Privação de liberdade

Alteração na legislação mudou papel do agente penitenciário

Autor

  • Adriana Nunes Martorelli

    é presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo e advogada do escritório Gregori Capano Advogados Associados.

14 de agosto de 2005, 12h27

O advento da Lei 10.792/2003 trouxe alterações significativas na Lei de Execução Penal, principalmente no que diz respeito ao aferimento dos aspectos subjetivos referentes ao preso pretendente dos benefícios (progressão de regime, livramento condicional e indulto pleno e parcial).

Entende-se que a elaboração de laudo criminológico passa a ser facultativo, retirando a obrigatoriedade da elaboração de antes, a qual ocupava integralmente o trabalho desenvolvido pela Comissão Técnica de Classificação, que, embora também lhe fosse de incumbência, na prática dificilmente conseguia realizar trabalho de propositura de programa individualizador do cumprimento da pena.

A preocupação é que a prestação jurisdicional seja comprometida diante do fato da Lei aliançar a avaliação de mérito do sentenciado no atestado de conduta emitido pelo diretor do estabelecimento, que se embasaria apenas nas informações trazidas pelos agentes penitenciários, subentendendo-se certo distanciamento dos membros da equipe técnica, os quais deixariam, conseqüentemente, de prover acompanhamento do desenvolvimento do preso no decorrer do cumprimento da pena privativa de liberdade. A lei determina e estudiosos afirmam que o atestado de conduta será mesmo firmado pelo diretor. Vale o debate acalorado, sem dúvida!

Todavia, me pergunto se de fato esta modificação legislativa, ao afastar a obrigatoriedade do laudo, coloca mesmo por terra o que há de mais importante no decadente processo de segregação do infrator privado da liberdade, já que o trabalho de individualização foca-se na busca de dados acerca da “pessoa humana”.

Segundo define o professor Alvino Augusto de Sá, especialista na matéria, a “individualização da execução da pena é a adequação da mesma às condições e características individuais do encarcerado, levando-se aí em consta suas características de personalidade, seu histórico de vida, suas condições pessoais no contexto carcerário e seus méritos colhidos ao longo do cumprimento de pena”.

Ora, conforme do próprio cientista citado afirma, a Comissão Técnica de Classificação continua incumbida de elaborar o programa individualizador e os benefícios continuam sendo concedidos de forma supostamente diferenciada, levando-se em conta os méritos dos internos.

O comprometimento qualitativo, portanto, “pode” vir a ocorrer, mas não necessariamente irá ocorrer. O laudo criminológico, aliás, sofreu erradicação de sua obrigatoriedade e foi justamente porque o legislador elucidou-se sobre o comprometimento já enraizado em sua semente, na sua forma de elaboração, que de há muito transformava o aferimento dos aspectos subjetivos em mera fantasia, pois nem de longe refletiam a realidade individual do encarcerado, muitas vezes fraudando o entendimento dos sentidos distantes do prestador jurisdicional, que encontra, sim, sérias dificuldades operacionais em exercer sua atribuição legal de acompanhar o dia-a-dia dos que cumprem pena, espalhados pelos tão numerosos estabelecimentos penitenciários do nosso Estado. Só em São Paulo, dentre provisórios e definitivos, são cerca de 137.000 pessoas presas, a maioria com menos de 25 anos.

Ora, conforme certa feita a Administração Penitenciária demonstrou em Plenária do Conselho Penitenciário, há banco de dados sustentado em sistema informatizado, cujas informações são minuciosamente coletados pelas equipes que compõem a administração de cada uma das unidades prisionais de nosso Estado. A riqueza de detalhes chega a ser emocionante para aqueles que, como eu, viveram um tempo, mas precisamente a década de 80, em que o Judiciário sequer sabia o paradeiro do preso.

Atualmente, com o sistema de coleta de dados individualizados, trabalho que me convence ser parte do programa individualizador de pena previsto na LEP, não só nos é possível saber onde e desde quando o preso está, como também, sua cor, raça, origem, grau de instrução, atividades profissionais eventualmente experimentadas, origem familiar, vínculos, condições sociais, entre outras informações prestimosas para se conhecer alguém que, por direito, devem receber trato individualizado e suficiente para satisfação de suas necessidades pessoais, num sistema que a tantos acolhe.

Parece-me, então, que o elemento faltante refere-se às uniões de esforços entre o administrador e prestador jurisdicional, pois se a administração penitenciária cria mecanismos de individualização do cumprimento da pena, coleta dados, propõem terapêutica penal individualizada, se permite e estimula notório e bem sucedido envolvimento da sociedade civil organizada no processo cotidiano da privação da liberdade, se tem empregado esforços, por meio da Escola Penitenciária, em capacitar melhor técnicos e agentes, levando-os à compreensão do seu papel como “ressocializador”, do aspecto multidisciplinar de sua atividade, a qual só se bem sucederá se desenvolvida em equipe. Assim, vale a reflexão não só sobre o papel do técnico no cumprimento da execução da pena, mas de todos os envolvidos no processo de privação de liberdade.

Autores

  • é presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP, membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo e advogada do escritório Gregori, Capano Advogados Associados.

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