Advocacia da União

Mesmo na crise, papel da AGU se limita à defesa técnica

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23 de agosto de 2005, 17h28

A crise que assola o governo federal, aqui ou acolá, fareja nova vítima. Na área político-jurídica do governo, a figura do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos tem se destacado como principal interlocutor do presidente Lula. Surge, então, a inevitável pergunta: “Onde se encontra o advogado-geral da União em um momento como este?”

Para tentar se aprofundar no tema, a revista Consultor Jurídico procurou ministros do Supremo, procuradores vinculados à AGU — Advocacia-Geral da União e advogados do setor privado para uma análise do desempenho do ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa.

Ministros do Supremo entrevistados comentam o papel do advogado da União diante da mais grave crise enfrentada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele está prudentemente quieto”, avalia um dos juízes do Supremo. “Ele é advogado e deve falar sobre questões jurídicas. E, quando for chamado, seguramente vai atuar. O envolvimento com as questões políticas é papel, historicamente destinado ao ministro da Justiça”.

Outros ministros reconhecem na figura de Álvaro Ribeiro Costa um aguerrido defensor das teses governistas no STF. No entanto, reconhecem que, na atualidade, as turbulências podem prejudicar seu desempenho. O que não é sentido por um advogado especializado em ações diretas de inconstitucionalidade. “Não tenho do que reclamar. Conheço o Álvaro há bastante tempo. E em todos os meus processos que a AGU precisa se manifestar, a coisa ocorre com rapidez”.

A principal crítica a Álvaro Costa diz respeito à excessiva sindicalização da estrutura da Advocacia da União, que teve como episódio mais dramático a greve iniciada em março de 2005. “Ele sindicalizou demais e ficou na mão de advogados novos, quando retirou dos quadros gente que sairia mais tarde”, comentou um dos entrevistados. “Agora, com a desvalorização da carreira, aquilo está se tornando um local de passagem, ninguém fica por lá”.

Um procurador federal também é contundente: “Ele não entende que não é mais um procurador da República. Para defender a causa pública é preciso ter ética e ousadia. Acho que o problema dele é ter se deparado com um grande vácuo deixado pela saída do (ministro do Supremo) Gilmar Mendes”.

Para uma integrante do quadro da AGU, o desestímulo é total. “Ninguém sabe de nada. Ninguém fala nada para a gente. O desestímulo é grande. Acho que ele (Álvaro Costa) não tem um interlocutor com quem possa dialogar. Com quem ele vai falar as questões técnicas, com o presidente Lula? Ele não vai poder opinar sobre as questões jurídicas”, avalia a servidora.

Contudo, nenhum episódio talvez tenha sido mais turbulento na gestão de Álvaro Ribeiro Costa do que o processo de “fritura” iniciado quando da gestão do atual deputado federal José Dirceu frente à Casa Civil. Dirceu tinha por objetivo colocar no posto o subchefe da Casa Civil para assuntos jurídicos, José Antonio Dias Toffoli.

A crise, cujo ápice se deu em julho, quando chegou a colocar seu cargo à disposição do presidente, acabou por fortalecer o AGU junto ao presidente. Isso porque o atual advogado-geral da União foi mantido em seu posto. Apesar do fato ter sido interpretado por críticos de Álvaro Costa como uma manobra de acomodação, já que, segundo dizem, o presidente não teria outra opção. Sobre todos estes temas, a ConJur ouviu Álvaro Ribeiro da Costa.

Leia os principais trechos da entrevista

ConJur — Como se estabelece a relação do advogado-geral da União com o presidente em um momento de crise como o atual?

Álvaro Costa — A relação da AGU com o presidente é exclusivamente técnica. Nós temos normalmente audiências em função dos assuntos que estão junto ao Supremo. Basicamente, são as informações dos mandados de segurança e das ações de inconstitucionalidade no controle concentrado. Isso se faz com uma certa regularidade em função da própria pauta, dos andamentos dos prazos. Evidente que também tratamos de assuntos administrativos, de interesse da Casa. De sorte, que, nas questões basicamente políticas, nós não temos nenhum tipo e atuação. Nas questões que envolvem os ministérios, questões consultivas, nós também nos manifestamos. Às vezes, verbalmente, às vezes, em reuniões, ou por escrito. Em síntese, a questão estritamente política não passa por aqui. Mas as questões de políticas públicas, que têm envolvimento judicial, nós sempre interferimos. Como por exemplo, nas questões do setor elétrico, setor de petróleo.

ConJur — Mas um cargo como o que o senhor ocupa é de indicação política. Em momentos turbulentos como o atual o presidente não se aconselha com o senhor?

Álvaro Costa — Não temos conversado no sentido de questões específicas da política de momento. Nós temos sempre uma visão mantida com muita clareza de qual é o papel da Advocacia da União em relação a tudo. E seu papel fica justamente restrito à sua atuação técnica. Decisões políticas são discutidas em outras esferas.


ConJur — Hoje tem se sobressaído o nome do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. O senhor acha, então, que esse deveria ser o papel desempenhado pelo ministro da Justiça?

Álvaro Costa — Eu creio que sim. Porque o Ministério da Justiça, historicamente, inclusive, é a pasta incumbida de uma visão mais geral dos temas políticos e dos temas jurídicos. Isso é inteiramente natural. Não conflita com o papel dos interlocutores específicos, no relacionamento com o Congresso ou mesmo com os políticos. O Ministério da Justiça sempre foi um assessoramento de alto nível nas matérias político-institucionais. É o papel que lhe cabe mesmo.

ConJur — Quem está olhando de fora sente uma paralisação atingindo o governo. Qual o reflexo dessa situação no trabalho da AGU?

Álvaro Costa — Primeiro, há uma falsa impressão sobre a paralisação. Nós tivemos recentemente uma reunião do Ministério que foi muito construtiva. A verdade é que, como há um interesse da imprensa focado em um aspecto, os resultados da atividade administrativa nem sempre são mostrados. Mas, em todas as áreas, as atividades são dinâmicas e os resultados são positivos. Aqui, também. O trabalho se desenvolve normalmente.

ConJur — Há críticas que, logo no começo de sua gestão, o senhor teria dado um espaço excessivo aos sindicalistas. E justamente o senhor enfrentou o primeiro caso de greve na AGU. Existe hoje uma política para evitar situações semelhantes, como um plano de carreiras? Qual o foco administrativo para a AGU?

Álvaro Costa — Essa pergunta me dá a oportunidade de esclarecer uma série de questões. Quando cheguei aqui, chamei todas as entidades representativas de advogados e não advogados e pedi a agenda deles. Essa agenda, que achei muito positiva, incorporei à agenda da própria AGU. Ela fundamentalmente diz respeito à nova estrutura da AGU como um todo, diz respeito à implementação da Procuradoria-Geral Federal. Um outro tema importante é uma nova estrutura de carreira para os servidores. É uma proposta nossa que encaminhamos desde o primeiro ano também, tendo como conseqüência o pleito por novos concursos. Nós vivemos hoje à base de requisitados. Precisamos de técnicos, peritos, contadores. Uma gama de especialistas de nível superior inclusive. Outra questão é a da carreira dos próprios advogados. Em um primeiro momento, a preocupação foi reestruturar a carreira. Agora, temos uma proposta de subsídio para remuneração para enfrentar o problema imenso que temos aqui de evasão de quadros qualificados em razão da disparidade de salário dentro do próprio quadro de carreiras jurídicas da União. Então, essas greves que fizeram nasce da própria incompreensão de algumas lideranças do nosso papel e do papel deles também. Nós não estamos aqui em uma fábrica de salsichas em que você faz uma greve a forçar o patrão da uma determinada postura, e, para isso, cria-se um ônus, um instrumento de pressão. Aqui nós vivemos uma relação estatutária, legal.

ConJur — Em última instância, quem perde é a população.

Álvaro Costa — Sim, a comunidade, a União, e, em última análise, o próprio servidor. Então, creio que foi uma certa imaturidade que levou a essas greves. Mas isso nos ensina a todos que é possível tratar do tema com serenidade, a despeito de eventuais excessos que tenham sido cometidos. As reivindicações continuam.

ConJur — Alguns setores reclamam que a área ligada à Fazenda (procuradoria da Fazenda) tem um número maior de pessoas, o que geraria uma distorção. Pessoas demais em alguns setores e de menos em outros. Na área de fiscalização, houve uma unificação. Por que a AGU não tenta o mesmo?

Álvaro Costa — Essa questão da Super-Receita é um tema à parte. Mas, no que nos influencia, é preciso pegar um pouco o nosso histórico. A AGU foi criada a partir de uma separação de atribuições que estavam com o Ministério Público Federal. O primeiro quadro seria constituído por procuradores da República que quisessem integrar a nova instituição. O complemento seria por concurso público. Depois disso, por decisões político-administrativas e legais, resolveu-se que se incorporaria à AGU os antigos assistentes jurídicos. Uma outra área que integra a AGU é a dos procuradores federais que, antes, estavam espalhados em autarquias e fundações. Em 2002, eles passaram a integrar uma carreira única de procurador federal, dentro dessa Procuradoria Federal que ainda está se implementando. Já a Procuradoria da Fazenda basicamente fazia a consultoria jurídica, como havia a consultoria jurídica de cada ministério. Porque a própria execução fiscal era feita pelos procuradores da República, antes da Constituição de 88. Depois da Constituição, todas essas parcelas de categorias e competências foram sendo ajustadas, mas sem sistematização ideal. Foram ajustadas mais em razão dos conflitos de interesses e acordos que foram feitos à época.


ConJur — Conflitos de interesses de quem?

Álvaro Costa — Das categorias. Cada uma tinha suas expectativas, suas pretensões. Por isso que hoje o quadro tem algumas incongruências. Houve uma aglutinação. Mas ela não foi ideal, teve que atender àquele momento histórico. Por isso, há mais de um ano temos um projeto que define bem os princípios, as prerrogativas, as peculiaridades e instrumentos de trabalho da AGU, no sentido de convergência. Essa situação de colcha de retalhos leva à pluralidade de representação da categoria, inclusive. Há até advogados e procuradores que não se sentem representados por nenhuma delas.

ConJur — Alguns fazem críticas justamente pelo fato de o senhor vir do Ministério Público. Elas dizem que não se sentem representadas pelo senhor. Como o senhor avalia essa opinião?

Álvaro Costa — Eu acho isso uma tolice. Meu compromisso é com a carreira como um todo. E, muitas vezes, na disputa entre elas, alguma nutre a expectativa de que eu possa favorecer uma em detrimento da outra. E, como eu não aceito qualquer tipo de privilégio, isso gera as críticas. Em um universo complexo como é a AGU, não poderia ser diferente.

ConJur — Quanto ao Supremo, alguns críticos do senhor dizem que há uma atuação da área econômica muito intensa. Por exemplo, a distribuição de memoriais a respeito de uma questão envolvendo o FGTS, que foi feita pelo secretário do Tesouro, Joaquim Levi. Ao mesmo tempo, o senhor enfrentou uma situação em que havia rumores de que a Casa Civil queria trocá-lo. Como a senhor age diante desses fatos?

Álvaro Costa — Em primeiro lugar, com relação às questões da Fazenda, a representação é justamente feita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em alguns casos, como em ações originárias ou ações diretas de inconstitucionalidade, nós atuamos juntos. É o normal e tem sido feito bem. Tivemos êxitos importantes. Agora, se algum setor técnico encaminha informações de esclarecimento, isso em si não tem nada demais. Os memoriais que elaboramos aqui, e as sustentações orais e as petições têm que ser, necessariamente, jurídicas. As questões técnicas vão como uma informação a mais dentro do contexto. Quanto à questão em que quiseram colocar outra pessoa aqui…(risos), isso é muito interessante também. O cargo é do presidente.

ConJur — Mas, então, houve efetivamente o movimento?

Álvaro Costa — Isso foi notório. O que foi notório é que os jornais noticiaram que haveria um movimento partindo da Casa Civil. Através daquela técnica de fritar através de notinhas. Evidente que uma hora eu fui até o presidente e disse que era preciso que houvesse uma definição de governo a respeito disso. Ele tomou a decisão. Isso parou, acabou e não se fala mais nisso. O que posso lhe dizer é que aqui, desde o primeiro dia, quando o presidente me chamou, ficou muito claro que esta é uma área estritamente técnica. Nem o presidente da República, nem eu mesmo indiquei ou trouxe, por interesse ou indicação de quem quer que fosse, o chefe da garagem de Roraima. Isso não existe aqui. As únicas duas pessoas que eu trouxe, porque me seriam essenciais, foram o consultor-geral, Manoel Castilho, e o procurador-geral da União, Moacir Machado.

ConJur — Em nota, a AGU divulgou que o STF acolheu 80,43% das teses apresentadas pela AGU na defesa de ADIs.

Álvaro Costa — Há uma distinção que deve ser feita. É preciso distinguir entre as ações que dizem respeito a lei federal e a lei estadual. No caso das ADIs contra lei federal, a AGU se manifesta em duas situações — quando há as manifestações do presidente da República e quando há a manifestação da AGU prevista na Constituição. No caso das leis estaduais, o presidente não se manifesta. É só a AGU. Mas ela se faz naquela forma obrigatória em que devemos defender o ato. Salvo se houver precedentes do Supremo sobre a matéria. Para que se tenha uma idéia, neste semestre, das manifestações encaminhadas ao STF, tiveram julgamento concluído 46 delas. Foram 118 encaminhadas. E 15 tiveram o julgamento iniciado. Nas leis federais, com julgamentos concluídos, tivemos sete com a tese da AGU concluída. Das estaduais, 30 ações com tese acolhida. Apenas uma ADI contra lei federal teve tese rejeitada. E havia precedente do próprio Supremo. No caso de manifestação obrigatória, houve oito rejeições. O resultado é excelente. Mas o que importa de fato é a repercussão dos casos.

ConJur — Houve alguma declaratória de constitucionalidade?

Álvaro Costa — Não. Mas houve ações originárias e reclamações, com as quais nós conseguimos uma economia considerável este ano. Eram pagamentos que seriam feitos, geralmente em matéria de servidor público, e que foram evitados. Cerca de R$ 200 milhões, só do que estimamos.

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