Só uns goles

Beber no almoço, sem se embriagar, não dá justa causa

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16 de agosto de 2005, 11h01

Tomar uma cervejinha na hora do almoço do trabalho não justifica demissão por justa causa se o empregado não fica embriagado. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que anulou a demissão por justa causa de um empregado da Verzani & Sandrini Segurança Patrimonial.

O ex-empregado entrou com ação na 50ª Vara do Trabalho de São Paulo. A empresa demitiu o vigilante com base no artigo 482, inciso “f”, da CLT — Consolidação das Leis do Trabalho. O artigo dispõe que “a embriaguez habitual ou em serviço” é justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.

Uma testemunha apresentada pela empresa na ação, disse que “flagrou o reclamante bebendo cerveja no posto de serviço” durante horário do almoço. Ele teria encontrado o vigilante “com três garrafas de cerveja e uma pizza”.

A testemunha afirmou, ainda, que “não notou alteração no comportamento do reclamante, mas percebeu o odor que exalava de cerveja”. Já a testemunha apresentada pelo vigilante afirmou que nunca o viu ingerindo bebida alcoólica no posto de serviço.

A primeira instância manteve a demissão por justa causa. O vigilante recorreu ao TRT paulista com o argumento de que não há prova de que estivesse trabalhando embriagado, somente de que teria bebido no intervalo para refeição.

O relator do Recurso Ordinário, juiz Paulo Augusto Câmara, esclareceu que “a embriaguez, como motivo autorizador da ruptura contratual por culpa exclusiva do empregado, exige robusta comprovação e não se revela por meras suposições da testemunha patronal sobre a conduta irregular, embasada no fato de ter sentido forte odor de bebida e avistado garrafa de cerveja na sala em que o empregado fazia a sua refeição”.

Segundo o juiz, “ainda que admitida a ingestão de bebida alcoólica no período destinado ao intervalo para alimentação e descanso, a ocorrência não se confunde com o estado de embriaguez traçado pelo legislador no artigo 482, ‘f’, da CLT, o qual se caracteriza, primordialmente, pelo aparente e inequívoco estado do indivíduo que, nesta condição, não detém o governo de suas faculdades e mostra-se totalmente incapaz de exercer com prudência até mesmo as mais singelas atividades”.

A decisão da 4ª Turma do TRT de São Paulo foi unânime. Os juízes anularam a demissão por justa causa e, conseqüentemente condenaram a empresa a pagar ao ex-empregado os valores referentes a aviso prévio, 13º salário e férias, multa de 40% do FGTS, entrega das guias para levantamento do FGTS e do seguro-desemprego e multa.

RO 02071.2002.050.02.00-2

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 02071200205002002 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 50ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECORRENTE: CELIO DE LIMA ALVES

RECORRIDO: VERZANI E SANCRINI SEGURANÇA PATRIMONIAL

Ementa: Embriaguez não demonstrada. Justa causa descaracterizada. A embriaguez, como motivo autorizador da ruptura contratual por culpa exclusiva do empregado, exige robusta comprovação e não se revela por meras suposições da testemunha patronal sobre a conduta irregular, embasada no fato de ter sentido forte odor de bebida e avistado garrafa de cerveja na sala em que o empregado fazia a sua refeição. Ainda que admitida a ingestão de bebida alcoólica no período destinado ao intervalo para alimentação e descanso, a ocorrência não se confunde com o estado de embriaguez traçado pelo legislador no artigo 482, “f” da CLT, o qual se caracteriza, primordialmente, pelo aparente e inequívoco estado do indivíduo que, nesta condição, não detém o governo de suas faculdades e mostra-se totalmente incapaz de exercer com prudência até mesmo as mais singelas atividades.

Inconformado com a r. sentença de fls. 33/34, cujo relatório adoto e que julgou parcialmente procedente a ação, recorre ordinariamente o reclamante, consoante as razões de fls. 36/39, insurgindo-se contra a decisão que reconheceu a validade da justa causa aplicada pela reclamada e que deferiu apenas trintas minutos diários a título de horas extras em razão da supressão do intervalo intrajornada. Alega que não há supedâneo à conclusão de que estaria embriagado em serviço, devendo ser reformado o julgado para afastar a justa causa e deferir o pagamento das verbas rescisórias pertinentes à modalidade de dispensa sem motivo; aduz, ainda, fazer jus ao recebimento de uma hora extra diária a título de intervalo intrajornada, sob o argumento de que a não concessão do período importa na remuneração total.

Não houve apresentação de contra-razões.

Parecer do d. Procurador do Ministério Público do Trabalho à fl. 50, opinando aquele órgão

pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez presentes os pressupostos legais de admissibilidade.


Da justa causa – embriaguez

Insurge-se o autor contra a r. decisão que reconheceu a legitimidade da aplicação da justa causa patronal. Sustenta que a oitiva testemunhal não confirma a tese patronal de que estivesse trabalhando embriagado.

Em defesa, alegou a empresa que o autor foi dispensado por justa causa fundamentada nas alíneas “f” do artigo 482 consolidado, ato de embriaguez em serviço.

Inicialmente, cumpre consignar, em face da relevância da matéria, que a prática de falta grave a justificar a ruptura contratual sem ônus para o empregador deve ser robustamente provada, especialmente pela mácula que este tipo de dispensa pode provocar na vida profissional e até mesmo pessoal do trabalhador. É certo que a embriaguez, tipificada na CLT, artigo 482 letra “f”, inviabiliza qualquer empreendimento organizado a manter em seus quadros empregados que apresentem o problema, capazes de perturbar as relações de trabalho e incapazes de desempenhar as suas atribuições normais, mesmo se vítima de uma patologia a exigir o tratamento correto e pertinente. A situação é ainda mais grave quando as funções exijam do seu exercente atenção constante e redobrada, condição que somente a sobriedade pode proporcionar.

Apesar de o estado de embriaguez ao qual se refere o legislador independer de prova técnica, podendo ser constatado pelo comportamento e linguagem da pessoa alcoolizada, os termos da prova oral produzida nos autos não geram a convicção absoluta de que o reclamante apresentou-se embriagado para o trabalho. Dissociado de outros elementos de prova, mostra frágil o depoimento da única testemunha patronal no sentido de julgar que o recorrente encontrava-se embriagado, apenas pelo fato de tê-lo presenciado ingerindo uma garrafa de cerveja durante o período destinado ao intervalo para alimentação. A avaliação feita pela testemunha afigura-se por demais subjetiva e deve ser encarada com reservas.

Confira-se o depoimento colhido à fl. 19 de seguinte teor:

“….. foi o depoente quem flagrou o reclamante bebendo cerveja no posto de serviço; que confirma Ter redigido o documento 04 da defesa; que na presença do Juízo reproduziu todos os fatos narrados no referido documento, acrescentando que na sala foi avistada três garrafas de cerveja e uma pizza; que o reclamante e o Sr. Marcelo estavam fazendo refeição; que não notou alteração no comportamento do reclamante mas percebeu o odor que exalava de cerveja; … que o reclamante não trabalhava armado….”. (grifamos).

Outrossim, a assertiva da testemunha patronal no sentido de que flagrou o reclamante bebendo cerveja não se coaduna com os termos do relatório por ele mesmo produzido. Da narrativa traçada no documento 04 do volume em apartado não se vislumbra a ocorrência do fato do mesma forma como relatado em juízo.

Com efeito, à luz do ônus da prova (artigo 818 da CLT), competia à reclamada provar os fatos impeditivos do direito postulado. Todavia, de tal encargo não logrou se desvencilhar, satisfatoriamente. Conforme claramente extraído do depoimento supra transcrito, a testemunha não presenciou o reclamante embriagado. Ao revés, afirmou que não notado nenhuma alteração no comportamento do mesmo.

Somando-se a isso, o depoimento em apreço enfrentou sólida resistência probatória ao ser infirmado pelas assertivas da testemunha obreira (fl. 18) ao assim informar:

“… que nunca viu o reclamante tomando cerveja no posto de serviço; ….trabalhava no mesmo turno do reclamante….”

Destarte, a dispensa motivada promovida pela empresa sob o argumento do estado de embriaguez não ultrapassa o campo da mera suposição, à vista da comprovação extraída por meio da oitiva testemunhal produzida pela empresa, de que o reclamante não apresentou nenhuma alteração comportamental típica daqueles que exorbitam os seus próprios limites na ingestão de bebida alcoólica.

Cumpre enfatizar ainda, que o ilibado passado funcional do reclamante, ante a ausência de punições anteriores de qualquer natureza, adquiri relevância e milita em seu favor, induzindo ao entendimento de que a questão deveria ter sido administrada pelo empregador com maior precaução na aplicação da penalidade máxima.

Portanto, da prova produzida pela ré não se extrai com a segurança que a questão requer, a configuração dos fatos apontados na defesa e autorizadores da dispensa, razão pela qual faz jus o autor aos consectários pertintentes à modalidade de demissão sem justa causa, a saber, aviso prévio, 13º salário e férias, ambos proporcionais, multa de 40% do FGTS, entrega das guias para soerguimento do FGTS e pagamento de forma indenizado do seguro desemprego, tudo em conformidade com o rol elencado à fl. 06 da peça inicial.

Devida ainda, a multa prevista no artigo 477 da CLT, eis que a decisão, cuja carga de eficácia é declaratória, faz retroagir os fatos ao status quo ante, implicando, assim, na mora do empregador na quitação dos haveres rescisórios devidos à época da dispensa.


Quanto à suposta existência de saldo salarial a receber relativo ao mês de agosto de 2002, a mesma sorte não socorre o autor. Isto porque, o respectivo recibo de pagamento salarial foi acostado pela reclamada em abono à tese defensiva de que nada é devido sob tal rubrica, conforme documento 10 encartado ao volume em apartado. Além disso, o TRCT (documento 01) registra o pagamento de saldo salarial de R$ 37,60, não logrando o autor apresentar qualquer diferenças neste sentido.

Reforma-se o julgado combatido.

Do intervalo para refeição e descanso

Inconformado com a decisão que acolheu a tese defensiva de redução do intervalo para refeição e descanso, busca o autor o pagamento, sob o título de serviço extraordinário, da hora destinada à tal mister e concedida parcialmente pela empresa.

Prospera, em parte, a irresignação apresentada.

Restou demonstrado nos autos a fruição de apenas quinze minutos de intervalo intrajornada, conforme se extrai da oitiva testemunhal.

Concessa vênia do entendimento esposado na fundamentação da r. sentença hostilizada, a questão é de ordem pública e não admite flexibilização pela via negocial. O instrumento coletivo não pode derrogar a legislação consolidada, salvo se destinada a estabelecer condições mais benéficas aos trabalhadores, hipótese alheia ao caso dos autos. A teor da disposição contida no art. 71, § 4º da CLT, o intervalo para alimentação e descanso constitui garantia mínima necessária à recomposição física e mental do trabalhador. A concessão de períodos inferiores aos prestigiados pela legislação não se prestam às finalidades para as quais foram criados.

Ademais, a simples leitura da norma coletiva não confere a mesma interpretação adotada pelo juízo sentenciante. O instrumento coletivo (documento 79) em sua cláusula 10, estabelece a obrigatoriedade das empresas concederem um intervalo mínimo de trinta minutos, mas em nenhum momento limitou a este período o tempo total de descanso.

Portanto, outra não é a conclusão senão de que o tempo de intervalo era mesmo de uma hora.

Contudo, os minutos efetivamente desfrutados pelo empregado para tal mister, in casu, quinze minutos a teor do depoimento da testemunha obreira, não podem ser desconsiderados, de forma que, provada a concessão parcial do interregno, são devidos apenas aqueles faltantes para completar a hora integral.

Diferentemente do quanto decidido na origem, faz jus o reclamante ao recebimento de quarenta e cinco minutos diários devidos a título de serviço extraordinário em face da supressão parcial do intervalo para alimentação e descanso.

Reforma-se o julgado originário, também neste aspecto, para deferir ao reclamante o recebimento de quarenta e cinco minutos diários a título de horas extras pela falta de fruição total da hora intervalar, e não de trinta, conforme decidido na Origem.

Ante o exposto, conheço do apelo obreiro e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para julgar a ação procedente em parte e, afastando o reconhecimento da justa causa aplicada pela reclamada, condenar a empresa a pagar ao reclamante aviso prévio, 13º salário e férias, ambos proporcionais, multa de 40% do FGTS, entrega das guias para soerguimento do FGTS, seguro desemprego de forma indenizada e multa do artigo 477 da CLT e conceder ao autor o pagamento de quarenta e cinco minutos diários, como serviço extraordinário em razão da fruição parcial do intervalo intrajornada, reformando também neste aspecto a r. sentença hostilizada que limitou a trinta minutos diários, tudo nos termos da fundamentação.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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