Fantasia eleitoral

Serra gastou menos do que Lula na campanha eleitoral

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17 de agosto de 2005, 13h29

Lembra-se da última campanha eleitoral para presidente? Quais as campanhas que mais chamaram a atenção? A de Lula da Silva e a de José Serra, não por acaso os candidatos com mais tempo na televisão e não por acaso os dois que passaram para o segundo turno. As duas campanhas, comandadas por duas das mais brilhantes estrelas da publicidade brasileira, se parecem até nos gastos declarados à Justiça Eleitoral. Ao TSE, Lula disse ter gasto R$ 39,3 milhões. Serra declarou despesas de R$ 34,7 milhões. Entre os dois uma diferença de R$ 4,6 milhões em favor da campanha de Lula. Seria muito interessante, se fosse verdade.

Ainda no campo das verdades declaradas uma comparação causa espanto. Nas contas oficiais de Lula consta que seu marqueteiro, Duda Mendonça, recebeu exatos R$ 7.085.000, contabilizados em nome da CEP — Comunicação e Estratégia Política Ltda. Já na declaração de gastos do PSDB está escrito que o responsável pela propaganda tucana, Nizan Guanaes, recebeu R$ 1.200.000, em nome de sua agência África São Paulo Publicidade.

Causa estranheza que duas celebridades da publicidade e do marketing político brasileiro tão semelhantes em talento e até no local de nascimento — ambos são baianos — possam cobrar preços tão dessemelhantes. A estranheza aumenta quando se sabe que os R$ 7 milhões declarados como pagamentos feitos a Duda não passam de uma ficção. Conforme o próprio Duda afirmou em um surto de sinceridade à CPI dos Correios, onde está escrito R$ 7 milhões deve-se ler R$ 25 milhões.

Diante disso fica a dúvida: se os números contabilizados parecem tender para um paralelo entre as duas campanhas, será que os “gastos de campanha não contabilizados”, para utilizar o eufemismo criado por Delúbio Soares, o responsável pelas campanhas arrecadatórias do PT, também não tenderiam para a igualdade?

Pessoas com experiência em campanhas eleitorais são unânimes em afirmar que a contabilidade que os partidos são obrigados por força de lei a apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral não refletem nem a sombra da verdade. “Cada 1 real declarado ao TSE corresponde a 10 reais efetivamente gastos”, garante um tesoureiro de campanha com longa estrada em eleições estaduais.

Uma campanha presidencial de R$ 40 milhões? Ninguém que tenha alguma noção do que seja uma campanha política leva a sério uma cifra desta natureza. “Pode colocar um zero a mais no número sem a menor chance de erro”, diz um marqueteiro com mais de uma dezena de campanhas nas costas.

Marqueteiros com experiência em campanhas nacionais concordam. Um deles, que nas duas últimas eleições elegeu um governador e um prefeito em diferentes estados da federação, confirma que Caixa 2 é uma exigência para quem se arrisca neste mercado de trabalho onde correm rios de dinheiro em espécie. “Na última campanha, só depois de muita insistência consegui receber mediante nota fiscal metade do meu contrato”, diz ele.

Foi mais ou menos o que afirmou Duda Mendonça em seu depoimento à CPI: se quisesse receber a forma era aquela, sem lenço nem documento. Marcos Valério afirmou algo semelhante, mas no seu caso a sinceridade valeu-lhe toda a indignação da Abap, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade, que promete desfiliar as duas agências do careca mais famoso do Brasil.

Ficção contábil

O dispositivo legal que obriga os partidos políticos a prestar contas de seus gastos de campanha ao Tribunal Superior Eleitoral é a mais acabada prova de que nem todas as melhores leis do mundo são suficientes para evitar que o crime continue sendo praticado à larga.

Como termo de referência, a campanha que elegeu o governador do estado onde atua nosso tesoureiro, no mesmo ano em que Lula e Serra duelaram pela Presidência, custou R$ 44 milhões. Não adianta procurar nas páginas do TSE alguma prestação de contas de governador com este valor declarado. O tesoureiro seguiu a regra que ele prega: declarou gastos de R$ 4,5 milhões.

Uma simples passada de olhos pelas prestações de contas apresentadas ao TSE nas últimas campanhas mostra que os números, neste caso, estão mentindo. Por exemplo. Nas eleições para governador de 2002, as duas campanhas mais caras correram por conta de Geraldo Alckmin em São Paulo (R$ 12,4 milhões), e Aécio Neves, em Minas Gerais (R$ 11,8 milhões). A terceira campanha para governador mais cara foi a de Paulo Maluf em São Paulo (R$ 7 milhões).

Mas com todo respeito por Vossa Excelência, como costuma dizer Marcos Valério antes de discordar de seus inquisidores em qualquer CPI em que se apresente, dá para acreditar que Rosinha Matheus em sua campanha ao governo do Rio de Janeiro tenha gastado apenas R$ 3,5 milhões — quase a metade dos gastos de Germano Rigotto para virar governador do Rio Grande do Sul (R$ 6,6 milhões) ou Paulo Souto na Bahia (R$ 6 milhões)?

As prestações de contas das eleições municipais reservam pela menos uma grande surpresa — ou suspeita. É que o PSDB gastou mais dinheiro para eleger José Serra prefeito da capital do que para eleger Alckmin governador do estado. Sempre se pode imaginar que uma campanha estadual exige uma infra-estrutura muito maior e mais cara do que uma campanha municipal. O PSDB paulista está provando o contrário. Para isto, conta com a inestimável colaboração de Marta Suplicy, do PT, que fez a mais cara campanha a prefeito já conhecida na história política brasileira: R$ 17,6 milhões. Obviamente estamos falando só de gastos contabilizados.

Fora da lei

Pelas ilações do tesoureiro de campanha ouvido, que são avalisadas por outros três marqueteiros, os gastos de campanha de Lula e Serra estariam muito mais próximos dos R$ 400 milhões do que dos declarados R$ 40 milhões. Um exercício de simulação de como se gasta dinheiro para se fazer um presidente da República demonstra isso.

Por exemplo, como faz o candidato para levar suas tão patrióticas propostas e sua despretensiosa presença aos quatro cantos deste país continental? Claro, só de avião. Ou melhor, de aviões. Uma campanha presidencial não decola se não puder contar durante 90 dias com pelo menos três jatinhos — um para o presidente e primeiro escalão, outro para a segurança e logística e o terceiro para a televisão e comunicação. Considerando média de 3 horas de vôo por dia e um custo básico de US$ 5 mil por hora voada temos um custo total de R$ 13 milhões durante a campanha (tomando a cotação do dólar na época da eleição presidencial avaliada por baixo em R$ 3,20).

Outro item que faz uma campanha avançar é pessoal. Uma campanha sem gente nas ruas está fadada ao fracasso. O PT se gaba de contar com a força de 800 mil militantes voluntários, dispostos a dar a vida para conquistar um voto para eleger o companheiro. Se gabava, melhor dizendo. Mas mesmo que se admita que os militantes faziam campanha por amor à estrela do partido, este exercito multitudinário tem um custo nada modesto na campanha.

Para fazer campanha, esta multidão de gente bem intencionada recebe o chamado kit eleição: uma camiseta, um boné e material impresso para distribuir. Um kit destes, por mais modesto, não custa menos de US$ 10 (R$ 32 na cotação estimada para o segundo semestre de 2002). Custo desta operação, sem contar o lanche que o pessoal come para se manter vivo enquanto agita bandeiras na esquina: R$ 25 milhões.

Não se trata de um vôo de imaginação. Na campanha de Fernando Collor em 1989, os marqueteiros que o levaram à vitória mobilizaram 1 milhão de cabos eleitorais para fazer boca de urna no dia da eleição, a um custo semelhante ao descrito acima.

Claro, nesta conta da mão de obra eleitoral não entram as equipes de comunicação, marqueteiros, seguranças, especialistas em logística e… advogados. “A assessoria jurídica é outro ponto fundamental e de alto custo numa campanha”, diz o especialista em campanhas.

Assim como um bom marqueteiro não cobra menos de 5, um bom escritório de advocacia não sobe em palanque por menos de 2. A unidade é milhões de reais, evidentemente. Na declaração de gastos a unidade é o milhar mesmo. A campanha de Lula declarou pagamentos de R$ 104 mil a três escritórios: Scholz e Scholz; Toffoli e Telesca; Chiaparini e Bastos. Já a de Serra apresentou comprovantes de pagamentos no valor total de R$ 350 mil ao Alckmin Advogados e ao Malheiros, Penteado e Toledo.

Outro produto sem o qual não se viabiliza uma candidatura é papel. Do santinho com a foto do candidato ao outdoor nas avenidas de todas as cidades, há uma infinidade de peças feitas em papel. Mesmo em tempos de urna eletrônica e voto digital, uma campanha à presidência consome algo em torno de 5 mil toneladas de papel. O custo dessa montanha de celulose: R$ 10 milhões.

Só os gastos com aviões particulares, com pessoal e com papel, demonstrados acima, chegam a um total de R$ 48 milhões, mais do que qualquer candidato já declarou ter gasto em campanhas. Mas uma campanha não se faz só com avião, gente e papel. Televisão, como demonstrou Duda Mendonça, é outro sorvedouro de recursos de campanha. Outro item custoso são os comícios. Ou showmícios, que eleitor não é besta de ir para a praça pública escutar promessa de político.

Na prestação de contas de Lula estão declarados R$ 461 mil à Agropecuária Camargo Produções Artísticas, que vem a ser a empresa de Zezé di Camargo e Luciano. Depois de toda a confusão do mensalão e do valerioduto a dupla já anunciou que não pisa mais em palanque. É bem verdade que, com o que Lula declarou ter pago eles, não dava para pagar meia dúzia de shows da dupla, o que não chega a ser propriamente uma campanha.

Por estas e outras, os especialistas em campanha abrem um sorriso de incredulidade quando ouvem falar de mudanças na legislação eleitoral ou nas regras de campanha. Mesmo porque, não é por falta de leis que as campanhas são como são. Da mocinha que agita bandeira na esquina ao candidato a presidente da República que empolga multidões nos palanques e no vídeo, todo mundo sabe que quase tudo que acontece numa campanha, pelo menos em termos de dinheiro, está fora da lei.

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