Enriquecimento fácil

Mero aborrecimento vira indenização na indústria do dano

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17 de agosto de 2005, 11h55

Sem dúvida, é de conhecimento de todos os que militam na Justiça Brasileira, seja em quaisquer das carreiras jurídicas, e ainda, de grande parte da população em geral, da avalanche de interposições de contendas de indenização por dano moral de toda sorte.

É louvável mencionar que a grande maioria das ações desta natureza são fundadas em algum tipo de desrespeito cometido contra o cidadão, que lhe gerou dano de ordem psíquica. Todavia, por meio da prática vivida por nós advogados militantes no dia-a-dia de processos e pela divulgação destes casos pela imprensa, percebemos que algumas destas demandas são propostas com base em meros aborrecimentos vividos pelo consumidor, a grande maioria destas por motivos irrelevantes, sendo que estes poderiam ser resolvidos com uma simples conversa.

A divulgação por determinados segmentos sensacionalistas da falsa cultura de que todo e qualquer embaraço, aborrecimento ou dissabor, que seja vivenciado pelos consumidores será indenizável às barras da Justiça, e em cifras bastante elevadas, é bastante prejudicial, pois cria uma expectativa de um direito que concretamente não existe!

É preciso que seja esclarecido a toda população que, ao mesmo tempo em que ela possui direitos e deveres, estes respaldados pelo Código de Defesa do Consumidor, todas as empresas, aí inclusas as instituições financeiras, também são merecedoras de proteção contra certas atitudes irresponsáveis cometidas por pessoas que tentam utilizar-se do Judiciário visando única e tão somente o enriquecimento fácil e ilícito.

As recentes publicações jornalísticas em periódicos importantes, tanto do estado de Goiás em que militamos com mais freqüência, como em matérias veiculadas nacionalmente por jornais consagrados, onde magistrados opinam textualmente que “a moda agora são indenizações por dano moral”, ou ainda de que “o número de processos de indenização por danos morais cresceu tanto que são chamados de ‘batatas fritas’, pois vêem como acompanhamento de ações na Justiça”, é uma triste e cruel conclusão, porém, por demais sensata e autêntica nos tempos hodiernos.

Apenas para exemplificar o que estamos dizendo, vimos com pesar a divulgação do ajuizamento de uma ação de indenização por danos morais ainda em curso no estado do Rio de Janeiro, onde uma criança de 9 meses, devidamente representada por seu genitor, pleiteia na Justiça o recebimento de indenização por dano moral, em razão do atraso do seu vôo à Companhia Aérea responsável. O pai da criança alega em Juízo que, em virtude do dito atraso, seu filho “não pôde dormir na hora de costume e chorou muito”.

Ora, é de se indagar inicialmente o quão magoado se sentiu esta criança, consignando seu depoimento, por exemplo, para se tentar aferir o abalo moral que lhe consome, como se isto fosse possível, obviamente. Seria risível, senão fosse trágico.

Desta forma, diante de exemplos tão sui generis como esse, não podemos deixar que a grandeza e importância deste instituto jurídico, respaldado pelo artigo 5º, incisos V e X da Constituição Pátria, deságüe em indevido descrédito por parte de todos, precipuamente pelo Poder Judiciário e Mídia, advindos dos vários informes de interposição de ações de indenização por dano moral fundamentadas que são em razões pífias, insignificantes e que não se coadunam com o cerne destas ações.

Assim, repita-se, ninguém discute o imenso valor que esta norma jurídica representa no intuito precípuo de salvaguardar direitos primordiais e intrínsecos de todos os cidadãos. No entanto, o que se requer e necessita com extrema urgência é coibir a materialização de um abuso incomensurável na propositura de tais ações como a dantes citada, pois, em um futuro que já se avizinha, os únicos prejudicados, uma vez mais, serão as pessoas que em verdade forem vilipendiadas no seu íntimo e não mais poderão requerer reparação pecuniária, face ao desdém que a Justiça poderá apregoar ao chamado Dano Moral.

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