Pena proporcional

Law garante semi-aberto sem direito a saída temporária

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11 de agosto de 2005, 14h46

O empresário Law Kin Chong conseguiu, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o direito de ser transferido da Superintendência da Polícia Federal em Brasília para uma penitenciária própria de regime semi-aberto — de segurança menos reforçada que o normal. Os desembargadores, no entanto, negaram a ele o direito a saídas temporárias.

O empresário e o despachante Pedro Lindolfo Sarlo são acusados de tentar subornar o deputado federal Luiz Antônio Medeiros (PL-SP), presidente da CPI da Pirataria. Sarlo foi preso no momento em que entregava dinheiro para Medeiros excluir o nome de Chong do relatório final da CPI. Chong foi preso no dia seguinte, acusado de ser o mandante da negociação.

O juiz federal da 5ª Vara Criminal de São Paulo, Sílvio Luiz Ferreira da Rocha, condenou Chong a quatro anos de reclusão, em regime inicialmente semi-aberto, e ao pagamento de multa pela prática do crime previsto no artigo 333 do Código Penal. Nessa decisão, o juiz negou o direito do empresário de apelar em liberdade. Ferreira da Rocha entendeu que o réu poderia usufruir do benefício para fugir do país.

Tanto o Ministério Público Federal quanto a defesa de Chong recorreram da decisão. A acusação pedia o aumento da pena e a fixação do regime fechado. Já a defesa requereu que Chong pudesse aguardar o desfecho de todas as apelações no regime imposto pela sentença.

O relator do recurso no TRF-3, desembargador federal Johonsom Di Salvo, acatou o pedido, determinando a remoção do empresário para o regime prisional com regras do semi-aberto, “já que não teria sentido que — mesmo achando-se ainda detido por força da condenação recorrível — ficasse sujeito a cárcere mais penoso do que aquele reservado para o próprio cumprimento da pena”.

No entendimento do desembargador, estar preso no núcleo de custódia da PF é cumprir a pena no regime fechado. “Definido na sentença condenatória um regime de cumprimento de pena mais suave do que o fechado, ainda que o réu deva permanecer preso cautelarmente parece difícil justificar que fique em regime mais severo do que o dado na sentença”, observou.

Johonsom Di Salvo manteve o empresário sem a possibilidade das saídas temporárias por considerar que “o paciente persiste preso porque permanecem os motivos que ensejaram sua prisão preventiva”.

Leia a íntegra da decisão

PROC.: 2005.03.00.061574-9 HC 22350

ORIG.: 200461810041681/SP

IMPTE: LUIZ FERNANDO SA E SOUZA PACHECO

IMPTE: ANDRE PIRES DE ANDRADE KEHDI

PACTE: LAW KIN CHONG réu preso

ADV: LUIZ FERNANDO SA E SOUZA PACHECO

IMPDO: JUIZO FEDERAL DA 5ª VARA CRIMINAL SÃO PAULO SP

RELATOR: DES.FED. JOHONSOM DI SALVO / PRIMEIRA TURMA

VISTOS EM DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LAW KIN CHONG e destinado a viabilizar a sua imediata transferência para o regime aberto, com expedição de guia de execução provisória porque já cumpriu provisoriamente um sexto (1/6) da pena que lhe fora imposta na sentença condenatória (fls. 37/75) ou, alternativamente, que pudesse aguardar o desfecho das apelações interpostas no regime imposto pela sentença (semi-aberto); é o que consta de fl. 28, fine. Foi pedida a “liminar”.

O paciente foi condenado (fls. 37/75) ao cumprimento de 04 anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de multa pela prática do crime previsto no artigo 333, caput, do Código Penal.

A sentença foi proferida pelo Juiz Federal da 5ª Vara Criminal de São Paulo, o digno dr. Sílvio Luiz Ferreira da Rocha, autoridade ora apontada como coatora, na ação penal nº 2004.61.81.004168-1. Nessa decisão foi negado ao paciente o direito de apelar em liberdade, reiterando-se como fundamentação os motivos que ensejaram a sua prisão cautelar durante toda a tramitação da ação penal e também porque agora, com a condenação, o réu, estrangeiro, poderá ser furtar à aplicação da lei penal, ocultando-se ou fugindo do país.

Da r. sentença condenatória foram interpostos recursos pela acusação e pela defesa (fls. 81/87 e 88). A acusação pleiteia a elevação da pena imposta e a fixação de regime fechado para o cumprimento da pena, seja pela consideração da pena, que se pretende aumentada, seja pela análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal. Por sua vez, a defesa apresentará as razões recursais diretamente no Tribunal. Na presente impetração, alega-se constrangimento ilegal em decorrência do indeferimento pela autoridade apontada como coatora tanto de pedido de execução provisória da sentença como da imediata colocação do paciente no regime prisional nela fixado, bem assim também do desconto da prisão cautelar no regime semi-aberto (fls. 100/103).

Segundo a inicial, o paciente, que permaneceu preso durante toda a instrução processual, deveria ser agraciado desde logo com o regime aberto em face de detração penal ou, alternativamente, ser imediatamente colocado em regime semi-aberto (aquele fixado na sentença condenatória recorrida) porque, mesmo com a interposição de recurso pela acusação, tal circunstância não impede a execução provisória da sentença consoante dispõe a Súmula 716 do Supremo Tribunal Federal.


Argumenta-se, ainda, que mesmo na hipótese do paciente ser obrigado, após novo julgamento, a regredir para regime mais gravoso do que o semi-aberto, o constrangimento que terá sofrido será muito menor do que o pretendido pela autoridade impetrada, que agora o mantém em “regime fechado” para acautelamento do processo, baseando-se apenas na probabilidade de provimento do recurso da acusação. Insiste a impetração que o senhor LAW KIN CHONG, preso preventivamente desde 1º de junho de 2004 já está em cárcere por mais de um sexto (1/6) da pena que lhe foi imposta – e que na pior das hipóteses é a que deverá cumprir – e, portanto, faz jus ao regime aberto, já que a sentença lhe impôs regime semi-aberto. Por isso, pleiteia-se a expedição da guia de execução provisória para que o paciente possa obter a progressão de regime prisional.

DECIDO:

Pelo menos em sede de summaria cognitio própria do momento em que se apreciam pleitos de liminares, não há como levar em conta o pedido de pronta concessão de regime aberto em favor do paciente, por progressão, somente à vista de haver ele cumprido até o presente, em sede de prisão cautelar, mais de um sexto (1/6) da reprimenda imposta e que, na pior das hipóteses, será a pena que ele deverá descontar.

Está a impedi-lo o texto do artigo 112 da Lei nº 7.210/84 que exige a apreciação de questão de fato – bom comportamento no cárcere – e um requisito formal, a prévia audiência do Ministério Público.

Ainda, tenho para mim que o habeas corpus não é a sede própria para postular a progressão de regime.

Ademais, a respeito da impropriedade da pretendida progressão de regime em momento de custódia cautelar deve-se colacionar a seguinte e elucidativa decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – LIMINAR DENEGADA EM OUTRA IMPETRAÇÃO – SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL – PRISÃO CAUTELAR – PROGRESSÃO NO REGIME DE CUMPRIMENTO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – NÃO-CABIMENTO – PRECEDENTES.

– Consoante reiterada jurisprudência, salvo caso de manifesta ilegalidade, a negativa de liminar requerida em outra ordem não configura constrangimento ilegal passível de reparação via Habeas Corpus.

– Em se tratando de prisão cautelar, por isso que pendentes de apreciação as apelações interpostas contra as sentenças condenatórias, não há que se falar em regime de cumprimento de pena, que se refere à execução definitiva.

– Habeas Corpus não conhecido. (HC n° 26.845/SP, Corte Especial, Rel. Min. Peçanha Martins, j. 17/3/2004 – destaquei)

Remanescem duas outras questões: expedição da chamada guia de execução sob o signo de provisoriedade, já que a condenação pendede julgamento de recursos ofertados pelas partes, e o pleito de remoção do paciente para o regime prisional com regras do semi-aberto (aquele imposto na sentença) já que não teria sentido que – mesmo achando-se ainda detido por força de condenação recorrível – ficasse sujeito a cárcere mais penoso do que aquele reservado para o próprio cumprimento da pena.

Sempre entendi que a prisão decorrente da sentença condenatória recorrível (e recorrida) continua com sua índole cautelar mesmo que seja sucedâneo imediato da prisão preventiva ou da prisão em flagrante que motivaram a mantença do réu no cárcere ao longo da instrução criminal.

Essa parece ser hoje a posição do Supremo Tribunal Federal como se verá adiante e é a postura com que o Superior Tribunal de Justiça compreende a providência, como visto do acórdão acima.

Manter o réu na prisão na seqüência da condenação que é contrastada por apelações deve-se a necessidade de resguardar a aplicação da pena e o meio social, razões que na esteira do artigo 312 do Código de Processo Penal justificaram a medida cautelar que vigorou antes do ato decisório de mérito e nele foi mantida (fl. 75).

Não vejo a prisão derivada da condenação recorrível (e recorrida) como antecipação do cumprimento da pena privativa de liberdade que tem a sentença condenatória como título justificativo.

Trata-se, a meu ver, de prisão ainda cautelar que tem a chamada “cadeia pública” como sede de execução material (artigo 102 da Lei nº 7.210/84), salvo as hipóteses da chamada prisão especial; é privação de liberdade cujo regime é inegavelmente o “fechado”. É nesse regime que se encontra o paciente, recolhido no núcleo de custódia da Polícia Federal em Brasília (fl. 105).

É certo que o núcleo de custódia da Polícia Federal não se espelha nas cadeias públicas (ainda que hoje neste Estado tenham outro nome) espalhadas pelo Brasil, autênticos depósitos de presos, enxovias medievais mantidas por governantes insensíveis à idéia de que a prisão deve ser dura mas não desumana.

Mas ainda assim é cárcere sob regime “fechado”. Ora, se na pior das hipóteses o paciente for mesmo condenado, haverá de descontar 04 anos de reclusão em regime semi-aberto; segue daí que não tem propósito mantê-lo, quando a sua custódia ainda é cautelar, em regime mais severo. Definido na sentença condenatória recorrida um regime de cumprimento de pena mais suave do que o fechado, ainda que o réu deva permanecer preso cautelarmente parece difícil justificar que fique em regime mais severo do que o dado na sentença. Ou seja: discrepa da proporcionalidade necessária no âmbito da Jurisdição Criminal que o rigor da pena definitiva deva ser menor do que aquele ínsito à prisão cautelar.


Nesse sentido se orienta a Súmula n° 716 do Supremo Tribunal Federal: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinado, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Anoto que essa súmula não faz distinção entre trânsito em julgado para a acusação e para a defesa.

Dentre os precedentes que justificaram a súmula encontram-se julgados no sentido do pensamento antes exposto por este Relator.

Confira-se:

“E M E N T A:

I. Habeas corpus: competência do STF: não é substitutivo de recurso ordinário de habeas corpus, de modo a deslocar-se para a competência do STJ, a impetração cujo objeto, embora anteriormente ventilado em habeas corpus perante o Tribunal de Origem, foi depois reiterado, sem êxito, em recurso por ele desprovido (precedente: HC 71.431, 28.6.94, Moreira Alves).

II. A prisão decorrente de decisão condenatória recorrível – quando admitida, conforme o entendimento majoritário no STF (e não obstante a presunção constitucional de não culpabilidade), independentemente da demonstração de sua necessidade cautelar -, constitui verdadeira execução provisória da pena que não se deve efetivar em regime mais severo que o da eventual condenação definitiva.

III. Conseguinte admissibilidade da progressão de regime de cumprimento da pena ou de aplicação imediata do regime menos severo determinado na sentença, tanto mais quanto sujeita apenas a recurso de defesa (cf. HC 68.572, Neri da Silveira, Lex 159/263) ou, como ocorre no caso, a apelação de assistente do Ministério Público, que não tem efeito suspensivo (C.Pr.Pen., art. 598).”

(HC n° 72.162/MG, 1a Turma, j. 7/3/95, Rel. Min. Sepúlveda Pertence – destaquei)

“EMENTA: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PROGRESSAO PARA O REGIME SEMI-ABERTO. PACIENTE QUE SE ENCONTRA RECOLHIDO EM PRISÃO ESPECIAL. PRECEDENTES DA CORTE.”

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 72.565-1, decidiu no sentido da possibilidade de progressão de regime prisional, quando ainda não haja trânsito em julgado da decisão condenatória, mesmo estando o apenado em prisão especial, por ser portador de diploma de curso superior.

Na hipótese dos autos, o paciente atende aos requisitos objetivos e subjetivos indispensaveis, pois já cumpriu mais de um sexto da pena que lhe foi imposta e submeteu-se a exame criminologico, realizado em cumprimento a decisão judicial.

Decisão impetrada que ao deferir a progressão, mas condicionar o gozo do beneficio ao ingresso do paciente no sistema penitenciário — por ser inconciliável com a natureza do regime semi-aberto a sua permanência em prisão especial — se encontra em desacordo com a jurisprudência da Corte.

Habeas corpus deferido, para conceder ao paciente a progressão para o regime prisional semi-aberto.” (HC n° 73.760/RJ, 1a. Turma, j. 14/5/96, Rel. Min. Ilmar Galvão – destaquei)

Anoto que, apesar de não concordar com a natureza de execução antecipada que o Supremo Tribunal Federal emprestava à prisão decorrente da sentença condenatória ainda recorrível (no que parece que voltou atrás, como se vê de HC n° 79.376/RJ, j. 24/9/2002, HC n° 72.441/TO, j. 10/9/99) afigura-se-me adequado, como já disse, entender que a prisão cautelar não deve ser cumprida em regime mais severo do que aquele imposto para desconto da pena que eventualmente será a definitiva.

Existe jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive mencionada na inicial desta ação, qual seja, o HC nº 36.969/MG, de Relatoria do Min. Gilson Dipp, no sentido da possibilidade de execução provisória ainda que pendente recurso da acusação, ressaltando-se ser este o entendimento mais recente da Quinta Turma daquela Colenda Corte.

É ponderável, ainda, a afirmação feita pelos impetrantes no sentido de que, mesmo que o apelo ministerial seja acolhido e o regime de cumprimento de pena seja agravado, ainda assim é melhor para o paciente que possa ele no momento ser remetido ao regime que a condenação provisória lhe impôs.

Em conclusão: a prisão provisória, cautelar, decorrente da sentença condenatória recorrível pode ser cumprida do modo menos gravoso que a sentença assegurou para o desconto da pena privativa de liberdade, pois se assim não for o Estado estará exigindo do réu um plus indevido já que o máximo que a ele pode ocorrer num processo penal é descontar a reprimenda privativa de liberdade na forma como lhe impôs o Judiciário.

Mas resta um problema: a pretendida expedição de guia de execução provisória.

Problema para mim, não para os Tribunais Superiores que – como já visto – não vêem óbice na expedição de guia de execução provisória (apesar de entenderem que a prisão decorrente da sentença é cautelar…) mesmo pendente recurso da acusação.

Mas o dilema se resolve conforme as exigências do mundo real. Se ao paciente ora se concede o ingresso antecipado no regime semiaberto, deverá ser obtida vaga para ele na Colônia Agrícola ou estabelecimento penitenciário congênere, tal como definido no artigo 91 da Lei nº 7.210/84.

Sucede que ninguém ingressará em estabelecimento penitenciário senão à vista da guia expedida pela autoridade judiciária (artigo 117 da Lei das Execuções Penais).

Destarte, não há como instrumentalizar ou viabilizar materialmente a concessão do benefício ao paciente – ingresso no regime semi-aberto – se não for expedida uma guia de execução. Que há de ser provisória, pois a definitiva (se houver) dependerá do trânsito em julgado da condenação.

Por fim, ainda que este Relator esteja concedendo em parte a liminar rogada, uma imposição deve ser feita dada a incompatibilidade da prisão cautelar com o benefício de “saída temporária” assegurada a quem ingressa no regime semi-aberto (artigo 122 da Lei nº 7.210/84).

Assim, de modo algum deverá ser autorizada a “saída temporária” de que cuida o mencionado dispositivo, haja vista que não é demais lembrar que o paciente persiste preso porque permanecem os motivos que ensejaram a sua prisão preventiva (fl. 2.448 da r. sentença – fl. 75 destes autos).

Por estes fundamentos, defiro em parte o pedido de medida liminar para o fim de determinar ao r. Juízo de origem a expedição de guia de execução provisória em favor do paciente – mas com nota expressa de impossibilidade absoluta de concessão de saídas de que cuida o artigo 122 da Lei nº 7.210/84 – providenciando vaga para o senhor LAW KIN CHONG em estabelecimento penitenciário próprio de regime semi-aberto da rede estadual.

Publique-se. Comunique-se.

Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal para parecer.

São Paulo, 05 de agosto de 2005.

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