Dever de empregador

Aposentado por doença ocupacional tem direito a plano de saúde

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12 de agosto de 2005, 13h43

Empregado aposentado por causa de doença ocupacional tem direito de continuar usando o plano de saúde fornecido pela empresa, nas mesmas condições oferecidas ao pessoal em atividade. Com esse entendimento, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas (SP), determinou que o Banco Itaú inclua um ex-empregado e familiares no plano de saúde, com os mesmos critérios aplicados aos empregados na ativa.

O banco foi condenado, ainda, a pagar indenização de R$ 5 mil, por danos morais, ao ex-empregado, já que cancelou o plano de saúde do funcionário após aposentadoria por invalidez. As informações são do TRT de Campinas.

O juiz relator do caso, Edison dos Santos Pelegrini entendeu que o ato praticado pelo banco causou “constrangimento e humilhação ao trabalhador, sobrevivendo dos parcos proventos da aposentadoria por invalidez, não podendo se socorrer de atendimento médico particular sem prejuízo do sustento familiar. O empregado sentiu na pele a discriminação por estar aposentado por invalidez”.

Caso concreto

Ex-empregado do banco entrou com reclamação trabalhista na 2ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente, pedindo que fosse mantido seu plano de saúde antigo ou que o aumento da mensalidade fosse igual ao dos empregados da ativa.

De acordo com o trabalhador, depois de prestar serviços ao banco por mais de 17 anos, aposentou-se por invalidez decorrente de acidente do trabalho. A empresa informou que seria necessária a adesão a um novo plano de saúde, mas com reajuste de 280% na mensalidade. O ex-empregado não teve como suportar os gastos do plano.

O banco alegou que por causa da aposentadoria do trabalhador, o contrato de trabalho foi extinto. Para empregados ativos, foi mantida a taxa familiar do plano de saúde. Para os aposentados foi estabelecida uma taxa individual, com o custo assumido integralmente pelos conveniados.

Segundo a empresa, os aposentados não possuem os mesmos direitos dos empregados ativos. O Itaú foi condenado em primeira instância e entrou com Recurso Ordinário no TRT.

“De que adianta ter um plano de saúde com infinitas coberturas se a mensalidade é impagável?”, questionou o juiz Edison dos Santos Pelegrini. O relator constatou que a mensalidade do plano de saúde, para os trabalhadores, foi reajustada 25%, enquanto que para os aposentados o reajuste foi de 256%.

“Evidente que o reajuste não é compatível com a capacidade contributiva do ex-empregado, sobretudo em se tratando de pessoa que está aposentada por invalidez, inclusive sem possibilidade de uma segunda fonte de renda”, afirmou Pelegrini.

Para o relator, o ex-empregado não pode ser tratado como mero aposentado, pois está aposentado por invalidez. O trabalhador adquiriu doença ocupacional, no desempenho de atividades em favor do banco, depois de quase 17 anos de serviços prestados. Segundo o julgador, a aposentadoria por invalidez não extingue o contrato de trabalho, apenas suspende os seus efeitos.

Leia a íntegra do acórdão

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO TRT N° 00452-2004-115-15-00-9 RO

ORIGEM – VARA DE PRESIDENTE PRUDENTE 2ª

RECORRENTE: BANCO ITAÚ S.A.

RECORRIDO: PAULO AUGUSTO BURGO

JUIZ SENTENCIANTE: MARCOS ROBERTO WOLFGANG

PLANO DE SAÚDE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MANUTENÇÃO DE CONDIÇÕES OFERECIDAS AO PESSOAL DA ATIVA. MAJORAÇÃO ABUSIVA. REPARAÇÃO POR DANO MORAL.

I – Empregado aposentado por invalidez decorrente de doença ocupacional, equivalente a acidente do trabalho, tem direito de continuar usufruindo do plano de saúde concedido pelo empregador, nas mesmas condições oferecidas ao pessoal em atividade, mormente assumindo o pagamento integral da mensalidade (art. 31 da Lei nº. 9.656/98).

II – É ilegal e abusivo reajuste da ordem de 256% da contribuição do aposentado inválido, sobretudo considerando que a majoração da mensalidade do pessoal da ativa foi de apenas 25%, para as mesmas coberturas, ferindo o princípio da isonomia, merecendo a manutenção do plano de saúde, inclusive por meio de tutela antecipada, diante da natureza do benefício.

III – Cabível também a reparação por danos morais decorrente do cancelamento do plano de saúde, pois isso aconteceu em razão do aumento escorchante da mensalidade, incompatível com o poder aquisitivo do jubilado, causando-lhe sofrimento pela exclusão funcional, além de sentimento de desvalia.

Sentença mantida.

Inconformada com a r.sentença de fls. 109/118, que julgou PROCEDENTE EM PARTE a reclamatória ajuizada, recorre ordinariamente a parte reclamada, com as razões de fls. 122/129, insurgindo-se, em suma, contra a sua condenação para viabilizar a filiação do reclamante ao plano de saúde oferecido, observando-se os mesmos critérios aplicados aos empregados da ativa para efeito de reajustes e de forma de cálculo da mensalidade do titular, dependentes e agregados, alegando que o valor da mensalidade foi majorado porque se trata de plano novo de assistência médica; que com a aposentadoria por invalidez do recorrido, restou extinto o contrato de trabalho, cabendo a manutenção da assistência médica ao empregado aposentado desde que assuma o pagamento integral do plano como beneficiário; discorda da antecipação da tutela concedida e também da sua condenação na indenização por danos morais. Por fim, requer-se a reforma do julgado de origem.


Custas processuais à fl. 131.

Depósito recursal à fl. 130.

Contra-razões às fls. 137/144.

É o breve relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário interposto, eis que presentes os seus pressupostos de admissibilidade.

DA ASSISTÊNCIA MÉDICA – APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

“Ab initio”, em sinopse, registre-se que esta ação foi originariamente intentada perante a Justiça Estadual, cujo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente se deu por incompetente em razão da matéria, tendo sido remetido os autos à Justiça do Trabalho, distribuído para a 2ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente, foi suscitado conflito negativo de competência, conhecido e declarado competente o Juízo Trabalhista, pela C. Segunda Seção do E. STJ.

A r. sentença de fls. 109/118, julgou procedente em parte o pedido, concedeu antecipação da tutela para reabilitação do plano de saúde e condenou o Banco no pagamento de indenização por danos morais. O reclamado recorreu e concomitantemente ajuizou Ação Cautelar neste E. TRT visando à suspensão dos efeitos da tutela antecipatória, cujo feito foi distribuído a este Relator, tendo sido julgada improcedente (Processo nº. 1968-2004-000-15-00-3).

O reclamante alega, na prefacial, em síntese, que ingressou no Banco reclamado em 25/03/85, tendo trabalhado até 31/12/02, quando se aposentou por invalidez decorrente de acidente do trabalho. Pagava mensalmente o plano de saúde familiar, sendo que a partir de 31.10.03 teve seu plano de saúde cancelado por não ter firmado adesão ao novo plano apresentado pelo reclamado, cujo valor da mensalidade era 280% (duzentos e oitenta por cento) maior do que o plano anterior. Alega, ainda, que para os empregados da ativa foram oferecidas condições mais benéficas na assistência médica, inclusive quanto ao valor do custeio. Pleiteia a manutenção no plano de saúde antigo, ou, que o aumento da mensalidade se dê nos mesmos moldes fixados para os empregados da ativa.

O reclamado sustenta que em razão da aposentadoria do reclamante, seu contrato de trabalho encontra-se extinto, não possuindo o aposentado os mesmos direitos dos empregados ativos.

Em sua contestação, à fl. 81, disse expressamente o reclamado: Para os empregados ativos, foi mantida a taxa familiar, o que, diga-se de passagem, não era mais o caso do reclamante, e aos aposentados foi estabelecida uma taxa individual, com o custo assumido integralmente pelos conveniados, como é o caso em análise.

Não se olvida da prerrogativa do empregador de livremente buscar alternativas de contratação de planos de saúde que melhor ofereçam coberturas para seus empregados. Aliás, essa iniciativa e a consecução não merecem censura; ao contrário é motivo de regozijo, cuja prática deve ser incentivada, tendo por finalidade a máxima do custo-benefício.

No entanto, na implementação de mudanças de planos de saúde, não se pode descuidar da realidade sócio-econômica dos participantes. De que adianta ter um plano de saúde com infinitas coberturas se a mensalidade é impagável? É verdade que o Banco, hábil como sempre, foi diligente na negociação do plano de saúde para o pessoal da ativa, pois conseguiu aumentar as coberturas sem comprometer a capacidade de contribuição do pessoal (veja-se que no exemplo citado pelo juízo sentenciante, a mensalidade de R$ 120,00 passou para R$ 150,00, aumento de 25% (fl. 111).

Entrementes, para o caso do reclamante houve distorção, pois para manter o mesmo plano de saúde, com as mesmas coberturas e mesmos dependentes, a mensalidade saltou de R$ 126,38, para R$ 450,00, acréscimo de 256%! (fl. 111). Evidente que o reajuste não é compatível com a capacidade contributiva do reclamante, sobretudo em se tratando de pessoa que está aposentada por invalidez, inclusive sem possibilidade de uma segunda fonte de renda.

Na verdade, o reclamante não pode ser tratado como mero aposentado, embora esteja, uma vez que está aposentado, mas por invalidez, decorrente de doença ocupacional adquirida no trabalho que desempenhou a favor do reclamado nos longos anos de atividade funcional, trabalhou por mais de dezesseis anos.

Aliás, é sabido que a aposentadoria por invalidez não rescinde o contrato de trabalho, apenas suspende os seus efeitos, confira-se:

O art. 475 da CLT é de clareza solar, in verbis:

Art. 475. O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício.

A legislação previdenciária também prevê: art. 47 da Lei n° 8.213/91:

Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:

I – quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:


Sergio Pinto Martins assim aborda a questão, in verbis:

“O art. 475 da CLT considera que o empregado aposentado por invalidez terá seu contrato de trabalho suspenso durante o prazo fixado pela previdência para a efetivação do benefício. Cancelada a aposentadoria, mesmo após 05 anos, o trabalhador terá direito a retornar ao emprego na mesma função, sendo facultado ao empregador indenizá-lo na forma da lei (§ 1° do art. 475 da CLT)” (in Direito da Seguridade Social, editora Atlas, 17ª edição, pág 337).

Nesse sentido, igualmente, a Súmula n° 160 do C. TST, in verbis:

Aposentadoria por invalidez Cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco anos, o trabalhador terá direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei.

Portanto, denota-se que a aposentadoria por invalidez apenas suspende o contrato de trabalho, porquanto, a qualquer momento, mesmo depois de cinco anos da concessão do benefício, poderá ser cancelada, no caso de o segurado recuperar a capacidade de trabalho, total ou parcialmente.

Pois bem, configurada no caso proposto a suspensão do contrato de trabalho, o reclamante mantém ainda a condição de empregado da reclamada, devendo, portanto, receber o mesmo tratamento dado aos empregados da ativa, mormente no que diz respeito à assistência médica concedida aos empregados em atividade, sob pena de o princípio da isonomia ser quebrado.

Vale dizer que preservado o contrato de trabalho, mesmo que suspenso, gera efeitos, de modo que o convênio médico oferecido aos empregados deve ser mantido também para o reclamante, nas mesmas condições concedidas ao pessoal da ativa, mormente considerando a finalidade do benefício e a natureza da aposentadoria concedida. De sorte que, o plano de saúde coletivo é de extrema importância pessoal, familiar e social, haja vista a precariedade do serviço de saúde pública.

Além disso, o artigo 31, caput, da Lei nº 9.656/98, citada pelo recorrente, de forma clara dispõe:

Art. 31. Ao aposentado que contribuir para plano ou seguro coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o pagamento integral do mesmo. Sublinhei.

No caso, veja-se que o reclamante não se nega a arcar com o pagamento integral do benefício, entretanto, requer que o reajuste do seu plano de saúde ocorra nos mesmos moldes do pessoal da ativa, o que não foi observado pelo reclamado, conforme se infere do conjunto probatório e o demonstrado alhures, donde se constata que a mensalidade do plano de saúde do reclamante sofreu aumento exorbitante.

Logo, não houve observância pelo reclamado do disposto no artigo 31 da Lei nº 9.656/98, porquanto, mesmo que se entenda que o reclamante seja aposentado, a manutenção do plano de saúde deve ocorrer nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho.

Por fim, qualquer outra alegação do ora recorrente naufraga no oceano da divagação.

Com efeito, mantém-se a bem posta sentença no tópico, que determinou ao reclamado proceder à inclusão no plano de saúde do reclamante e seus familiares dependentes, no padrão de cobertura indicado, observando-se os mesmos critérios que forem aplicados aos empregados na ativa para efeito de reajuste e de forma de cálculo de mensalidade para titular, dependentes e agregados.

DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Afiguram-se-nos presentes os pressupostos concessivos da tutela antecipada requerida, em relação à manutenção do plano de assistência médica. Porquanto, o fumus boni iuris é evidenciado pelo teor da matéria objeto da demanda e dos precedentes desta C. Corte, no sentido de acolher a tese de que a aposentadoria por invalidez não extingue o contrato de trabalho, mormente à vista dos fundamentos alhures. O periculum in mora também se faz sentir, uma vez que se trata de um benefício intimamente ligado à saúde do trabalhador e de seus familiares dependentes, cuja demora na concessão poderá acarretar sérios prejuízos ao reclamante e à sua família, inclusive à sua saúde que já se encontra comprometida em razão de doença ocupacional, podendo sofrer agravamento caso não disponha de recursos para tratamento cabível e de viver condignamente, nos moldes em que estava acostumado.

Com efeito, preenchidos os pressupostos exigidos pelo art. 273 do CPC, sobretudo a certeza da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, visando assegurar o resultado útil do processo (art. 461, CPC), agiu acertadamente o juízo de origem em conceder a tutela antecipada na forma deferida pela r. sentença recorrida. Mantém-se.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Incontroverso que o reclamado, em 31.10.03, cancelou o benefício da assistência médica concedido ao reclamante e seus dependentes, o que lhe causou constrangimento e humilhação, na medida em que impediu que tivesse acesso a uma assistência médica digna, mormente considerando a condição de enfermo (doença profissional), sobrevivendo dos parcos proventos da aposentadoria por invalidez, não podendo se socorrer de atendimento médico particular sem prejuízo do sustento familiar. Ademais, é cediço que, de regra, a assistência médica pública existente no Brasil é uma verdadeira “roleta russa”. Além disso, o reclamante sentiu na pele a discriminação por estar aposentado por invalidez, pois, conforme visto alhures, recebeu do reclamado tratamento diferenciado e abusivo em relação ao que fora dado aos empregados da ativa. Certamente a mensagem que ficou gravada na mente do reclamante não foi nada reconfortante…

Aliás, arguta a ponderação do juízo sentenciante (fl. 115): Fácil imaginar a inquietude e a angústia do reclamante ao ver a si e a sua família, de uma hora para outra, sem condições de manter a cobertura de um plano de saúde, ficando a mercê de um sistema público deficiente, para dizer pouco. Igualmente a diferença de tratamento dispensado aos funcionários que se encontravam trabalhando e àqueles aposentados certamente causou um sentimento de desvalia.

Por conseguinte, afetando o íntimo, o moral do reclamante, dá azo a reparação por dano moral, eis que esses valores estão ao abrigo da Lei Maior – art. 5º, V e X, da CF.

Destarte, segundo a melhor doutrina, para que haja dano extrapatrimonial indenizável é imprescindível que concorram os seguintes requisitos: a) um interesse sobre um bem que haja sofrido diminuição ou destruição, pertencente a uma pessoa; b) a lesão ou o sofrimento deve afetar um interesse próprio; c) deve haver certeza ou efetividade do dano, ou seja, o dano deve ser certo; d) existência de dolo ou culpa do agente. Assim, temos que no caso vertente os referidos requisitos restaram configurados.

Com efeito, impõe-se a reparação pecuniária, levando-se em consideração a intensidade do sofrimento e as demais circunstâncias pessoais e econômicas emergentes dos envolvidos, cujo valor arbitrado pela origem em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), como forma de reparar o dano moral sofrido pelo reclamante, afigura-se-nos razoável.

ISTO POSTO, decido conhecer do recurso do reclamado; negar-lhe provimento, manter intacta a r. sentença de origem, nos termos da fundamentação.

EDISON DOS SANTOS PELEGRINI

Juiz Relator

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