Tratado internacional

Brasileiro que trabalha nos EUA escolhe onde ajuizar ação

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17 de agosto de 2005, 10h13

Brasileiro contratado por empresa nacional para prestar serviços no exterior pode escolher onde ajuizar processo trabalhista: na Justiça do Trabalho do Brasil ou no Judiciário do país onde atuava. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Os juízes da 3ª Turma do TRT paulista também decidiram que, na apuração dos direitos do empregado, deve ser aplicada a legislação do país estrangeiro, conforme o Código Bustamante — Convenção de Direito Internacional privado assinada pelo Brasil.

Em 2003, um ex-empregado da TAM Linhas Aéreas entrou com processo na 56ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo verbas referentes ao período em que prestou serviço à empresa em Miami (EUA), de 1998 a 2000.

A TAM alegou a prescrição do pedido, pois ultrapassou o prazo de dois anos para ajuizamento de processo após a rescisão do contrato de trabalho. Além disso, sustentou que o trabalhador deveria ter entrado com o processo na Justiça norte-americana. A primeira instância acolheu a tese da prescrição, sem julgamento de mérito.

O ex-empregado recorreu com o argumento de que nunca teve relação trabalhista com a TAM no Brasil, que a 56ª Vara “aplicou, incorretamente, a prescrição bienal prevista no ordenamento jurídico brasileiro” e que a empresa aérea “não comprovou a prescrição com base na lei estrangeira”.

A juíza Mércia Tomazinho, relatora do recurso no TRT paulista, esclareceu que o artigo 198 do Código de Bustamante dispõe ser “territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social ao trabalhador”.

Para a juíza, “a Consolidação das Leis do Trabalho também é expressa quando dispõe no artigo 651, parágrafo 2º, que a competência das Varas do Trabalho ‘estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário’”.

Segundo a decisão, “definido que a competência para o julgamento do caso pode ser ou da justiça americana ou da justiça brasileira, por se tratar de nacional o demandante, e, considerando que o autor entende ter acostado aos autos as normas relativas aos direitos que pretende ver apreciados nesta Justiça, competiria à ré, ao aduzir a prescrição bienal — tema genuinamente de direito material —, também trazer aos autos a disciplina de tal instituto na lei alienígena, encargo do qual não se desincumbiu”, concluiu a juíza.

A decisão foi unânime. A 3ª Turma do TRT de São Paulo afastou a prescrição e determinou que o processo retorne à 56ª Vara para julgamento dos pedidos do ex-empregado da TAM.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT Nº 00158.2003.056.02.00-4

RECURSO ORDINÁRIO DA 56ª VT DE SÃO PAULO

RECORRENTE: CARLOS ALBERTO DA SILVA

RECORRIDO: TAM – LINHAS AÉREAS S.A.

EMENTA. CONFLITO DE LEI NO ESPAÇO. CLT. LICC. CÓDIGO DE BUSTAMANTE. Ao empregado brasileiro, residente nos Estados Unidos da América, tendo sido contratado e prestado serviços no território alienígena, cuja empresa também tem sede neste território nacional, é conferida a faculdade de ajuizar sua demanda naquele ou neste País, pois a competência está fixada em norma especial, a consolidada, art. 651, § 2º, e também na geral, LICC, art. 9º, além de prevista no Código de Bustamante, sendo-lhe, contudo aplicada a lex loci executionis, que deve ser provada pelas partes, inclusive no que se refere ao prazo prescricional do direito perseguido.

Da r. sentença de fl. 247, cujo relatório adoto, que julgou improcedente o pedido, decidindo pela extinção do feito com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, IV do CPC, recorre o reclamante, consoante as razões de fls. 303/310, pretendendo a reforma da r. sentença ao argumento de que nunca teve relação trabalhista com o Brasil e que o Juízo a quo aplicou, incorretamente, a prescrição bienal prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Aduz que a ré não comprovou a prescrição com base na lei estrangeira.

Recurso tempestivo e subscrito por procurador legitimado à fl. 11.

Contra-razões às fls. 312/319.

Parecer da D. Procuradoria Regional do Trabalho à fl. 320, opinando pela ausência de interesse público a justificar a sua intervenção.

Petição da ré juntando instrumento de procuração e de substabelecimento, bem como ata de assembléia geral, fls. 322/329.

É o relatório.

V O T O

1. Juízo de admissibilidade

Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

3. Mérito

Da prescrição aplicável ao caso

Antes de adentrar ao mérito, impõe-se proceder à retificação do nome da recorrida, como requerido à fl. 251. Providencie a Secretaria.

Já na petição inicial o autor, ao aduzir suas pretensões, fê-lo com base na legislação alienígena. Descreve a preambular que o recorrente residente na cidade de Miami, estado da Flórida, nos Estados Unidos da América, prestou serviços à ré, no período de 1º.07.1998 a 30.07.2000, tendo sido lá contratado.

A reclamada, por sua vez, alegou, preliminarmente, a prescrição bienal, apontando, ainda, exceção de incompetência em razão do lugar, fls. 250/256, juntando documentos vários – preenchidos pelo próprio empregado – que noticiam sua ida para Miami em julho de 1994 e, portanto, que já morava naquele território antes de sua contratação pela TAM, tendo, inclusive prestado serviços a outras empresas, fls. 274/289, não negando, a empresa, os fatos articulados na peça de estréia. Portanto, é incontroverso que o autor, brasileiro, residente nos Estados Unidos da América há alguns anos, em 1998 fora contratado lá para também lá prestar seus serviços.

Diante do quadro apresentado, conclui-se pela razão do recorrente.

É que a lei brasileira, a CLT, no caso, é expressa quando dispõe no art. 651, § 2º:

“A competência das Varas do trabalho, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.”

A simples literalidade do texto consolidado, por si, já define a competência, sobrepondo-se à Lei de Introdução ao Código Civil, sobretudo, por se tratar, aquela, de lei especial e esta, genérica, que dispõe em seu artigo 9º:

“Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

Assim, ainda que se definam os preceitos contidos na LICC como normas de sobredireito, a aplicação seria a da lei alienígena.

Não bastasse referidos diplomas, em 1929, antes mesmo da edição do Decreto-lei 4.657, de 04.09.42 (LICC) o ordenamento jurídico brasileiro, através do Decreto 18.871, recepcionou as regras do Código de Bustamante, ao ratificar o Tratado de Havana, seguindo-o na fixação de suas regras. Pondere-se, por oportuno, que o Código Civil de 1916 permitia escolher a lei a ser aplicada, o que mudou, justamente em 1942, com a edição da LICC recepcionando as regras do Código de Bustamante, cujo artigo 198 assim dispõe:

“é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social ao trabalhador” (transcrição feita de Francisco Gérson Marques de Lima, Lei de Introdução ao Código Civil e aplicação do Direito do Trabalho, Editora Malheiros, 1996.

Nada obstante, Valentin Carrion, acompanhando Arnaldo Süssekind, no particular, defende que

“… ao trabalhador assiste o direito de opção entre a jurisdição estrangeira e a brasileira.”

Pois bem, definido que a competência para o julgamento do caso pode ser ou da justiça americana ou da justiça brasileira, por se tratar de nacional o demandante, e, considerando que o autor entende ter acostado aos autos as normas relativas aos direitos que pretende ver apreciados nesta Justiça, competiria à ré, ao aduzir a prescrição bienal – tema genuinamente de direito material -, também trazer aos autos a disciplina de tal instituto na lei alienígena, encargo do qual não se desincumbiu.

Sendo assim, é de ser afastada a extinção do processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, IV do CPC, eis que se trata de direito material brasileiro inaplicável à espécie, tampouco comprovado seu teor na legislação americana aplicável ao caso, distanciando-se do princípio da lex loci executionis, privilegiado pela Súmula 207 do C. TST.

Caso análogo é o da ementa que abaixo transcrevo, da lavra da Juíza Convocada – Relatora, no RR 567200/99, publicado em 22.02.2002:

“RECURSO DE REVISTA – COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LLOYD BRASILEIRO – CONTRATAÇÃO E SERVIÇOS NO EXTERIOR – CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO – LICC ART. 9º – CÓDIGO DE BUSTAMANTE, ART. 198 – ENUNCIADO 207 DO TST. A decisão regional aplicou ao caso dos autos, em que o empregado foi contratado e sempre prestou serviços em Nova York, a legislação brasileira, contrariando, dessa forma, os dispositivos e o Enunciado em epígrafe. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos feitos na inicial, todos baseados na legislação pátria.”

Afasto a prescrição acolhida e determino o retorno dos autos ao MM. Juízo de origem, para que imprima ao feito o iter procedimental compatível.

Do exposto, conheço do recurso e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO, para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos ao MM. Juízo de origem, para que imprima ao feito o iter procedimental compatível, nos termos da fundamentação.

Retifique a Secretaria o nome da ré, para fazer constar TAM – LINHAS AÉREAS S.A., como requerido à fl. 251.

MÉRCIA TOMAZINHO

JUÍZA RELATORA

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