Dívida trabalhista

Ex-sócios respondem por dívida trabalhista de empresa

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15 de agosto de 2005, 17h14

Ex-sócios respondem por dívida trabalhista de empresa. A decisão é da 2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, São Paulo). No entendimento dos juízes, se a empresa e os atuais sócios não têm bens para pagar dívida trabalhista, os sócios que se retiraram da empresa devem quitar a dívida com bens pessoais.

Segundo o processo, já na fase de execução, a Vara do Trabalho Campo Limpo Paulista determinou a penhora de um imóvel da ex-sócia da empresa Fionda Indústria e Comércio para satisfazer débito trabalhista.

A ex-sócia recorreu ao TRT de Campinas com o argumento de que não seria parte legítima para responder pela dívida e que o imóvel era bem de família, portanto impenhorável.

O relator do recurso, juiz Eduardo Benedito de Oliveira Zanella rejeitou o recurso. Segundo ele, a ex-sócia é parte legítima para quitar a dívida, principalmente quando o vínculo empregatício ocorreu na época em que ainda era sócia.

De acordo com o relator, o atual Código Civil prevê que a responsabilidade dos ex-sócios se mantém por dois anos após a alteração contratual. O juiz decidiu que a ex-sócia não provou que o imóvel penhorado é o único de sua propriedade, porque deixou de juntar certidões de cartórios de registro de imóveis ou cópia da declaração do imposto de renda.

Leia a íntegra da decisão

AGRAVO DE PETIÇÃO

PROCESSO Nº: 00806-2002-105-15-00-6 – 2ª CÂMARA

AGRAVANTE: MARIA INÊS DALL´OLIO ZANOLETTI

1º AGRAVADO: LUIZ ANTÔNIO FONTANA

2ª AGRAVADA: FIONDA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.

3º AGRAVADO: FELIPE LOUREIRO

4os AGRAVADOS: JORGE ANTÔNIO PINTO E OUTRO

5º AGRAVADO: WILSON ROBERTO MAION

6º AGRAVADO: REGINALDO JOSÉ DA SILVA

ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE CAMPO LIMPO PAULISTA

EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE.

Em face da ausência de bens da sociedade e dos atuais sócios para responder pela dívida trabalhista, respondem os sócios retirantes com o patrimônio pessoal, conforme preconizam o art. 339 do Código Comercial e o art. 1003 do Código Civil c/c o inciso V do art. 4º da Lei 6.830/80 e inciso III do art. 135 do Código Tributário Nacional, todos de aplicação subsidiária no processo do trabalho.

Inconformada com a r. decisão às fls. 174-181 e 197-198, da lavra do MM. Juiz Evandro Eduardo Maglio, que rejeitou os Embargos à Execução, agrava de petição a ex-sócia da Executada (fls. 214-224).

Argúi a nulidade da decisão, uma vez que os Embargos de Declaração não desfizeram a omissão apontada, violando, por decorrência, artigos legais e constitucionais.

Sustenta, outrossim, a sua ilegitimidade de parte, pois o vínculo empregatício se formou com a sociedade e porque esta ainda tem bens suficientes à quitação do crédito.

Por derradeiro, sustenta que a penhora recaiu sobre bem de família e estar configurado o excesso de penhora.

Contraminuta do Exeqüente às fls. 238-242.

Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, em face do artigo 111 do Regimento Interno deste E. TRT/15ª Região.

Relatados.

V O T O

Conheço, atendidas as exigências legais.

NULIDADE DA DECISÃO

Ao contrário do sustentado, a decisão proferida nos Embargos de Declaração encontra-se em consonância com os dispositivos legais inerentes ao caso, encontrando-se devidamente fundamentada.

Ressalto que a pretensão da Embargante era, visivelmente, a de alterar o r. julgado, visto que a omissão alegada não ocorreu, pois a questão atinente ao bem de família foi apreciada.

Quanto ao fato de não ter sido bem examinada a prova documental, se de fato presente a hipótese, a decisão recursal poderá sanar a eventual irregularidade. Rejeito.

ILEGITIMIDADE DE PARTE – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE

Insurge-se a Agravante contra a r. decisão que rejeitou os Embargos e declarou subsistente a penhora efetuada sobre imóvel de sua propriedade, alegando, em síntese, que a Executada possui bens a garantir a execução e que se retirou da sociedade em 15.05.02.

Em que pese aos argumentos expendidos, reputo improcedente a irresignação.

Com efeito, como certificado à fl. 104, a empresa executada foi desativada e não foram encontrados bens a garantir a execução. Nesse sentido, a Agravante alega a existência de bens mas não junta nenhum comprovante de sua assertiva.

Dessa forma, é legítima a constrição de bens dos sócios, mesmo na condição de “retirante”, visto que, na presente hipótese, o Exeqüente foi empregado da Executada de 01.10.1990 a 26.07.2002 e a Agravante integrou o quadro societário até 19.06.02, como consta do registro da JUCESP (fls. 123-125). Logo, deve responder pelas obrigações contraídas em nome da sociedade.

Nesse sentido, dispunha o artigo 339 do Código Comercial, vigente à época do ajuizamento da ação:

“O sócio que se despedir antes de dissolvida a sociedade ficará responsável pelas obrigações contraídas e perdas havidas até o momento da despedida. No caso de haver lucros a esse tempo existentes, a sociedade tem direito de reter os fundos e interesses do sócio que se despedir, ou for despedido com causa justificada, até se liquidarem todas as negociações pendentes que houverem sido intentadas antes da despedida.”

Esse dispositivo, todavia, foi revogado pela Lei 10.406/02 – novo Código Civil -, que dispõe de forma mais abrangente, in verbis:

“Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.”

Como se constata, além de mantida a exigência quanto ao registro, foi ampliado o prazo da responsabilidade do sócio cedente para dois anos após a alteração do contrato.

Ressalto, por oportuno, que o atual Código Civil, embora somente em vigor a partir de janeiro/03, foi publicado e amplamente divulgado antes da retirada da sócia-agravante, o que permite presumir a tentativa de fraudar a execução do processo, principalmente porque consta dos autos que a Executada deu início à dilapidação de seus bens antes do ajuizamento da presente ação.

Esse fato, por si só, justifica a aplicação da “teoria da desconsideração da pessoa jurídica”, especialmente nesta Justiça especializada, em razão do caráter alimentar do crédito trabalhista.

Para ilustrar a questão, vale a pena trazer à colação a lição do doutrinador Rubens Requião:

“Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do estado à realização de um fim, nada mais procedente do que se reconhecer ao estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude através do seu uso” (RJDJSP, vol. 167, pág. 134).

Não é outro o posicionamento do egrégio TST:

“RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE BEM DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Partindo da premissa de que os créditos trabalhistas, ante a natureza alimentar de que são revestidos, são privilegiados e devem ser assegurados, a moderna doutrina e a jurisprudência estão excepcionando o princípio da responsabilidade limitada do sócio, com fulcro na teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma que o empregado possa, verificada a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados. Inocorrida afronta a norma constitucional. Recurso de Revista não conhecido” (RR 2549-2000-012-05-00, Rel. Juíza Convocada Helena Sobral Albuquerque e Mello, 4ª Turma, Publicado no DJ de 07.03.2003).

Assim, a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, no caso de ausência de bens dessa sociedade suficientes à garantia da execução, assim como de bens dos atuais sócios, ocorre por substituição e tem amplo respaldo legal, conforme expressamente prevêem o inciso II do artigo 592 e o artigo 596 do CPC c/c incisos V do artigo 4º da Lei 6.830/80 e III do artigo 135 do Código Tributário Nacional, aplicáveis subsidiariamente.

Por derradeiro, trago à colação os ensinamentos Arion Sayão Romita, mencionado por Francisco Antonio de Oliveira (A execução na Justiça do Trabalho, RT, 3ª edição, pág. 201), in verbis:

“Não se compadece com a índole do direito obreiro a perspectiva de ficarem os créditos trabalhistas a descoberto, enquanto os sócios, a final os beneficiários diretos do resultado do labor dos empregados da sociedade, livram os seus bens pessoais da execução, a pretexto de que os patrimônios são separados. Que permaneçam separados para os efeitos comerciais, compreende-se; já para os fins fiscais, assim não entende a lei; não se deve permitir, outrossim, no Direito do Trabalho, para a completa e adequada proteção dos empregados”.

Por tais fundamentos, rejeito a irresignação.

BEM DE FAMÍLIA

A Agravante não comprovou que o imóvel penhorado é o único de sua propriedade, deixando de juntar certidões de cartórios de registro de imóveis ou cópia da declaração do imposto de renda. Aliás, em visível e reprovável tentativa de induzir o juízo em erro, afirma que “o imóvel penhorado é o único em que reside com sua família” (fl. 218). Rejeito.

EXCESSO DE PENHORA

Em se tratando de bem imóvel, embora o valor da avaliação supere e muito o valor do crédito, não há falar em excesso de penhora.

A princípio, porque a Agravante sequer indicou qualquer outro bem em substituição.

Além disso, é mais do que cediço que os bens levados à praça nesta Justiça especializada, salvo raríssimas exceções, nunca atingem o valor da avaliação, sendo certo que, enquanto o débito tende a crescer diante do processo inflacionário, o valor do bem penhorado tende a desvalorizar, em razão do uso e do tempo e, na hipótese do valor arrecadado superar o principal, a Agravante fatalmente será reembolsada.

Ademais, a Agravante poderá, até os trâmites finais do praceamento, depositar o valor total da execução, o que impedirá, por óbvio, qualquer prejuízo decorrente do alegado “excesso de penhora” decorrente da constrição judicial.

Pelo exposto, decido conhecer, rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento ao Agravo de Petição, nos termos da fundamentação.

EDUARDO BENEDITO DE OLIVEIRA ZANELLA

JUIZ RELATOR

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