Só serviços urgentes

Empregado não é obrigado a trabalhar em feriados

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22 de agosto de 2005, 16h50

O empregado só pode ser obrigado a trabalhar em feriados se o serviço for urgente e inadiável. O entendimento é dos juízes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que não consideraram falta grave o fato de uma empregada da Krones S.A. ter se recusado a trabalhar na segunda-feira de Carnaval, que não é considerada feriado.

A funcionária “foi convocada a prestar serviços em 11, 12 e 13/2/02”, período de Carnaval daquele ano. De acordo com a empresa, no dia 11, segunda-feira, por volta das 14 horas, ela “abandonou, juntamente com outros colegas de trabalho, o seu posto de serviço e negou-se a desempenhar suas tarefas, mesmo diante de ordem expressa de seu superior hierárquico”.

Para o advogado trabalhista Marcel Cordeiro, fica difícil de se exigir do empregado que ele trabalhe no feriado. No caso do Carnaval, porém, faltou verificar na decisão se o Carnaval em Diadema no ano de 2002 foi considerado dia normal. “Em São Bernardo, por exemplo, nenhum dia do Carnaval é feriado. Cabe ao município decidir no início do ano se o Carnaval vai ser considerado feriado ou não”, explica Cordeiro.

O advogado se preocupa com a possibilidade dessa decisão abrir precedente e colocar em xeque o direito do empregador de pedir ao funcionário para trabalhar em feriado. “Ao mesmo tempo que não se pode convocar para o trabalho à toa, também deve haver uma preocupação com os negócios da empresa, o que está previsto no artigo 170 da Constituição, tratando da questão econômica e financeira, e promovendo a livre concorrência, para impulsionar os negócios.”

Para poder demitir a empregada, que é vítima de doença profissional (tenossinovite), a Krones abriu inquérito para apurar se houve falta grave na 1ª Vara do Trabalho de Diadema, em São Paulo.

Em audiência, testemunha da empresa afirmou que vários empregados foram convocados para trabalhar nos feriados de Carnaval, para “capinar e arrumar algumas máquinas”. Contratada como programadora de materiais, ela atuava auxiliando na portaria e na expedição da empresa.

Como a vara entendeu que Krones não provou a falta grave e, portanto, não autorizou a demissão da funcionária, a empresa recorreu da sentença ao TRT de São Paulo.

Segundo o juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira, relator do Recurso Ordinário no tribunal, o artigo 70 da CLT — Consolidação das Leis do Trabalho determina que, salvo algumas exceções, “é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria”.

O relator acrescentou que a Lei 605/49 dispõe que, “excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva”.

O juiz Luiz Edgar entendeu que só pode ser obrigado ao funcionário trabalhar em feriados quando houver exigências técnicas da empresa, “com a respectiva compensação em outro dia da semana”.

“A recorrente não obedeceu à lei no presente caso. Criou uma situação inaceitável do ponto de vista jurídico ao convocar empregados estáveis, que tinham sido reintegrados, para exigir o cumprimento de tarefas absolutamente desnecessárias ao desenvolvimento da atividade da empresa – naqueles dias de Carnaval – e ainda pretende valer-se desse abuso de poder para tirar proveito e rescindir o contrato da reclamante por justa causa”, observou.

Para o advogado trabalhista João Sady, o acórdão está perfeito, já que não se pode convocar a pessoa para trabalhar no feriado se não forem serviços urgentes. As horas extras, nesse caso, só são justificáveis em serviços inadiáveis. Por ser segunda-feira de carnaval, o advogado acredita que houve um acordo entre a empresa e o sindicato, o que o dia emenda do feriado.

Leia a íntegra da decisão:

9ª TURMA

PROCESSO N° 00423.2002.261.02.85-8

RECORRENTE: KRONES S/A

RECORRIDA: ANA MARIA LUNA RODRIGUES MESQUITA

ORIGEM: 01ª VARA DE DIADEMA

Inquérito para apuração de falta grave. Convocação de empregado para trabalhar nos feriados de Carnaval, sem o atendimento das exigências previstas na CLT e na Lei 605/49. Recusa de empregado. Inexistência de indisciplina ou de insubordinação. O poder disciplinar do empregador só tem respaldo jurídico quando exercido dentro de princípios legais. Exigir trabalho em dia feriado, sem que a atividade da empresa esteja enquadrada nas exceções do 68 da CLT e dos arts. 1º e 8º da Lei 605/49, representa abuso de poder do empregador. O empregado, sobretudo o estável, não está obrigado a cumprir a ordem. Ninguém pode ser obrigado a cumprir ordem ilegal, nem pode ser punido por resistir ao seu cumprimento. Não há desrespeito a “poder hierárquico” quando este se funda em abusos ou ilegalidades.

RELATÓRIO

RECURSO ORDINÁRIO da requerente (fls. 515/524) contra a sentença de fls. 511/513. Pretende reforma da decisão no tocante à falta grave para a rescisão motivada do contrato. Contra-razões da requerida (fls. 529/535), pela manutenção do julgado. Sem manifestação do Ministério Público do Trabalho, nos termos do Comunicado GP 01/05.

V O T O

1. Pressupostos em ordem (fls. 17, 514, 515, 525/526), conheço.

2. No mérito, não vejo razão para a reforma da sentença, ainda que, ao ver da recorrente, esteja baseada em metáfora de “mau gosto”. Trata-se de interpretação da recorrente, sem pertinência jurídica. O processo envolve inquérito para apuração de falta grave, sob o fundamento de que a requerida “foi convocada a prestar serviços em 11, 12 e 13.02.02”, e que no dia 11, por volta das 14 horas, “abandonou, juntamente com outros colegas de trabalho, o seu posto de serviço e negou-se a desempenhar suas tarefas, mesmo diante de ordem expressa de seu superior hierárquico” (fls. 8). Este foi, em síntese, o motivo do inquérito, rejeitado pelo juiz. A ninguém é dado o direito de desconhecer as leis, muito menos o empregador em relação às leis trabalhistas. Dispõem o art. 70 da CLT e os arts. 1º e 8º da Lei 605/49 que o trabalho em dias feriados é proibido, conforme transcrições abaixo:

CLT

Art. 70 – Salvo o disposto nos arts. 68 e 69 , é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria.

Lei 605/49

Art. 1º Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.

Art. 8º Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva, observados os dispositivos dos artigos 6º e 7º desta lei.

3. Pela leitura do artigo 8º da lei 605/49, o trabalho em feriados só pode ser cobrado do trabalhador em razão de “exigências técnicas das empresas”. Não há na petição inicial a alegação de nenhuma exigência técnica que autorizasse a convocação da requerida para trabalhar nos feriados do Carnaval. O poder disciplinar do empregador só tem respaldo jurídico quando exercido dentro dos princípios legais.

Exigir trabalho em dia feriado, sem que a atividade esteja enquadrada nas exceções da Lei 605/49, representa abuso de poder do empregador. O empregado, sobretudo o estável, não está obrigado a cumprir a ordem. Ninguém pode ser obrigado a cumprir ordem ilegal, nem pode ser punido por resistir ao seu cumprimento. Não há desrespeito a “poder hierárquico” quando este se funda em abusos ou ilegalidades. Para que o trabalho em dia feriado obrigue o trabalhador, é imprescindível que as exigências técnicas da empresa obriguem o trabalho, com a respectiva compensação em outro dia da semana.

A recorrente não obedeceu à lei no presente caso. Criou uma situação inaceitável do ponto de vista jurídico ao convocar empregados estáveis, que tinham sido reintegrados, para exigir o cumprimento de tarefas absolutamente desnecessárias ao desenvolvimento da atividade da empresa – naqueles dias de Carnaval – e ainda pretende valer-se desse abuso de poder para tirar proveito e rescindir o contrato da reclamante por justa causa, pretensão essa corretamente rejeitada pelo juiz. Pelo que consta do depoimento da requerente, vários empregados foram convocados para trabalhar nos feriados de Carnaval, para “capinar e arrumar algumas máquinas”, tendo havido recusa de vários empregados, e em relação à reclamante disse a testemunha da recorrente que “não chegou a ser determinado que a reclamante fosse carpir”, pois “a reclamante trabalhava auxiliando na portaria e também na expedição” (fls. 421).

Portanto, a convocação foi contra a lei, já que esses serviços não eram inadiáveis e nem imprescindíveis à atividade da empresa, nas condições previstas no art. 68 da CLT e da lei 605/49. O inquérito não tem respaldo legal para prosperar.

CONCLUSÃO

4. Nego provimento ao recurso. Nada mais.

Juiz LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA

Relator

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