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Banco Safra é condenado por “camuflar” verba salarial

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16 de agosto de 2005, 14h53

O Banco Safra foi condenado pagar indenização de R$ 50 mil a um ex-empregado por dizer que os R$ 150 mil pagos como benefício ao funcionário eram referentes a empréstimo e teriam de ser devolvidos. A decisão é do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, São Paulo). Cabe recurso.

O trabalhador entrou com reclamação trabalhista na 4ª Vara do Trabalho de São José dos Campos, interior de São Paulo, alegando que, em fevereiro de 2000, a direção do banco lhe ofereceu os R$ 150 mil para que saísse do BCN e fosse trabalhar no Safra.

Ao término do contrato de trabalho, o Banco Safra afirmou que a verba era um empréstimo concedido ao ex-funcionário quando foi contratado. A defesa do banco também sustentou que deveria ser declarada a prescrição do direito de ação, já que foi ajuizada somente em 2004.

A primeira instância concedeu, em parte, o pedido do autor da ação. Entendeu que os R$ 150 mil não poderiam ser considerados como empréstimo, mas que os cálculos das verbas trabalhistas da rescisão não deveriam incidir sobre esse valor.

Tanto o trabalhador como o banco recorreram ao TRT de Campinas. O relator do recurso, juiz Eduardo de Oliveira Zanella, esclareceu que ficou comprovado o caráter de benefício e não de empréstimo dos R$ 150 mil, como alegou o banco.

“Trata-se de uma recompensa pelo fato do empregado deixar o seu antigo posto de trabalho (Banco BCN) e permanecer no atual empregador – Banco Safra – pelo período mínimo de quatro anos. A adoção dessa medida visou apenas mascarar o caráter salarial da verba, a ser ‘diluída’ em quatro anos de trabalho”, afirmou o juiz.

Segundo o relator, não se aplica a prescrição ao caso, já que não se trata de alteração contratual por ato único do empregador. O valor da condenação foi fixado em R$ 50 mil. O TRT de Campinas também mandou o banco calcular as verbas trabalhistas baseados nos R$ 150 mil pagos como benefício.

Processo 01390-2004-084-15-00-9 RO

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO Nº: 01390-2004-084-15-00-9 – 2ª CÂMARA

1o RECORRENTE: BANCO SAFRA S.A.

2º RECORRENTE: ARTUR CÉSAR VENEZIANI DIAS

ORIGEM: 4ª VARA DO TRABALHO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

DANOS MORAIS.

Não se concede indenização por danos morais quando não comprovados prejuízos ao empregado ou a prática desleal de atos por parte do empregador.

Inconformadas com a r. sentença (fls. 519-526), da lavra do MM. Juiz Wilson Cândido da Silva, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, recorrem as partes (fls. 540-552 e 557-594).

O Reclamado insiste na prescrição do direito de postular reflexos da verba atinente aos “empréstimos” e pelo julgamento extra petita e não-cabimento dos reflexos no FGTS acrescido de 40%.

O Reclamante, por sua vez, sustenta a revelia do Réu e requer a aplicação da confissão quanto à matéria de fato.

Postula, outrossim, o reconhecimento da natureza salarial das “luvas” e integração para fins de quitação das férias, 13º e aviso prévio.

Pretende, ainda, a incorporação do salário complementar de R$ 2.000,00 – mensal -, do prêmio especial – semestral e reflexos – ; indenização por danos morais e estabilidade sindical.

Contra-razões às fls. 606-636 e 648-660.

Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, em face do artigo 111 do RI.

Relatados.

V O T O

Conheço.

RECURSO DO RECLAMADO

NATUREZA DA VERBA PAGA A TÍTULO DE EMPRÉSTIMOS – LUVAS – PRESCRIÇÃO TOTAL – JULGAMENTO EXTRA PETITA – INTEGRAÇÃO E REFLEXOS

Em face da dupla insurgência com relação ao “empréstimo mercantil” – no apelo do Réu – e “luvas” – no do Autor -, quanto ao título, os Recursos serão apreciados em conjunto.

O Reclamante sustenta que, ao ser contratado, em 18.02.00, foi-lhe oferecido, a título de “luvas”, porém, de forma mascarada, intitulada “empréstimo”, o valor de R$150.000,00, para que permanecesse como empregado pelo período mínimo de quatro anos, ao término do qual haveria o “perdão da dívida”.

Aduz o caráter salarial da verba e requer a sua integração e reflexos nas férias, 13os salários, FGTS e aviso prévio.

O Reclamado, por seu turno, alega a existência de um “empréstimo mercantil”, na referida data de 18.02.00, devendo ser declarada a prescrição de qualquer direito atinente à parcela, uma vez que a ação somente foi ajuizada em 14.09.04.

A princípio, ressalto que, não obstante os argumentos do Réu, o próprio documento atinente ao “empréstimo” (fl. 39) comprova o caráter de “luvas”, ou seja, trata-se de uma recompensa, no caso, pelo fato do Autor deixar o seu antigo posto de trabalho (Banco BCN) e permanecer no atual empregador – Banco Safra – pelo período mínimo de quatro anos.


O fato foi devidamente confirmado pelas testemunhas e pode-se concluir que a adoção dessa medida visou apenas mascarar o caráter salarial da verba, a ser “diluída” em quatro anos de trabalho.

Assim, não há que falar em prescrição total, uma vez que não se trata de alteração contratual por ato único do empregador. Da mesma forma, não há julgamento extra petita pelo fato de ser concedida a integração apenas nos depósitos do FGTS e indenização de 40%, uma vez que há pedido expresso na inicial.

Por outro lado, reputo procedente o inconformismo do Autor quanto à integração da parcela nas demais verbas salariais, consubstanciadas em férias, 13os salários e aviso prévio. O valor a ser integrado será obtido da divisão do montante pago – R$150.000,00 – pelo número de meses trabalhados, uma vez que a extinção do contrato ocorreu antecipadamente, por dispensa injustificada.

Nesse sentido, já se pronunciou o egrégio TST, ao manter decisão do egrégio TRT da 2ª Região, envolvendo situação análoga com o mesmo empregador, in verbis:

“Conclui-se da análise dos autos que o ora recorrente, utilizando-se de artifício malicioso, remunerava parte dos salários em folha de pagamento e outra parte extra-folha, pago antecipadamente, referente a um período previamente ajustado. Para tanto, procedia a empréstimos fictícios a fim de resguardar-se de um possível rompimento do pacto laboral por iniciativa do empregado, sem a devida restituição da parcela salarial paga antecipadamente.

Tal fato pode ser devidamente constatado pelo depoimento pessoal do reclamante, bem como de suas testemunhas (Termo de Audiência. fls. 31/32), no sentido único de remuneração antecipada através de empréstimos, os quais seriam perdoados se, no caso em questão, o reclamante trabalhasse durante 15 meses para o reclamado.

Demais disso, a tese do ora recorrente no sentido de que o empréstimo foi concedido antes do início do contrato de trabalho não prospera, haja vista que o documento constante a fls. 9 e não impugnado revela que o início das atividades do ora recorrido se deu em 06/10/97 e não em 23/10/97. Deste modo, temos que ficou devidamente comprovada a fraude do empregador com relação ao cumprimento de sua obrigação primeira, qual seja, a de pagar corretamente o salário e, por conseguinte, correto o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Ressalte-se, por fim, que o valor recebido a título de empréstimo (R$25.000,00) passou a integrar os rendimentos do ora recorrido vez que em janeiro de 1999 completaram-se os 15 meses ajustados entre as partes. (fl. 104) O Reclamado, no arrazoado do recurso de revista, alegou que o referido empréstimo foi pago uma única vez, razão pela qual não deveria integrar o salário. Aduziu, também, que empréstimo de dinheiro não figura dentre as hipóteses que integrariam o salário, nos termos do art. 457 da CLT.

Apontou violação aos arts. 457, caput e parágrafos, da CLT, e 5º, incisos II, XXXV e LV, da Constituição Federal, bem como colacionou arestos para disceptação jurisprudencial. Não prospera o inconformismo. Considerando que o Eg. Regional concluiu pela existência de fraude no pagamento dos salários do Reclamante, por utilizar-se o Reclamado do disfarce do empréstimo pessoal, que seria mais tarde perdoado se o empregado laborasse durante 15 meses para a empresa, inexiste a violação literal ao art. 457 da CLT e seus parágrafos.

Com efeito, o dispositivo invocado não acoberta o procedimento do Reclamado para pagamento de salários aos seus empregados. Ressalte-se que ostenta natureza salarial o pagamento de valor a título de empréstimo, concedido sob a condição de permanência do empregado por período determinado.

Transparece, em semelhante circunstância, o nítido intuito de travestir parcela com características intrinsecamente salariais, o que é vedado pelo Direito do Trabalho, nos termos do art. 9º da CLT. Desse modo, é razoável a integração ao salário do referido empréstimo, observando-se a média dos 15 meses laborados, período determinado para que fosse perdoado.” (AIRR 49339/2002-900-02-00, DJ 06.02.04, Min. Rel. João Oreste Dalazen).

RECURSO DO AUTOR

REVELIA

Não obstante as razões aduzidas, rejeito o inconformismo.

Com efeito, conforme esclarecido em 1º grau, o fato de o preposto ser advogado do Réu não impede, por si só, o seu comparecimento em juízo na qualidade de substituto do empregador, uma vez que não praticou nenhum ato inerente à advocacia, principalmente porque foi acompanhado na audiência por outro advogado, aliás, o mesmo que assinou a contestação.

SALÁRIO COMPLEMENTAR – PRÊMIOS MENSAIS E SEMESTRAIS

Insiste o Autor no fato de que o valor complementar de R$2.000,00, pago de março a agosto de 2000, era salário e não poderia ser suprimido de sua remuneração, ante a vedação constitucional de irredutibilidade salarial, o mesmo ocorrendo com a gratificação especial, ressarcida ao final de cada semestre.


Todavia, ficou devidamente comprovado que as verbas eram pagas quando a meta estipulada pelo Banco era atingida. Portanto, não se encontra configurada a supressão indevida de verbas ou a irredutibilidade dos salários.

Além disso, a determinação de integração e correspondentes reflexos de referidas parcelas no cômputo das verbas rescisórias já ocorreu na r. sentença, nada havendo a ser acolhido.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

O pedido de indenização por danos morais está fundamentado no fato de que a dispensa ocorreu de forma abusiva, no momento em que o Autor encontrava-se reunido com seus subordinados.

Nesse contexto, ressalto que a 1ª testemunha afirmou que “o sr. Marcelo Queiroz apareceu e aproveitou a reunião para comunicar que o reclamante, muito embora seja um profissional competente, não estava atingindo as metas e seria desligado; que o sr. Marcelo primeiramente enalteceu o trabalho do autor e depois disse que estava cumprindo ordens do banco e comunicou o seu desligamento” (fl. 515), o que foi confirmado pela 2ª testemunha, nos seguintes termos: “chegou o sr. Marcelo Queiroz dizendo que aproveitou a reunião dizendo que lamentava muito ter que comunicar o fato relacionado com o recte em razão de ser um profissional capacitado, mas que por determinação do banco o mesmo estava dispensado” (fl. 516).

Reputo que o fato não é suficiente para macular a honra de nenhum trabalhador e, embora reprovável a dispensa na presença dos subordinados, o fato, por si só, não pode ser tido como suficiente para oscilar a confiança de um trabalhador com vários anos de experiência, o que pressupõe a capacidade de enfrentar com segurança os dissabores da profissão.

Ademais, o Recorrente foi dispensado sem justa causa e obteve, o que não é comum, rápida reposição no “mercado de trabalho”, fato este alegado na própria inicial, o que permite concluir pela inexistência de abalo em seu prestígio profissional.

É oportuno registrar o contido no artigo 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Embora previsto no inciso III do artigo 932 do Código Civil que o empregador está obrigado à responsabilidade civil, inclusive por dano moral, não vislumbro a configuração do referido dano, pois, como acima demonstrado, inexiste comprovação de prejuízo ou de que tal fato tenha afetado a sua imagem.

Por derradeiro, a reparação do dano moral exige a ocorrência de acusação caluniosa, fruto de dolo ou má-fé, temeridade ou de malícia, hipóteses não comprovadas.

Apenas para melhor ilustrar a questão, trago à colação os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, in verbis:

“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização.

Aqui também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com os fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz.

Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. (…) Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso” (in Direito Civil, Responsabilidade Civil, 3ª edição, Ed. Atlas, págs. 33 e 34).

Assim, não comprovada a prática de atos desleais por parte do Reclamado, rejeito a irresignação.

ESTABILIDADE SINDICAL

Afirma o Recorrente que era diretor do Sindicato dos Gerentes, Subgerentes, Assistentes de Gerência e Cargos de Chefia nos Bancos, Financeiras, Cooperativas de Crédito Mútuo, Corretoras de Valores no Estado de São Paulo.

Não obstante, em audiência, confirmou que referido Sindicato não tem legitimidade, pois não suscitou nenhum dissídio coletivo, razão por que não é reconhecido pelo Banco ou pelo Sindicato dos Bancários.

Da mesma forma, as 1ª e 2ª testemunhas não tinham conhecimento de que o Autor fosse dirigente sindical, embora a primeira delas também fosse gerente.

Não bastassem tais fatos, o Recorrente foi assistido pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São José dos Campos no ato da dispensa (fl. 91). Rejeito, pois, a pretensão de estabilidade sindical.

Pelo exposto, decido conhecer, negar provimento ao Recurso do Reclamado e dar parcial provimento ao do Reclamante para determinar a integração das “luvas” nas demais verbas salariais, consubstanciadas em férias, 13os salários e aviso prévio, tudo na forma da fundamentação. Arbitro em R$50.000,00.

EDUARDO BENEDITO DE OLIVEIRA ZANELLA

JUIZ RELATOR

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