Saúde paga

Planos de saúde têm de pagar ao SUS por atender a seus clientes

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18 de agosto de 2005, 13h13

A 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou o pedido da seguradora Saúde NSL para declarar a inconstitucionalidade do artigo 32 da Lei 9.656/98, que determina que os planos de saúde reembolsem o SUS — Sistema Único de Saúde, quando seus clientes forem atendidos por hospitais da rede pública ou privada conveniados ao sistema.

A NSL, um grupo de 17 empresas de saúde que tem como instituição matriz o Hospital Nossa Senhora de Lourdes, de São Paulo, entrou com Ação Ordinária na Justiça Federal contra a ANS — Agência Nacional de Saúde Suplementar, contestando os termos da lei que ordena o ressarcimento pelas operadoras de planos de saúde dos serviços de atendimento previstos em seus contratos e que tenham sido prestados “a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde — SUS”.

O Hospital Nossa Senhora de Lourdes alegou que o artigo 32 da Lei 9.656/98 seria inconstitucional, por transferir à iniciativa privada a obrigação do Poder Público de garantir saúde para todos. A empresa, que conta com quase 20 mil associados, argumentou que o artigo 196 da Constituição Federal diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

A administradora do plano afirmou ainda que a Constituição exigiria que a criação de receita pública para a seguridade social seja instituída por lei complementar e não por lei ordinária, como é o caso da 9.656/98.

Alegou ainda que haveria enriquecimento sem causa quando o Estado é remunerado por um serviço que deveria prestar gratuitamente e que a Tunep — Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos criada pelo Conselho de Saúde Suplementar para fixar os valores a serem ressarcidos pelos planos de saúde, conteria valores “completamente irreais”.

Por maioria, a 6ª Turma acompanhou o entendimento do relator do processo, concluindo que, quando as instituições conveniadas ao SUS realizam procedimentos previstos nos contratos dos planos de saúde, e que as operadoras têm o dever de compensar os cofres públicos.

Para o relator, desembargador federal Benedito Gonçalves, a regra impede o enriquecimento da empresa às custas da prestação pública de saúde: “Na hipótese, as operadoras recebem um aumento patrimonial injustificado, pois deixam de contabilizar o custo financeiro da operação quando não cumprem o compromisso consignado em contrato, pelo que o ressarcimento constitui evidente aplicação do aludido princípio em favor do Estado, em detrimento do privado, pois recompõe a diminuição patrimonial sofrida com os serviços efetuados aos usuários de planos e seguros de saúde”.

O juiz também destacou que a lei não fere o direito universal à saúde estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal, porque o Poder Público continua obrigado a prestar assistência gratuita aos cidadãos, sendo indenizado somente pelos custos dos serviços que deixam de ser prestados pelas operadoras, mas que são cobertos pelos contratos e pagos pelos consumidores.

O relator lembrou que a lei cria obrigações apenas entre o Estado e as empresas, não atingindo as pessoas que contrataram os planos de saúde, que permanecem com seus direitos constitucionais assegurados.

Ainda entre suas fundamentações, o julgador concluiu que não procedem também as alegações de que os valores firmados na Tabela Única não seriam razoáveis, já que ela foi amplamente discutida, antes de ser aprovada, no Conselho de Saúde Complementar, com a participação dos representantes das operadoras de planos de saúde e das instituições integrantes do SUS.

Proc. 2002.51.01.002613-2

Leia integra do voto do relator

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL BENEDITO GONCALVES

APELANTE : SAUDE NSL LTDA

ADVOGADO : ROBSON PEDRON MATOS E OUTROS

APELADO : AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR-ANS

PROCURADOR : LUIZ FELIPE CONDE

ORIGEM : VIGÉSIMA QUARTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200251010026132)

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO interposta em face de r. sentença de fls. 196/200, proferida nos autos de ação de rito ordinário, em que fora julgado improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 32 da Lei nº 9.656/98, e o de nulidade dos atos administrativos consubstanciados nas Resoluções RDC nºs 17 e 18, e RE nºs 1, 2, 3, 4, e 5, mantendo-se, dessa forma, a exigibilidade do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS de que trata o referido dispositivo legal.

Em razões recursais de fls. 203/214, a Autora pugna pela reforma da r. sentença, sob os seguintes argumentos, em síntese: que o Estado pretende transferir à iniciativa privada seu dever constitucional de garantir saúde para todos (art. 196); que o ressarcimento interfere indevidamente na iniciativa privada, violando o art. 199 da Constituição Federal; que a criação de receita pública, para o financiamento da seguridade social, é matéria reservada exclusivamente à lei complementar, nos termos do art. 195, §4º c/c art. 154, I, ambos da CF/88; que há enriquecimento sem causa quando o Estado pretende remunerar-se por um serviço que deva prestar, obrigatoriamente, de forma gratuita; que as inúmeras Resoluções editadas pela ANS violam o princípio da legalidade, extrapolando os limites impostos pela Lei nº 9.656/98, como, por exemplo, a RDC nº 17, que aprovou “uma Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP, contendo valores completamente irreais, sem ao menos observar o disposto no §5º do artigo 32 da aludida Lei,...”; que as Resoluções que regulamentam o processo administrativo de impugnação aos valores referentes ao ressarcimento não observaram os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa; que o ressarcimento não pode ser exigido com relação aos contratos firmados anteriormente à lei que o instituiu.


Contra-razões às fls. 222/249, tendo o Il. Representante do MPF opinado pelo improvimento do recurso (fls. 258/259).

Dispensada a revisão, na forma regimental.

É o relatório.

VOTO

Não merece reparos a r. sentença impugnada.

Com efeito, o instituto do ressarcimento ao SUS previsto pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98 é medida salutar, adotada pelo legislador, que visa ressarcir o Poder Público pelos custos do atendimento efetuado perante o SUS e instituições conveniadas, em razão da impossibilidade das operadoras de plano de saúde em executar os serviços previstos nos planos contratados em favor de seus consumidores.

Segundo o dispositivo legal impugnado, serão “ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições, públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.” (Redação dada pela MP nº 2.177-44, de 24.8.2001). Assim, quando os usuários de plano de saúde são atendidos em estabelecimentos hospitalares com financiamento público, a operadora tem o dever legal de indenizar o Erário pelos valores despendidos com os seus consumidores, sendo certo que o ressarcimento é devido dentro dos limites de cobertura contratados, e visa, além da restituição dos gastos efetuados, impedir o enriquecimento da empresa privada às custas da prestação pública de saúde. Sobre o princípio do enriquecimento sem causa, oportuna é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Com efeito, precisamente para evitar situações nas quais um dado sujeito vem a obter um locupletamento à custa do patrimônio alheio, sem que exista um suporte jurídico prestante para respaldar tal efeito, é que, universalmente, se acolhe o princípio jurídico segundo o qual tem-se de proscrever o enriquecimento sem causa e, conseqüentemente, desabona-se interpretação que favoreça este resultado injusto, abominado pela consciência jurídica dos povos.

(…)

Enriquecimento sem causa é o incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que, para tal evento, exista uma causa juridicamente idônea. É perfeitamente assente que sua proscrição constitui-se em um princípio geral do direito.”

Na hipótese, as operadoras recebem um aumento patrimonial injustificado, pois deixam de contabilizar o custo financeiro da operação quando não cumprem o compromisso consignado em contrato, pelo que, o ressarcimento constitui evidente aplicação do aludido princípio em favor do Estado, em detrimento do privado, pois recompõe a diminuição patrimonial sofrida com os serviços efetuados aos usuários de planos e seguros de saúde.

De outro giro, tem-se afirmado, repetidamente, que o ressarcimento ao SUS revela a intenção do Estado em transferir, à iniciativa privada, seu dever constitucional de assegurar o direito à saúde, assinado no art. 196. Alega-se, ainda, que o instituto restringe o direito de acesso universal à saúde de usuários de plano ou seguro de saúde, garantido pela Carta Magna.

Sobre tais argumentos, merece transcrição, por sua exatidão, os esclarecimentos prestados pelo Diretor do Departamento de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.931-8/DF, ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde – CNS, em que se buscava a suspensão da eficácia da Lei nº 9.656/98. Confira-se:

“Por oportuno deve-se frisar que, de forma alguma a legislação aponta para qualquer forma de discriminação ao cidadão com ou sem plano ou seguro saúde. Todos continuam com seus direitos de acesso universal garantido e intocável. Trata-se apenas de, como será abordado adiante, fazer que essas operadoras efetivamente assumam sua responsabilidade financeira contratual. Pois apesar de vender contratos que incluem coberturas diversas, nós sabemos que o sistema de atendimento à urgência e emergência é fundamentalmente estatal. Ora: vendem um produto que não entregam, permanecendo o ônus financeiro exclusivamente para a sociedade em geral. Não seria este procedimento fraudulento em sua essência?

(…)

Não se está falando de discriminação de usuários, ou de limitação de direitos de cidadania, estamos sim apontando a necessidade da empresa honrar seus compromissos consignados em contrato. Pois a cada vez que um consumidor se interna em um hospital publico tendo adquirido um produto que dava direito a internação em hospital particular, podemos afirmar que estão acontecendo dois fenômenos: a operadora não honrou com seu compromisso contratual e não disponibilizou leito hospitalar em clínica privada, e todo o custo dessa internação desaparece da balança de pagamentos da empresa. De forma mais direta: o consumidor é logrado e a empresa lucra de forma abusiva, mais uma vez. Trata-se, portanto, de fazer com que as operadoras apenas honrem seus compromissos, independentemente da natureza jurídica do prestador de serviço, se público ou privado. Certamente a máxima de parte – cada vez menor, acreditamos – do empresário brasileiro que afirma: ´o lucro é privado, e o prejuízo é do estado’, no caso em tela se aplicaria de forma um pouco adaptada: ´a receita é do empresário e a despesa do estado’. Desta forma o ressarcimento ao SUS não apenas é justo socialmente, como se transformará em importante ferramenta de organização do sistema de saúde, pois a cada vez que ocorrer estará significando que alguma operadora deixou de prestar o serviço adequado (e contratado) a seus clientes.”.


De fato, o instituto do ressarcimento não implica qualquer redução no dever do Estado de assegurar a todos o direito à saúde, garantindo o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, conforme exigido pela Constituição (art. 196). Nem acarreta a alegada discriminação de usuários de planos de saúde perante os serviços efetuados pelo SUS. Visa apenas, como visto, indenizar o Poder Público pelos custos desses serviços não prestados pela operadora privada, mas cobertos pelos contratos e pagos pelo consumidor. Note-se, que a relação jurídica criada pela lei em comento opera-se entre Estado e pessoa jurídica de direito privado, não alcançando a esfera jurídica da pessoa física beneficiária do plano contratado, que continua exercendo seu direito ao atendimento publico no âmbito do SUS.

Da mesma forma, não procede a alegação de que o instituto em destaque interfere indevidamente na iniciativa privada, violando o artigo 199 da Carta Política, que dispõe ser a assistência à saúde livre à iniciativa privada. Neste ponto, cumpre destacar, mais uma vez, os esclarecimentos do Diretor do Departamento de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde, prestados nos autos da ADIn 1.931-8/DF:

“Em nenhum momento o Governo quer impedir a livre iniciativa. Já fizemos nossas observações sobre o exposto. Mas o absurdo é tal que não resistimos a repetir o já exposto no parágrafo 21: O dever do estado com relação à saúde, de que trata o art. 196 da Constituição Federal, não é o restrito dever da prestação de assistência, ou da sua gratuidade, mas inclui a responsabilidade tanto na definição das políticas de saúde, quanto na regulamentação, controle e fiscalização das atividades na área de saúde. Este estado é ‘ditador`- e merece a fúria da CNS – quando cumpre o seu papel constitucional? A Constituição Federal traz gravado o dever do estado de regular e controlar a atividade na área de saúde e educação, energia, comunicações, recursos hídricos, exploração do subsolo, combustíveis, etc.

A liberdade de iniciativa não confere soberania a empresário nenhum para decidir que só vai ensinar matemática e geografia, na sua escola porque fica mais barato e a população de baixa renda vai poder pagar. Porque haveria essa soberania de ser conferida ao empresário da saúde?”

Outro ponto que merece destaque diz respeito ao procedimento de arrecadação dos valores referentes ao ressarcimento que, segundo as operadoras, teria violado os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como o princípio da legalidade. Mais uma vez não prosperam os argumentos expendidos, conforme adiante restará demonstrado.

Pelo texto original da Lei nº 9.656/98, competia ao Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, ouvida a Câmara de Saúde Suplementar, a regulamentação dos planos privados de assistência à saúde (art. 3º), assim como a aprovação da tabela referente ao ressarcimento de que trata o art. 32, nos termos do seu §1º. Segundo este dispositivo, na redação dada pela MP nº 2.177-44/2001, o ressarcimento “será efetuado pelas operadoras à entidade prestadora de serviços, quando esta possuir personalidade jurídica própria, e ao SUS, mediante tabela de procedimentos a ser aprovada pela ANS”. De sua parte, os §§ 2º, 3º e 8º dispõem que a ANS disponibilizará a discriminação dos procedimentos realizados para cada consumidor, cabendo à Autarquia a cobrança dos respectivos valores, os quais deverão ser creditados junto à entidade prestadora ou ao respectivo fundo de saúde, não podendo ser inferiores ao praticados pelo SUS nem superiores aos praticados pelas operadoras.

Disciplinando o art. 32, o Conselho de Saúde Suplementar – CONSU aprovou a Resolução nº 09/98, cujo artigo 7º, na redação dada pela Resolução nº 22/99, determinou que “A relação de procedimentos a serem ressarcidos pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, deverá estar disponível para consulta por seus representantes, pelo prazo de 15 (quinze) dias úteis antes de ser encaminhada para cobrança. Parágrafo único. A relação deverá conter os dados de identificação do usuário, do prestador do serviço, o nome e código do procedimento de acordo com a Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP, a data de atendimento e o valor a ser cobrado.”

Por seu turno, o artigo 10 e seus parágrafos, da referida resolução, estatuíram que:

“Art. 10. No prazo de que trata o art. 7º desta Resolução, as operadoras poderão apresentar, junto ao gestor, impugnações de caráter técnico, ou impugnações administrativas, acompanhadas de comprovação documental, alegando inexistência total ou parcial de cobertura para os atendimentos prestados, decorrente de disposição contratual.

§1º. (…)

§2º. Quando a alegação for comprovada, a relação de procedimentos, a serem ressarcidos, deverá sofrer as necessárias alterações antes de ser encaminhada para cobrança.

§3º. Quando houver franquia ou co-participação, prevista em contrato, esta deverá ser deduzida do valor a ser ressarcido pelas operadoras.

(…)

§7º. As impugnações serão submetidas ao gestor responsável pelo processamento.

§8º. Após homologação do julgamento pelo gestor, caberá recurso, no prazo de 5 (cinco) dias contados a partir da ciência, á Câmara de Julgamento, especialmente constituída para este fim nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios responsáveis pelo processamento do ressarcimento, composta de acordo com regras a serem definidas pelo Ministério da Saúde por meio de Portaria.”


Conclui-se, portanto, da leitura dos dispositivos supra, não haver qualquer ofensa ao princípio da legalidade no procedimento administrativo instituído para o ressarcimento, o qual obedece aos ditames da Carta Política de 1988, assegurando às operadoras, ademais, o direito de ampla defesa e do contraditório, uma vez que a cobrança somente é efetuada após a apreciação definitiva dos recursos apresentados, onde o interessado pode impugnar os valores cobrados e o suposto atendimento pela rede pública de saúde, sendo certo que as resoluções editadas posteriormente pela ANS observaram os aludidos princípios, revelando-se perfeitamente adequado a tal finalidade.

Deve ser ressaltado, outrossim, que a aprovação da Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP é resultado de um processo participativo, discutida no âmbito do Conselho de Saúde Complementar, de que participam os gestores responsáveis pelo processamento do ressarcimento, os representantes das operadoras e das unidades prestadoras de serviço integrantes do Sistema Único de Saúde (Resolução CONSU nº 23/1999), restando desarrazoada, dessa forma, a alegação de que de a tabela contem “valores completamente irreais”, e de que não fora cumprido o disposto no §5º do art. 32 da Lei nº 9.656/98.

Outrossim, deve ser afastada a alegação de que a instituição dessa modalidade de ressarcimento estaria a exigir lei complementar, nos termos do art. 195, §4º. Conforme já decidiu o STF na ADIn 1.931-8/DF, em sede cautelar, “como resulta claro e expresso na norma, não impõe ela a criação de nenhum tributo, mas exige que o agente do plano restitua à Administração pública os gastos efetuados pelos consumidores com que lhe cumpre executar”.

Por derradeiro, não merece acolhida a alegação de ofensa à irretroatividade, eis que os documentos colacionados à inicial dão conta de que os Avisos de Beneficiários Identificados (ABI) referem-se a fatos ocorridos posteriormente à Lei nº 9.656/98, além do que, a cobrança do ressarcimento não está vinculada ao contrato firmado entre a operadora de plano de saúde e o segurado, cuja relação jurídica não é objeto de discussão nestes autos, mas ao atendimento realizado pelo SUS.

Pelo exposto acima, resta claro que a cobrança aos planos de saúde pelo SUS não é inconstitucional ou arbitrária, como faz crer a Apelante, mas, ao contrario, possui base jurídica que permite sua aplicabilidade, conforme vêm decidindo os Tribunais Regionais Federais. Confira-se:

“RESSARCIMENTO AO SUS. ARTIGO 32 DA LEI Nº 9.656/98. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA OS CONVENIADOS E PARA OS NÃO CONVENIADOS. INOCORRÊNCIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. OBRIGAÇÃO LEGAL.

1. A obrigação legal instituída pelo artigo 32 da Lei nº 9.656/98 não afronta o disposto no artigo 196 da Constituição da República, haja vista que não implica em obstar o acesso da população às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

2. A possível discriminação torna-se remota na medida em que se constata que a verificação da qualidade de segurado é feita a posteriori, mediante cruzamento dos dados do atendido e do procedimento realizado com aqueles constantes de banco de dados da ANS.

(…)

5. Agravo ao qual se deu provimento.”

(TRF – 2ª Região, 5ª Turma, AGV nº 2003.02.01.000588-0/RJ, Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira, in DJU 24/09/2003).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO SUS. LEI Nº 9.656/1998. NATUREZA REPARATÓRIA. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.

1. O ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98 possui caráter restituitório, pois visa essencialmente a recuperação de valores antes despendidos pelo Estado na assistência à saúde, de sorte a possibilitar o emprego de tais recursos em favor do próprio sistema de saúde, seja no aprimoramento ou na expansão dos serviços, em consonância aos preceitos e diretrizes traçados nos arts. 196 a 198 da Carta Magna.

2. Tal exigência não se reveste de natureza tributária, porquanto não objetiva a norma em questão a instituição de nova receita a ingressar nos cofres públicos, razão pela qual, mostra-se desnecessária a edição de lei complementar para dispor sobre a matéria, inexistindo, assim, qualquer ofensa aos princípios constitucionais tributários.

(…)

5. Agravo de instrumento desprovido e agravo regimental prejudicado.”

(TRF – 3ª Região, 6ª Turma, AG nº 2004.03.00018493-0/SP, Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida, in DJU 05/11/2004).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RESSARCIMENTO AO SUS.

O ressarcimento ao SUS não tem natureza tributária, mas restituitória.

2. O art. 32 da Lei nº 9.656/98 não viola o art. 196 da Constituição Federal. O ressarcimento não implica discriminação do SUS em relação ao atendimento de pessoas conveniadas a planos de saúde, porque o atendimento a elas é feito sem qualquer ônus para o paciente. Apenas ficou que a cobrança pelo serviço é feita do plano ao qual o paciente é conveniado.

A ANS tem competência legal para administrar os procedimentos relativos ao ressarcimento.”


(TRF – 4ª Região, 3ª Turma, AG nº 2002.04.01.046240-2/SC, Rel. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, in DJU 06/10/2004).

“Administrativo. Planos de Saúde. Obrigatoriedade de Ressarcimento pelos serviços prestados pelo SUS. Caráter Indenizatório. Não constitui fonte de custeio da Previdência Pública o dever das operadoras de plano de saúde ressarcirem ao SUS os serviços prestados aos beneficiários das operadoras. O caráter desse ressarcimento é indenizatório, decorre da regra de princípio que veda o enriquecimento sem causa e existe mesmo antes da Lei 9.656/98, que veio apenas disciplinar a matéria. Recurso improvido.”

(TRF – 5ª Região, 4ª Turma, AC nº 2000.8400012896-1/RN, Rel. Des. Fed. Ricardo César Mandarino Barreto, in DJ 05/11/2004).

Restando suficientes estes argumentos para a manutenção da sentença, não merece acolhimento o apelo.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO aos recurso, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

BENEDITO GONÇALVES

RELATOR

V O T O V E N C I D O:

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO:

Sobre a matéria, mantenho minha posição quanto ao alcance a ser conferido ao art. 32 da Lei nº9.656/98, já externado em diversos feitos de minha Relatoria, em que pese quedar-me vencido no seio da E. Sexta Turma Especializada. Assim, valho-me integralmente dos dizeres constantes de voto vista proferido nos autos da Apelação Cível nº 2001.51.01.000926-9, na sessão de 30 de março de 2005, concluindo pela inexistência de obrigação que imponha à autora – ora apelante – o ressarcimento controvertido, diante da inexistência de comprovado ilícito contratual. Transcrevo parte do referido voto que espelha minha convicção, parcialmente reproduzido a seguir “in verbis”:

“A matéria versada no presente recurso incita profunda reflexão sobre as questões jurídicas aqui postas, pelo que inclinei-me ao pedido de vistas, a fim de um exame mais detalhado. É preciso destacar que o assunto ainda não encontrou pacificação, havendo decisões nas Cortes Regionais em sentido ora favorável, ora desfavorável à tese da autora, ora Apelada. Mesmo no seio desta E. Corte, não há uniformidade de posicionamento. Mencione-se ainda, dada a relevância, que permanece em tramitação no E. Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 1931-8), em que – entre outras – busca-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 32 da Lei nº 9.656/98 – substrato legal para a exigência nesses autos hostilizada, muito embora tenha sido indeferida a liminar pleiteada para suspender a eficácia do aludido preceito legal, em particular.

No exame dos requisitos para a concessão de antecipação de tutela, em diversos julgamentos de agravo de instrumento, perfilhei posição favorável às empresas seguradoras e operadoras de planos de saúde, subscrevendo, em linhas gerais, o posicionamento adotado pelo E. Relator, nos presentes autos, que então compunha os quadros deste E. TRF da 2a Região, o hoje Ministro ARNALDO LIMA, permitindo-me a transcrição do voto proferido no Agravo de Instrumento nº 2003.02.01.005506-7, na sessão de 01 de outubro de 2003:

Insurge-se a Agravante contra a r. decisão que indeferiu pedido de antecipação de tutela, formulado no bojo de ação ordinária, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 32 da Lei nº 9.656/98, que prevê o ressarcimento ao SUS, pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, das despesas relativas aos atendimentos prestados aos seus beneficiários e, em decorrência, declare a nulidade dos débitos havidos sob este título e, além, que a Ré, ora Agravada, se abstenha de inscrever o débito discutido em dívida ativa da União, bem como de inscrever o nome da Agravante em Cadastro de Inadimplentes. O MM. Juiz “a quo” indeferiu o pedido, forte na convicção de não vislumbrar qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no aludido dispositivo.Com relação à matéria já tive oportunidade de me pronunciar, quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2001.02.01.006970-7, na sessão de 06 de maio de 2003, de minha Relatoria. Naquela ocasião, firmei meu convencimento na linha dos argumentos desenvolvidos pelo Agravante, registrando o seguinte “in verbis”: “Entendeu o MM. Juiz “a quo” pela presença dos requisitos autorizadores à concessão de tutela antecipada no presente caso, firme no argumento de que “Se é dever do Estado fornecer assistência médica gratuita à população, na forma do art. 196 da Lei Maior, não há como perquirir que este seja remunerado através do ‘ressarcimento’, por um serviço que tem obrigação de prestar de forma graciosa. É verdade que os hospitais e clínicas particulares são ‘ressarcidos’ pelas operadoras de plano de saúde das despesas pelo atendimento do contratante do plano. No entanto, tal decorre do fato de que esses hospitais e clínicas não possuem obrigação legal de atender a pessoas que os buscam sem contraprestação pecuniária. É exatamente nesse ponto que tais pessoas jurídicas se diferenciam do Estado. Se a rede pública é onerada pelo contratante de plano que não logrou atendimento particular, apesar da cobertura prevista no contrato celebrado, cumpre a Agência Nacional de Saúde, no uso das atribuições que lhe foram cometidas, atuar com as medidas que o poder fiscalizatório lhe confere. Da mesma forma, não se sustenta a alegação de que a recuperação dos valores elidiria o enriquecimento sem causa das operadoras. O valor que estas recebem tem origem contratual e é pago independente da utilização dos serviços. O pagamento não é suspenso por não utilização dos serviços, mas isso não implica dizer que haja enriquecimento sem causa, uma vez que o contrato tem sua contra-prestação calculada de forma atuarial e nele resta presente a ‘aléa’ típica dos contratos de seguro. Por todo o exposto, entendo que tem razão a autora ao asseverar que não tendo a exigência natureza ressarcitória, somente pode ser entendida como tributo, para cuja criação restaram desrespeitados os princípios constitucionais tributários da legalidade e da anterioridade.” – grifei Penso sólidos e jurídicos os argumentos do douto magistrado de primeiro grau, com os quais comungo quanto à verossimilhança da tese veiculada pela autora. É que não me afasto da premissa que o simples fato de um indivíduo ser segurado de plano de saúde privado não afasta a obrigatoriedade do Estado em garantir a sua saúde, dentro da moldura constitucional pátria. Assim, não entendo haver enriquecimento sem causa da operadora do plano de saúde pelo atendimento prestado pela rede pública a seu associado. É que, em suma, a universalidade dos serviços de saúde pública é custeada por toda a sociedade através do sistema tributário nacional. Assim, é verossímel admitir-se que a instituição da exação em apreço violentou os princípios constitucionais tributários da legalidade e anterioridade, mormente quando delega à ANS a fixação dos valores a serem ressarcidos. Por outro lado, a iminência de dano é plausível, uma vez que os valores estão sendo exigidos e o seu inadimplemento acarretará a inscrição em dívida da importância, com as danosas conseqüências daí advindas.”


Inobstante tal entendimento, quedei-me vencido, dando provimento ao recurso os Eminentes Desembargadores Federais FERNANDO MARQUES e JOSÉ ANTÔNIO NEIVA.

É de se salientar que a posição da E. Quarta Turma vem oscilando sobre a matéria, por vezes acolhendo a tese autoral, e – dependendo da composição do eminente colégio votante – posicionando-se de maneira desfavorável às operadores de planos de saúde privado, valendo mencionar os seguintes arestos, cujas ementas dispõem “in verbis”:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. RESSARCIMENTO AO SUS. ART. 32 DA LEI 9.656/98. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

Ausência do requisito de “verossimilhança das alegações”, porquanto o RESSARCIMENTO, de que trata o art. 32 da Lei 9.656/98, visa à utilização de recursos, ônus da operadora, em contraprestação às mensalidades pagas por seus beneficiários, e que acabaram sendo despendidos pelo Estado no atendimento a beneficiários da mesma, para a ampliação da oferta e qualidade de atendimento público, com vistas à universalidade dos serviços, encontrando-se, desse modo, em perfeita sintonia com os princípios constitucionais vigentes.

– Inexistência de violação ao art. 196 da CF/88, vez que nenhum cidadão deixará de ser atendido pela rede pública, por possuir plano de saúde privado, porquanto a relação do Estado com o cidadão não se modifica, lhe sendo sempre garantidos os direitos constitucionais. Em verdade, a relação só se altera quanto à operadora, que passará a restituir ao Poder Público os valores por ele expendidos com o atendimento a seus beneficiários.

A edição de resoluções, visando disciplinar a forma como será feita a arrecadação de valores referentes ao RESSARCIMENTO, decorre do exercício do Poder Regulamentar inerente às atividades da ANS (cf. §1º do art. 32 da Lei 9.656/98), não se caracterizando qualquer violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV).

Não possuindo o RESSARCIMENTO, de que trata o art. 32 da Lei nº 9.656/98, natureza tributária, não lhe são aplicáveis os regramentos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes à matéria.

Afigura-se válida a inscrição no CADIN de empresa que tenha débito para com entidade pública federal, cuja exigibilidade não esteja suspensa, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento preliminar da ADIn nº 1.454-4/DF, que suspendeu tão só a eficácia do art. 7º da MP nº 1.490/96 e suas reedições, instituidoras daquele cadastro.”

(TRF 2a Região – AI nº 2002.02.01.012281-7 – 4a Turma – rel.: Des. Fed. Fernando Marques – DJU 27.06.2003 pg. 331/332)

“Constitucional, Processual Civil e Administrativo. RESSARCIMENTO ao SUS (Lei 9.656/98). Impossibilidade jurídica do pedido. Tutela antecipada. Ordem judicial a impedir inscrição na dívida ativa, inclusão no CADIN e ajuizamento de execução fiscal. – Impossibilidade jurídica do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 32 da Lei 9.656/98 e das Resoluções da ANS, na medida em que no controle difuso de constitucionalidade o exame da compatibilidade entre o ato normativo e a Constituição se faz incidenter tantum, como prejudicial de mérito. Da mesma forma, impossível juridicamente uma ação direta de ilegalidade de Resoluções, atos normativos genéricos. Exclusão desses pedidos, ex officio, por força do §3o do art. 267 do CPC;

II- O requerimento de liminar, no sentido da prolação de ordem judicial a impedir inscrição na dívida ativa, inclusão no CADIN e ajuizamento de execução em face da agravante, se enquadraria como antecipação de efeitos do provimento declaratório de inexigibilidade da obrigação, e não cautelar. Controvérsia superada diante do §7o do art. 273 do CPC, com a redação dada pela Lei 10.444/2002;

III- Ausência de verossimilhança da alegação, na medida em que o RESSARCIMENTO ao SUS tem suporte legal e não afrontaria aparentemente a Constituição;

IV- Não é da essência do RESSARCIMENTO a origem ilícita do ato. Na desapropriação, o Poder Público indeniza em decorrência de ato lícito de império;

V- O RESSARCIMENTO de gastos no sistema público de saúde não se identifica com a instituição de tributos;

VI- A ausência de RESSARCIMENTO justificaria enriquecimento da operadora, que receberia para a prestação do serviço, mas transferiria para a sociedade o custeio do atendimento do segurado pela rede pública. Razoabilidade da lei;

VII-Os critérios para o cálculo são objetivos, tendo como parâmetro os realizados pelo SUS e operadoras;

VIII-Inexistência de violação ao devido processo legal no sistema de impugnação administrativo, não tendo natureza de processo punitivo. Ausência de dados concretos quanto a incorreção na apuração do quantum;

IX- Agravo conhecido e provido parcialmente, apenas para excluir os pedidos formulados nas alíneas “A” e “B”.”

(TRF 2a Região – AI nº 2001.02.01.025548-5 – rel.: Des. Fed. José Antônio Neiva – DJU 12.02.2003 – pg. 219)


Recentemente, o Eminente Desembargador Federal Arnaldo Lima apresentou voto, na sessão de 10 de setembro de 2003, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2003.02.01.005658-8, no sentido de entender plausíveis os argumentos das operadores da saúde, afirmando que “a saúde é direito de todos e dever do Estado. Assim preceitua o caput do art. 196 da CF. Tal norma deixa clara a responsabilidade do Estado pelo sistema de saúde, devendo garanti-lo independentemente da demanda ou da falta de recursos. Normalmente os contratantes de planos de saúde também são segurados obrigatórios da Previdência Social, logo ambos detêm a obrigação de prestar assistência decorrente de dever legal e contratual, previsto em tais dispositivos porque, tratando-se de segurado obrigatório do INSS (Lei nº 8.212/91, art. 12 e segs.) o seu eventual atendimento por entidade integrada ao SUS não ocorre apenas em razão da regra-matriz contida no art. 196 CF, mas, sobretudo, como contra-prestação a ele devida pela Seguridade Social, como de lei. Assim, não é razoável que esta, cumprindo obrigação sua, cobre, regressivamente, do respectivo plano de saúde, tal ressarcimento. Aliás, na acepção jurídica estritamente considerada, sequer é adequado falar em ressarcimento, ante a inexistência do elemento causal a justificá-lo, tendo em vista que o atendimento feito por órgão do SUS o é em cumprimento à obrigação encartada em nossa Seguridade Social, em cujo âmbito se inclui, como não poderia deixar de ser, o atendimento à saúde. Obrigar ao ressarcimento pelas operadoras particulares de planos de saúde é, de forma indireta, obstaculizar o direito de escolha que tem o segurado. Configuraria a própria intervenção do Estado na autonomia de vontade do particular no seu direito de optar.

Acompanhei integralmente tal raciocínio e também o incorporo às minhas razões de decidir, apesar do dissenso do eminente Desembargador Federal Benedito Gonçalves que, nesta ocasião, restou vencido.

Sublinho, ainda, que persiste a controvérsia no seio desta Colenda Corte Regional, havendo precedentes favoráveis às operadores, valendo transcrever os seguintes arestos das demais turmas:

“PROCESSUAL CIVIL . AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ART. 32 DA LEI 9.656/98. RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. .Insurge-se a empresa Agravante contra a decisão de 1º grau que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, nos autos da ação declaratória de nulidade de atos administrativos e nulidade de débito, relativo ao RESSARCIMENTO ao SUS, nos moldes do art. 32, da Lei 9.656/98 ajuizada em face da Agência Nacional de Saúde Suplementar. .aumento de despesas para as empresas privadas será, obviamente, repassado aos beneficiários dos planos de saúde, que, justamente por não poderem contar com o sistema de saúde público, contratam os serviços dos planos privados, representando financiar por via indireta o sistema público de saúde, sem levar em conta, os tributos já pagos para tal. .contratante de plano de saúde privado não tem obrigação de não se utilizar dos serviços de saúde pública, podendo optar por estes se lhe for mais conveniente, sem qualquer ônus adicional, não decorrendo disto, enriquecimento sem causa da empresa contratada, desde que mantenha ela sua conduta nos termos da lei, respeitando o contrato firmado entre as partes. .Provimento ao agravo.”

(TRF 2a Região – AI nº 2002.02.01.038892-1 – 2a Turma – rel.p/ acódão: Des. Fed. Paulo Espírito Santo – DJU 28.07.2003 pg. 94)

“PREVIDENCIÁRIO E CIVIL – RESSARCIMENTO DOS CUSTOS DO SUS – EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – DUPLICIDADE DE ENCARGOS SOCIAIS QUE NÃO SE HÃO DE COMPENSAR.

I – A questão versa a natureza do RESSARCIMENTO decorrente dos serviços de atendimento à saúde previstos nos contratos celebrados com as operadoras de planos de saúde e efetivados em instituições públicas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde.

II – A vinculação previdenciária obrigatória está prevista na Lei nº 8213/91, bem assim no § 6º, do art. 195, da Constituição Federal.

III – Já a vinculação contratual dos chamados planos de saúde, sobre não ter o caráter obrigatório, não se há de confundir com a prestação previdenciária e de saúde, enquanto dever inafastável do Estado, a teor do art. 196 da Constituição Federal.

IV – O dever do Estado em prestar a assistência à saúde, não pode ser suprido ou complementado “compulsoriamente” pela prestadora de plano de saúde complementar e custeado unicamente pelo beneficiário.

V – Não há espaço para que se confundam os serviços complementares de saúde, prestados pelas empresas privadas, e os serviços efetuados a cargo do Sistema Único de Saúde. Até porque, sendo duas e independentes as vinculações ao SUS e às entidades de saúde cooperativas, não se confundem e nem são interdependentes.”

(TRF 2a Região – AMS nº 2002.02.01.019144-0 – 1a Turma – rel.: Des. Fed. Julieta Lídia Lunz – DJU 20.06.2003 – pg. 82/83)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RESSARCIMENTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. ART. 32, LEI Nº 9.656/98. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.

– Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, formulado com visos a impedir a inscrição do débito atinente aos valores de RESSARCIMENTO ao Sistema Único de Saúde (art. 32, da Lei nº 9.656/98) na dívida ativa da agravada, bem assim o lançamento do nome da recorrente no CADIN e o eventual ajuizamento de ação de execução fiscal da quantia discutida.

A Constituição Federal deixa transparecer, de forma cristalina, que todo o sistema de saúde é de responsabilidade do Estado, o qual deve zelar pelo bem-estar da população, sem quaisquer ressalvas.

As atividades desenvolvidas pelas empresas de saúde são consideradas de interesse público, pelo que compete ao Estado tomar as providências cabíveis no sentido de evitar eventuais negligências por parte de tais pessoas jurídicas.


Em se tratando de verdadeira taxa cobrada em razão da utilização dos serviços prestados, o sujeito passivo, ao invés de ser o próprio usuário do sistema, passou a ser a empresa prestadora dos serviços médicos, configurando-se, pois, em flagrante violação constitucional.

Ademais, admitir a exigibilidade da exação derivada do RESSARCIMENTO a ser feito pelas operadoras privadas ao SUS e, cumulativamente, das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários; a receita e o faturamento; e do lucro, constitui evidente afronta ao princípio insculpido no art. 150, II da Constituição Federal.

Reforma da decisão atacada, para impedir que a autarquia recorrida inscreva o nome da agravante no CADIN, bem como a inserção do débito discutido em dívida ativa e conseqüente ajuizamento de execução fiscal.

Agravo de instrumento a que se dá provimento, por maioria.”

(TRF 2a Região – AI nº 2002.02.01.007642-0 – 1a Turma – rel. p/acórdão: Des. Fed. Ricardo Regueira – DJU 13.06.2003 pg. 220)

(…)

ISTO POSTO, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA, REFORMADA A R. DECISÃO RECORRIDA, DEFERIR, EM PARTE, O REQUERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL, PRETENDIDA NO PEDIDO, PARA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO CONTROVERTIDO, BEM COMO A IMPOSIÇÃO DE PENALIDADES PECUNIÁRIAS, ASSEGURANDO A IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO DO DÉBITO CONTROVERTIDO NO CADIN, ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO ORIGINÁRIA EM QUE SE DISCUTE O DÉBITO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO EXECUTIVA, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR-ANS.”

Agora, já avançando no exame do mérito, não logro me afastar dos dizeres acima transcritos. Alinho-me àqueles que sustentam estar a interpretação dada pela ANS ao art. 32 da Lei nº 9.656/98, se afastando da ordem constitucional, sob diversos ângulos. Senão, vejamos.

São profundas, por exemplo, as considerações postas pelo Eminente Desembargador CASTRO AGUIAR, em seu voto – que resultou vencedor – no seio da E. Segunda Turma, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 2001.51.01.016417-2, na sessão de 15 de setembro de 2004, “in verbis”: “Em primeiro plano, o malsinado art. 32 transfere, unilateralmente, à esfera privada o dever constitucional e originário do Estado de prestar, em caráter universal, serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos, como prescrito no art. 196 da Constituição.É evidente que essa transferência de encargos terminará por resultar em aumento desordenado e incontrolável de despesas às operadoras de planos de saúde, recaindo tais aumentos, é claro, sobre os seus contratados, sobre os valores de suas prestações. Dessa forma, chega-se, facilmente, à primeira nefasta realidade: o cidadão, que já não conta com a saúde pública, por ele financiada através do pagamento de tributos, tanto que se sente obrigado a contratar planos privados de saúde, terminará tendo por financiar, por via indireta, através das suas prestações, o próprio sistema público de saúde. Assim, todos os usuários de planos privados de saúde terminarão financiando a saúde pública, ainda que jamais se utilizem dos seus mecanismos. Em verdade, não se pode conceber que as operadoras privadas de tais planos, diretamente, e seus consorciados, indiretamente, passem, com isto, a suprir a deficiência estatal, desconsiderando os tributos que já pagam para isto. Claro que o ressarcimento ao SUS, como determinado pelo citado art. 32, constitui fórmula nova de custeio da saúde, imposta apenas a uma classe de pessoas jurídicas e não de modo igual para toda a sociedade, o que implica violência ao princípio constitucional de isonomia. Não me convence o argumento segundo o qual os planos de saúde, em casos como os dos autos, estariam tendo enriquecimento ilícito, porquanto o pressuposto desse enriquecimento haveria de necessariamente ser a prática de ato ilícito causador de enriquecimento de alguém em detrimento de outrem. Se a agravante age de acordo com a lei, respeitando o contrato firmado com seus associados, não é apropriada a invocação de enriquecimento ilícito ou de enriquecimento sem causa.

Com efeito, ao procurar o SUS, o associado apenas está fazendo uso da faculdade dessa escolha, que não lhe foi contratualmente proibida. Diferentemente, sim, pode haver tal alegação, se o Estado, procurado por alguém, eximir-se de prestar o serviço constitucionalmente a ele atribuído. Observe-se, por oportuno, e isto é muito importante, que o associado de planos de saúde não tem a obrigação de utilizar, exclusivamente, os serviços dos referidos planos, mas a liberdade de utilizá-los. Destarte, se o associado utilizar-se de serviços não credenciados, deverá remunerá-los diretamente, se for a hipótese, e se utilizar-se do SUS, nada pagará, porque assim este funciona.Não é imprestável o argumento de que os recursos das operadoras de planos de saúde não surgem do nada, vindo, como é óbvio, dos seus segurados. E é claro que o aumento de custo, imputado às operadoras, mesmo por lei, resultará, mais cedo ou mais tarde, infalivelmente, em aumento das prestações de seus conveniados, impingindo-se-lhes a obrigatoriedade de novo pagamento, para subsidiar o próprio sistema público de saúde.Mas o pior não é isto. Outros argumentos, igualmente inarredáveis, podem ser alinhados.Não estaria, por exemplo, a operadora de planos de saúde obrigada a prestar atendimento fora da área de abrangência geográfica do contrato firmado. Assim, se o atendimento foi prestado em outra cidade, não prevendo o contrato com o associado qualquer cobertura naquela localidade, constitui absurdo a imposição de ressarcimento, por serviços prestados fora da área de abrangência contratualmente estabelecida com o associado.

Também há de levar-se em consideração a existência ou não, nos procedimentos realizados, de cobertura contratual. Se o contrato exclui de cobertura determinada doença, possibilitando ao associado o pagamento de contraprestação mais baixa, pois quanto maior for a cobertura, maior será o valor da contraprestação, claro que a operadora não poderia ser obrigada a ressarcir o SUS, nos casos não abrangidos pela cobertura contratual. Diga-se o mesmo quanto a atendimentos prestados em hospitais privados, nas hipóteses de inexistência de emergência ou urgência, sem a devida cobertura. Outro ponto sobre o qual não se pode descuidar diz respeito aos contratos já firmados, antes da vigência da Lei nº 9.656/98. No seu art. 35, ficou estabelecido que seus dispositivos não se aplicariam aos contratos firmados antes da sua entrada em vigor. Assim, a referida lei haveria de irradiar seus efeitos para o futuro, não para os contratos já existentes, pelo que, com maior razão, não poderia o SUS pretender ressarcimento de despesas, quanto a contratos firmados antes da vigência do citado diploma legal. Por outro prisma, a operadora de planos de saúde não poderá ser compelida a ressarcir o SUS por valor superior ao que pratica em sua própria rede ou pela rede credenciada. Aliás, isto decorre do disposto no § 8º do art. 32 da Lei nº 9.656/98. E não poderia ser diferente. Sucede que a Agência Nacional de Saúde Suplementar pretende exigir o ressarcimento, através de valor por ela mesma estipulado, por meio de Tabela Nacional de Procedimentos – TUNEP, que possui valores mais altos do que os praticados pela operadora. Ora,os hospitais e prestadores de serviços recebem pela tabela do SUS, gastam pela tabela do SUS, mas a Agência ré pretende que o ressarcimento seja feito por meio da tabela TUNEP. Se a ré não pretende ser ressarcida pela tabela do SUS, seria de extremo bom senso que usasse os preços praticados pela própria operadora de planos de saúde.”


Também, a E. Sexta Turma já se posicionara favoravelmente à tese das operadoras de planos de saúde, valendo mencionar v. acórdão unânime, proferido em 01 de outubro de 2003, cujo voto condutor, da lavra do E. Desembargador Federal SÉRGIO SCHWAITZER, assim dispõe: (…)

Ainda no que tange ao posicionamento dos Tribunais sobre a matéria, registro que a Egrégia Primeira Região suscitou argüição de inconstitucionalidade, afetando a deliberação da matéria ao seu Emérito Órgão Especial – ainda em andamento – em v. acórdão unânime, proferido nos autos da AMS nº 2000.38000345720, publicado em 10.05.2004, cuja ementa restou assim vazada: “ATENDIMENTO FEITO POR HOSPITAL CONVENIADO AO SUS DE PESSOA QUE PAGA PLANO DE SAÚDE PRIVADO. RESSARCIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 32 DA LEI 9.656/98. Por não se enquadrar o ressarcimento previsto no artigo 32, da Lei nº 9.656/98, em nenhuma das espécies tributárias previstas na Constituição, tratando-se de exação pecuniária compulsória exigida do particular em favor do Estado e das instituições conveniadas ao SUS (art. 3º), deve tal obrigação ter como pressuposto uma causa válida, razoável, compatível com a Constituição, sob pena de ofender o devido processo legal substantivo, e subverter todos os princípios que existem no sistema tributário para proteção do contribuinte (CF, art. 5º, LV). Não é causa válida para justificar a obrigação legal de ressarcimento o objetivo de transferir, em caráter imediato para o plano ou seguro de saúde, e mediato para seus clientes, o dever constitucionalmente atribuído ao Estado de assegurar a todos o direito à saúde, garantindo o ‘acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (CF, art. 196) Argüição de inconstitucionalidade do art. 32, da Lei nº 9.656/98, perante a Corte Especial.

(TRF 1a Região – AMS nº 200038000345720 – 6a Turma – rel. Des. Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues – DJU 10.05.2004)

(….)

Não afirmo, entretanto, desde logo a inconstitucionalidade do aludido dispositivo legal, pelo que deixo de submeter o presente ao Emérito Órgão Especial, consoante determina o art. 97 da Constituição Federal. De verdade, faço um esforço de exegese no sentido de conferir ao aludido dispositivo legal interpretação em consonância com nossa ordem constitucional. É mister extrair da norma a razoabilidade compatível com os princípios constitucionais, analisados sob um enfoque sistêmico, em consonância com o moderno conceito de contrato.

Ora, na linha das manifestações supra, não vislumbro como responsabilizar, de antemão, as empresas seguradoras e operadoras de plano de saúde por ressarcimento aquilo que não se negou a oferecer a seus associados. Como salientado nas argumentações anteriormente transcritas, não há como se perquirir sobre a motivação íntima que leva determinado associado a buscar a rede vinculada ao SUS e não os serviços por ele contratados.

Assim, na inexistência de qualquer ilícito contratual, inviável se exigir das empresas a restituição daquilo a que não deram causa. Ademais, a operadora não tem como compelir o seu associado a não fazer uso do SUS, tampouco a desconsiderar o custo dos ressarcimentos em seus cálculos atuariais. À toda evidência, não se pode cogitar que pudesse uma operadora de planos de saúde embutir cláusula em seus contratos vedando aos associados o acesso à rede conveniada do SUS, porquanto estar-se-ia a vedar o acesso do cidadão ao próprio suporte de saúde do Estado, restringindo seu direito de escolha e sua própria liberdade. A se admitir tal absurda hipótese – e não o faço – estaria resguardada a empresa quanto aos efeitos do malsinado art. 32 da Lei nº 9.656/98.

Como então se compatibilizar o disposto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, sem que tal represente uma prestação compulsória desvinculada da razoabilidade ? De verdade, a possível interpretação a ser dada ao artigo vincula-se necessariamente a inserção da prestação de serviços oferecidos pelas empresas seguradoras e operadoras de planos de saúde no conceito de “função social do contrato” – conceito de sede constitucional que veio positivado no Novo Código Civil. Assim, reza o art. 421: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Em artigo intitulado “O Novo Código Civil e as cláusulas gerais: exame da função social do contrato”, publicado na Revista Forense, vol. 364, Dez. 2002, EDUARDO SENS DOS SANTOS assinala, à pg. 96/97: “(…) Não resta dúvida que a função social do contrato está intimamente ligada àqueles princípios já examinados anteriormente, principalmente aos princípios da autonomia privada, da boa-fé e do equilíbrio contratual (justiça contratual). Essa relação entre os princípios básicos, como ensina Fernando Noronha, deve guardar certa harmonia. Há que investigar, no caso concreto, se a liberdade, como causadora de iniqüidades, deve cessar em detrimento do equilíbrio contratual – ‘o problema (….) estará na determinação do ponto em que a liberdade e a justiça se equilibram’. É possível, também, evidenciar que o contrato e, em âmbito mais geral, os negócios jurídicos valem juridicamente não porque as partes o quiseram, mas porque interessa à sociedade que sejam observados, ante a imprescindibilidade da proteção das expectativas criadas pelas declarações de vontade (princípio da boa-fé) (…) A função social do contrato tem, nesse sentido, justamente por ser ‘social’, o claro objetivo de garantir o equilíbrio dos pactos, equilíbrio esse que, como já se examinou anteriormente, deve ser determinado objetivamente. Vale dizer, não pode haver vício de consentimento ou onerosidade excessiva as prestações das partes devem ser, em termos objetivos, equivalentes.

E isso há sempre que ser realizado com vista a um princípio maior que é o da justiça geral. Para a noção de função social do contrato também concorre, pois, o conceito de equilíbrio contratual. (…)

Conforme acentuado quando se tratou do princípio da relatividade dos efeitos, o contrato não pode mais ser entendido como mera relação individual. É preciso atentar para seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a eq6uidade das relações negociais em nada se aproxima da idéia de função social – uma função pela sociedade – quando for dever dos contratantes atentar para as exigências do bem comum, parao bem geral. Acima do interesse em que o contrato seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há o interesse de que o contrato seja socialmente benéfico, ou, pelo menos, que não traga prejuízos à sociedade – em suma que o contrato seja socialmente justo. (…)” – grifei


Penso que somente quando o contrato, firmado entre as partes, deixar de cumprir sua função social e, portanto, onerar o Estado – em virtude do ilícito – há espaço para o ressarcimento em questão. Neste momento, o ilícito contratual interessa não somente as partes contratantes envolvidas, mas todo a sociedade. E isto porque este inadimplemento gerou desequilíbrio no sistema. Sob este prisma, penso que há sobeja razoabilidade e proporcionalidade para a exigência contida no art. 32 da referida Lei, afigurando-se perfeitamente compatível com a ordem constitucional.

Ou seja, no momento em que o associado valeu-se da rede pública, porque não pôde ser atendido pelo seu plano de saúde, houve repercussão nociva ao equilíbrio do sistema de saúde do Estado. Neste caso, o inadimplemento contratual afetou terceiro estranho à relação contratual – o próprio Estado. Não há qualquer vinculação entre a reparação a que fará jus o particular, associado, relativamente ao inadimplemento, a ser buscado nas vias próprias. Mas, penso que deve o Estado ser ressarcido – em função do reflexo causado pelo ilícito contratual perpetrado. Embora tenha o dever constitucional de proteger o cidadão, nos moldes do art. 196 da CF, o ressarcimento apresenta-se justo, até como inibidor da prática do ilícito e com o efeito reparador ao sistema de saúde.

Note-se, por fim, que a agência reguladora – Agência Nacional de Saúde – tem mecanismos suficientes, bem como recursos advindos da Taxa de Saúde Suplementar, para efetivar o controle e atuar no momento em que identificar a hipótese de que tratamos.

Em suma, penso ser possível a compatibilização do aludido preceito à ordem constitucional, nas hipóteses aludidas. Mas, este não é o caso dos autos, em que não há qualquer prova do inadimplemento, sequer cogitado. Divorciado desta premissa – vale dizer, a existência do inadimplemento – não há como se exigir o ressarcimento em questão, no presente caso.

No caso dos autos, o E. Relator trilhou o caminho de que o ressarcimento em foco encontra sede legal na noção do enriquecimento sem causa das operadoras do plano de saúde. Conforme o amplamente demonstrado anteriormente, me afasto desta linha se não houver qualquer distinção de hipóteses. Vale dizer, somente admito a existência do enriquecimento sem causa na presença do inadimplemento contratual, o que não o faz o E. Relator.

Isto posto, ousando divergir do E. Relator, voto pelo provimento do apelo para, reformando a r. sentença, julgar procedente o pedido, declarando a inexistência de relação jurídica que obrigue o ressarcimento ao SUS, nos moldes do art. 32 da Lei nº 9.656/98, relativamente aos débitos objeto do presente feito. Fixo, ainda, os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente corrigidos.”

Isto posto, divergindo do e. Relator, com a devia vênia, dou provimento ao apelo autoral para, reformando a r. sentença, julgar procedente o pedido, declarando a inexistência de relação jurídica que obrigue o ressarcimento ao SUS, nos moldes do art. 32 da Lei nº 9.656/98, relativamente aos débitos objeto do presente feito. Fixo, ainda, os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente corrigidos.

É como voto.

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2005.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE PRIVADOS. ART. 32 DA LEI Nº 9.656/98. CARÁTER INDENIZATÓRIO.

Quando os usuários de plano de saúde são atendidos em estabelecimentos hospitalares com financiamento público, a operadora tem o dever legal de indenizar o Erário pelos valores despendidos com os seus consumidores, sendo certo que o ressarcimento de que trata a Lei nº 9.656/98 é devido dentro dos limites de cobertura contratados, e visa, além da restituição dos gastos efetuados, impedir o enriquecimento da empresa privada às custas da prestação pública de saúde.

Não procede a alegação de que o instituto do ressarcimento interfere indevidamente na iniciativa privada, violando o artigo 199 da Carta Política. Da mesma forma, não implica qualquer redução no dever do Estado de assegurar a todos o direito à saúde, garantindo o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, conforme exigido pela Constituição (art. 196). Nem acarreta a alegada discriminação de usuários de planos de saúde perante os serviços efetuados pelo SUS. Visa apenas indenizar o Poder Público pelos custos desses serviços não prestados pela operadora privada, mas cobertos pelos contratos e pagos pelo consumidor. Note-se, que a relação jurídica criada pela lei em comento opera-se entre Estado e pessoa jurídica de direito privado, não alcançando a esfera jurídica da pessoa física beneficiária do plano contratado, que continua exercendo seu direito ao atendimento publico no âmbito do SUS.

O procedimento administrativo instituído para o ressarcimento obedece aos ditames da Carta Política de 1988, assegurando às operadoras o direito de ampla defesa e do contraditório, uma vez que a cobrança somente é efetuada após a apreciação definitiva dos recursos apresentados, onde o interessado pode impugnar os valores cobrados e o suposto atendimento pela rede pública de saúde, sendo certo que as resoluções editadas posteriormente pela ANS observaram os aludidos princípios, revelando-se perfeitamente adequado a tal finalidade.

A aprovação da Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP é resultado de um processo participativo, discutida no âmbito do Conselho de Saúde Complementar, de que participam os gestores responsáveis pelo processamento do ressarcimento, os representantes das operadoras e das unidades prestadoras de serviço integrantes do Sistema Único de Saúde (Resolução CONSU nº 23/1999), restando desarrazoada, dessa forma, a alegação de que de a tabela contem “valores completamente irreais”, e de que não fora cumprido o disposto no §5º do art. 32 da Lei nº 9.656/98.

Afastada a alegação de que a instituição dessa modalidade de ressarcimento estaria a exigir lei complementar, nos termos do art. 195, §4º. Conforme já decidiu o STF na ADIn 1.931-8/DF, em sede cautelar, “como resulta claro e expresso na norma, não impõe ela a criação de nenhum tributo, mas exige que o agente do plano restitua à Administração pública os gastos efetuados pelos consumidores com que lhe cumpre executar”. Outrossim, não merece acolhida a alegação de ofensa à irretroatividade, eis que os documentos colacionados à inicial dão conta de que os Avisos de Beneficiários Identificados (ABI) referem-se a fatos ocorridos posteriormente à Lei nº 9.656/98, além do que, a cobrança do ressarcimento não está vinculada ao contrato firmado entre a operadora de plano de saúde e o segurado, cuja relação jurídica não é objeto de discussão nestes autos, mas ao atendimento realizado aos beneficiários.

Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2005 (data do julgamento).

BENEDITO GONÇALVES

Relator

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