Lula blindado

Não há elementos jurídicos para embasar cassação de Lula

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11 de agosto de 2005, 18h11

As declarações de Duda Mendonça à CPI dos Correios de que ele recebeu R$ 10 milhões não contabilizados pagos por meio de uma offshore nas Bahamas e que esse valor é proveniente de caixa 2 do PT provocaram alvoroço no Congresso. O clima é de final de Copa do Mundo — dezenas de pessoas se aglomeram em frente aos telões espalhados pela casa legislativa — e deputados cogitam abrir um processo de cassação contra o presidente da República.

Se houver pedido de impeachment, no entanto, diante dos fatos revelados até agora, será apenas conseqüência de vontade política. Juridicamente, o mandato de Lula não é abalado pelas informações dadas pelo marqueteiro.

Para que fosse processado por crime eleitoral, as acusações contra Lula teriam de ser feitas durante o processo eleitoral ou em até 15 dias depois de sua diplomação. Passado esse período, o crime prescreve. Não há, assim, possibilidade de anulação do pleito nem de o candidato colocado em segundo lugar José Serra assumir o posto.

“O papel da Justiça Eleitoral não é cassar, mas fiscalizar e certificar-se que o processo eleitoral respeitou o previsto na lei. Ademais, o suposto ilícito não ocorreu durante o exercício do mandato eletivo”, diz o advogado especialista em Direito Eleitoral Ricardo Penteado.

Com ele concorda a advogada Fatima Nieto. “Para que o presidente fosse sujeito à pena eleitoral os fatos deveriam vir à tona durante a campanha eleitoral ou em até no máximo 15 dias depois da diplomação, o que não é o caso”, afirma. “Mesmo porque a oposição sempre vai estar atrás de elementos para justificar o fraco desempenho eleitoral”. Não seria razoável submeter o presidente eleito a todo tipo de acusação vinda da oposição que, para ela, sempre vai procurar meios de responsabilizar o eleito por condutas ilícitas.

A situação é idêntica mesmo fora da esfera eleitoral. Apesar das declarações de Duda Mendonça, não foi comprovado até agora o envolvimento direito do presidente Lula no esquema. Também não há ainda indícios suficientes para abertura de processo criminal. Tem-se até aqui a materialidade do crime (a evasão de divisas e a obtenção de dinheiro ilícito) mas não há, como determina o Direito Penal, a prova da autoria.

Para que o presidente da República possa ser incriminado, há de se provar que o dinheiro saiu ou de uma conta de sua titularidade ou por meio de ordem administrativa assinada de próprio punho. O que também ainda não é o caso.

As semelhanças com o impeachment de Fernando Collor de Mello, cassado também por formação de caixa 2, de acordo com o professor de Direito Constitucional do Mackenzie João Antônio Wiegerinck, terminam no fato de que foram encontrados documentos comprovando que Collor dava ordem para a captação de recursos ilícitos. Contra Lula, ainda não há nada desse tipo. “O que se deve apurar agora é de que conta saiu o dinheiro e de quem é essa conta. Esses valores têm de ter saído da conta de alguém. Se ela é uma conta jurídica, há de se descobrir quem é o responsável dentro da empresa pela remessa”, afirma.

Também no Supremo Tribunal Federal, Lula, em tese, poderia ser processado apenas se comprovado que o esquema de captação ilegal de recursos se deu durante seu mandato ou que ele, por exemplo, autorizava o pagamento do suposto mensalão.

Para o advogado Alberto Rollo, no entanto, as colocações de Duda Mendonça são “altamente comprometedoras, inclusive para o presidente. Será que ele [Lula], apesar de todos os laços com o responsável por sua campanha, não sabia de nada?”, questiona. “A blindagem ao presidente já está desgastada e as afirmações [de Duda Mendonça] colocam Lula em uma situação bastante perigosa”, afirma.

Por enquanto, a pessoa mais inclinada a sofrer qualquer processo é o marqueteiro, que numa ação extrema da Procuradoria da Fazenda poderia até ser preso em flagrante por crime contra o sistema financeiro nacional. O mais provável, no entanto, é que ele seja intimado a depor para explicar os crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e até enriquecimento ilícito.

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