Indústria do dano

Médicos são pegos de surpresa com a evolução do dano moral

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15 de agosto de 2005, 17h19

O segmento saúde no Brasil foi apanhado de surpresa com a evolução da obrigação de reparar os danos causados a terceiros. O judiciário no final do século XX e início do XXI, a partir das conquistas sociais e da própria evolução dos direitos fundamentais, com a geração da chamada Constituição Cidadã, de 1988, passou a contar com micro-sistemas protetivos, haja vista a defesa e proteção do consumidor — Lei 8078/90. Assim, gerou casuísmo e paternalismo sob a justificativa de ser uma lei desigual para tratar de desigualdades.

Todo o arcabouço de proteção e defesa (inversão do ônus da prova — Dano moral — Culpa Presumida — Interpretação mais favorável ao consumidor — proibição de denunciar à lide, etc.) passou a ser utilizado na relação médico-paciente, vez que foi entendido que tal contrato é relação de consumo. Dessa forma, todo o sistema protetivo e defensivo deve ser usado para garantir a dignidade da pessoa humana, logicamente, tanto do paciente quanto do médico e, nunca, como o judiciário pátrio o adotou, qual seja: promover um antigo e injusto brocardo pelo qual o justo pague pelo pecador.

Em livros jurídicos temos defendido posição contrária, mas com a consciência de que somos andorinha e ainda não fazemos verão, embora o argumento de todos os doutrinadores do país seja na direção de fazer valer o direito fundamental contido no inciso III do artigo 1º da Constituição, qual seja a dignidade da pessoa humana, com o qual concordamos em gênero, número e grau. A verdade maior é que se olvidou o mínimo detalhe técnico de que o médico também é pessoa humana.

O novo Código Civil Brasileiro, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, já caminhou mais na estrada da eticidade e oferece inúmeros recursos para que os julgadores possam punir as partes e procuradores por desvios comportamentais e de má-fé. Porém, é cedo para grandes mudanças.

A gratuidade de justiça sem comprovação tem gerado a tão famosa “indústria do dano”, que se estabeleceu no Brasil em detrimento do esculápio ético, sendo verdade trazida em livro por um magistrado paranaense, dando notícia de que 80% das ações propostas contra médicos são julgadas improcedentes, ou seja, o médico vence. Mas, certamente, isso só acontece após sofrer danos morais e psicológicos por anos, durante o processo judicial, sem falar nos gastos com honorários de advogados e peritos, sem que lhe seja possível receber reembolso, pois a suposta vítima está “protegida” pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu não caber ação do médico contra a suposta vítima, mesmo depois de vencer a ação em que foi réu, sob a alegação de que ela estaria no seu direito constitucional de invocar a prestação jurisdicional. Daí não poder falar em dar a mesma moeda de sofrimento e prejuízos que esta suposta vítima impingiu ao médico.

Há um dispositivo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor que determina a verificação de culpa para todos os casos de profissionais autônomos. A priori estaríamos diante de uma tranqüilidade maior para ser apurada a eventual negligência, imprudência ou imperícia, mas na realidade quase nunca se verifica uma demanda contra o médico de forma isolada, pois sempre existe um hospital, clínica, laboratório ou plano de saúde que faz parte da relação de trabalho e que poderá ser condenado sem culpa.

Os fornecedores de serviços (toda pessoa jurídica em área de saúde) respondem apenas com a existência de dano mais o nexo da causalidade, dificultando sobremodo a defesa. O grave em todo esse contexto é que os julgadores e juristas pátrios ainda festejam essa ameaça, como sendo uma vanguarda brasileira em seara consumerista, esquecendo que labutam para dificultar as chances de mudarmos de posição no ranking da OMS em qualidade de saúde, onde nos encontramos no 124º lugar.

O mundo econômico da saúde e que pode ser considerado consumerista gira em torno dos segurados do sistema de saúde suplementar, isto podendo ser avaliado em torno de 36 milhões de segurados, sendo crível observar que todos os demais cidadãos, em torno de 140 milhões dependentes do SUS, são potenciais autores de ação indenizatória contra o médico e o sistema em geral.

Assim, sob este rigor excessivo e levando-os ao clima de insegurança que se estabeleceu é certo que o judiciário já produz sinais de que irá voltar a inspecionar melhor os pedidos de gratuidade de justiça, mesmo dentro do rigor da lei, sendo certo que tanto para os profissionais liberais quanto para as pessoas jurídicas há que resultar provado, durante o processo, o defeito do serviço.

A explicação é complexa para o leigo e pedimos desculpas pela densidade do texto e pela forma pesada de transmitir a realidade jurídica na Responsabilidade Civil Médica e Hospitalar. Porém, é importante deixar claro que estamos lutando o bom combate para viabilizar o Código Nacional da Saúde, no qual todas essas distorções serão parametradas.

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