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Legislação dificulta combate internacional a crimes financeiros

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13 de agosto de 2005, 12h13

Um pedido externo para que sejam investigados indícios de lavagem de dinheiro no Brasil pode levar mais de um ano para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Em muito menos tempo o dinheiro de transações ilícitas some das vistas das autoridades e o rastreamento do crime fica impossível. Estudo da professora Maíra Rocha Machado, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, constatou que em ações nas quais tempo literalmente significa dinheiro, a demora do Judiciário é determinante para o fracasso da repreensão ao crime.

A rapidez do Judiciário no combate à lavagem de dinheiro foi um dos temas mais tratados no seminário “Ilícitos Financeiros e Recuperação de Recursos Públicos Desviados”, promovido em São Paulo pela Escola Superior do Ministério Público do estado. O evento contou com a presença de promotores e procuradores do Brasil e autoridades de repreensão ao crime dos Estados Unidos e da Suíça.

Para os procuradores e promotores brasileiros, o ideal seria que alguns dos procedimentos como a carta rogatória, na qual é feito o pedido para quebra de sigilo do investigado, e os pedidos de cooperação internacional fossem feitos diretamente entre as autoridades dos países envolvidos. “Temos de superar as formalidades e o fetichismo da forma para que cheguemos com maior eficácia ao crime da elite”, diz o procurador Regional da República em São Paulo Pedro Barbosa Pereira Neto.

De acordo com ele, falta ao país uma legislação que cuide exclusivamente do assunto. Não há no Brasil lei que estabeleça normas e imponha limites na cooperação internacional. A condução das ações ainda se difunde entre o que é previsto na Constituição Federal, no Código de Processo Penal, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e o estabelecido nos acordos bilaterais. “O vazio normativo pela ausência de lei tem causado uma situação bastante complicada”, afirma Pereira Neto. “Quando possível, o contato direto seria muito positivo”.

Um exemplo da insegurança dos responsáveis pelas investigações é uma recente decisão do Supremo, sinalizando pela possibilidade da assistência direta que foi mais tarde cassada pelo ministro Marco Aurélio. O futuro da prática ganhou contornos ainda mais incertos com a transferência do STF para o Superior Tribunal de Justiça da competência para acolher ou não a solicitação do MP, determinada pela Emenda Constitucional 45 (primeira parte da Reforma do Judiciário). A expectativa, agora, é de como o regimento interno — já aprovado em caráter provisório — será interpretado pelos ministros do tribunal.

Nele há a previsão de garantir antecipação de tutela para que seja obtido o imediato bloqueio dos bens do investigado antes da remessa do pedido de auxílio do país estrangeiro. “Mas o mais provável é que o STJ adote uma postura conservadora”, opina a procuradora da Fazenda Nacional e coordenadora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça Wannine Lima. “É difícil que eles passem da negação do pedido de quebra de sigilo com base no conceito da soberania para a abertura total do instituto”.

A falta de normas tem também conseqüência na forma de procedimento de procuradores e promotores. Muitas vezes, falta conhecimento ao Ministério Público até de quem deve ser o destinatário dos pedidos de investigação. “Há um certo desconhecimento de quem é a autoridade central”, diz Pereira Neto.

De acordo com o procurador-geral da Suíça Daniel Zappelli, solicitações de cooperação internacional são negadas pelo simples fato de o formulário não estar devidamente preenchido. Nesse caso, quando há dúvidas em relação ao procedimento, diz ele, é “mais vantajoso contratar advogados suíços que possam dar conselhos do que perder a ação”.

Limites do sigilo

Afora a burocracia, em alguns casos, as autoridades responsáveis pela investigação podem meter os pés pelas mãos no afã de combater o crime. Se de um lado a resistência do Judiciário em quebrar sigilos, por exemplo, pode dificultar o trabalho do MP, de outro, o exagero no ato também pode ser danoso. “Temos de ter o cuidado para usar os métodos modernos de investigação de forma racional. Além do perigo de agressão à proteção da esfera privada, devemos considerar que eles são muito custosos”, diz o juiz federal especializado em lavagem de dinheiro Sérgio Fernando Moro.

Para ele, não há porque sair por aí quebrando sigilos bancários, fiscais e telefônicos a torto e a direito — o que pode comprometer a eficiência das investigações. Afinal, os dados obtidos terão de ser analisados e, aqui, muita informação pode significar nenhuma informação. “Não podemos fazer o que é chamado de fishing expedition, ou seja, jogar a rede para ver o que sai do mar”, afirma Moro.

É certo que as normas brasileiras, se comparadas às dos Estados Unidos e da Suíça são imensamente mais rigorosas. Segundo o promotor distrital de Nova York Richard Preiss, não há segredo bancário nos EUA. Lá, o cidadão não tem direito à privacidade sobre sua movimentação financeira sobre o governo. “Isso não quer dizer que eu saiba o que acontece na conta-corrente do meu vizinho”, afirma. Mas quer dizer que não há necessidade de autorização judicial para que a vida financeira de um suspeito seja investigada, como acontece por aqui.

Na Suíça, muito porque não há divisão entre poder Judiciário e Ministério Público — todos fazem parte do ministério da Justiça — os próprios promotores podem bloquear a conta de um suspeito de crimes financeiros por até seis meses, também sem ter de recorrer à Justiça. A prática, se não atinge diretamente a pessoa física ou jurídica, impede que ela movimente os valores transferidos ilicitamente e que reivindique direitos sobre o dinheiro — o montante fica sob os cuidados de quem administra a offshore para onde ele foi repassado.

A rapidez na investigação dos países para onde geralmente o dinheiro lavado é mandado, por razões que vão da estabilidade monetária do Estado até a segurança financeira de suas instituições bancárias, traz à tona mais uma vez o problema da burocracia do sistema Judiciário brasileiro. “Nossas decisões oficiais não são muito longas mas isso não tem muito valor quando o procedimento estrangeiro sobre o crime ainda não terminou ou nem começou”, diz o promotor suíço Daniel Zappelli.

Prender ou recuperar

Discute-se, assim, a possibilidade de o juiz brasileiro leiloar os bens do investigado a qualquer momento do processo. A idéia é que ele tenha competência para ir além da apreensão e do estoque das propriedades do acusado de lavagem de dinheiro. “A intenção é que o bem seja transformado em unidade financeira. Caso o suspeito seja absolvido, pode-se ainda restituir o que foi arrestado”, afirma Wannine Lima. Segundo a procuradora da Fazenda Nacional, pegar de volta os valores resultantes de crime é a fase mais difícil do procedimento, mas ao mesmo um dos meios mais importantes de combate à organização criminosa.

Isso porque, no momento em que o dinheiro é tirado das mãos da suposta quadrilha, sua capacidade de operação se torna inviável — ela ficará impossibilitada de financiar uma fuga, por exemplo. “Os juizes, promotores e procuradores brasileiros precisam inserir na cultura das investigações e condenações a necessidade de identificação do produto do crime e da decretação da perda dos valores”, diz. “Fomos preparados para prender pessoas, mas não para recuperar o produto do crime”.

Para facilitar o combate à lavagem, o Ministério da Justiça prepara um anteprojeto de lei que pretende ampliar a lista de crimes que podem ser enquadrados na Lei 9.613 (lavagem de dinheiro). Elaborado em conjunto com a Receita Federal, o Ministério Público e a Advocacia Geral da União, a proposta foi acatada pela Febraban — Federação Brasileira de Bancos. A intenção é que todos os atos que envolvam ocultação de ativos provenientes de infração penal sejam enquadrados na lei, entre eles sonegação fiscal, roubo de carga e jogo do bingo. O projeto deve ser encaminhado ao Congresso ainda este ano.

Para Wannine, a cooperação esbarra ainda em problemas práticos como a fragilidade, a falta de planejamento e estratégia das investigações, e a transferência do ônus da prova ao país com o qual se formou o convênio. “Não podemos pedir que eles quebrem o sigilo no exterior sem que isso seja antes feito no Brasil”, diz. Segundo o procurador da República em Curitiba, Vladimir Aras faltam ainda capacitação, tecnologia e bancos de dados informatizados e acessíveis. “Temos de ter cuidado para fazer uma cooperação coordenada e orgânica, tendo o cuidado de evitar a obtenção de provas no exterior que possam ser caracterizadas como ilícitas”, diz.

A dificuldade se estende sobre a compatibilidade mínima das normas constitucionais: pode-se pedir a colaboração para incriminar um suspeito por crimes que não estejam previstos em ambos os países? Em todos os casos, a resposta pode parecer mais simples do que parece. “Basta retirar o telefone do gancho e ligar para os responsáveis pelas investigações no outro país”, diz Richard Preiss. A comunicação, assim como a rapidez, pode ser a chave do sucesso no combate à lavagem de dinheiro.

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