz de Direito

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