Evasão de divisas

Justiça tranca ação penal contra o ex-jogador Bebeto

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11 de agosto de 2005, 15h49

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região trancou a ação penal a que o ex-jogador de futebol Bebeto — José Roberto Gama de Oliveira — respondia por crime de evasão de divisas. Os desembargadores concederam Habeas Corpus ajuizado pela defesa de Bebeto. Cabe recurso.

A ação tramitava na 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Bebeto foi denunciado pelo Ministério Público Federal por crime de evasão de divisas porque recebeu não declarou o recebimento de US$ 1,5 milhão ao Banco Central.

Na época, junho de 1992, o jogador tratava sua transferência para o Deportivo La Coruña, na Espanha. O valor recebido era referente ao contrato de cessão feito entre o Vasco da Gama e o La Coruña.

Na denúncia, o Ministério Público Federal afirmou que Bebeto morava no Brasil na época da assinatura do contrato com o clube europeu e que, por isso, teria cometido o crime de evasão de divisas. A defesa do ex-jogador, no entanto, demonstrou que o depósito em dinheiro foi recebido na Espanha, onde Bebeto trabalhava e residia.

Isto tornaria a denúncia improcedente porque não teria ocorrido a evasão de divisas. A defesa também advertiu para a prescrição do crime, já que a denúncia foi oferecida em 2004 e os fatos ocorreram em 1992. A informação é do TRF-2.

No entendimento do relator do processo, desembargador federal André Fontes, ficou provado que o pagamento foi feito em moeda estrangeira, quando o ex-jogador morava na Europa e, portanto, não há indícios de que tenha sido efetuada alguma operação de câmbio indevida.

“Na realidade, se se recebe em moeda estrangeira lá residindo, qual o câmbio? Qual a divisa que se quer evadir. A que nunca foi internalizada? Não há lastro probatório mínimo que justifique, no caso, a persecução, conquanto se reconheça a escassez da doutrina no momento de discutir este elemento específico do dolo”, decidiu o desembargador.

André Fontes, porém, rejeitou o argumento de prescrição da denúncia. Para ele, não ocorreu a prescrição já que a assinatura do contrato foi feita no dia 6 de junho de 1992. O desembargador destacou que a pena máxima para o crime de que o jogador foi acusado é de seis anos e, conforme o Código Penal, o prazo para prescrição aplicável ao crime é de doze anos, que não haviam ainda transcorrido em 16 de janeiro de 2004, quando a denúncia foi feita.

Processo 2004.02.01.008834-0

Leia a íntegra da decisão

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE FONTES

IMPETRANTE: JOAO MESTIERI E OUTRO

IMPETRADO: JUIZO DA 5A. VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE: JOSE ROBERTO GAMA DE OLIVEIRA

ADVOGADO: JOAO MESTIERI E OUTRO

REQUERENTE: JULIO LEITÃO

PACIENTE: JOSÉ DE MORAES CORREIA NETO

ADVOGADO: JULIO LEITÃO E OUTROS

ORIGEM: QUINTA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (9600675791)

DECISÃO

JULIO LEITÃO, em requerimento às fls. 75-76, propugnou pela extensão dos efeitos, em favor do paciente JOSÉ DE MORAES CORREIA NETO, do julgado proferido pela Sexta Turma desta Corte nestes autos, e que determinou o trancamento da ação penal nº 96.0067579-1 em relação a JOSÉ ROBERTO GAMA DE OLIVEIRA.

Determinado o processamento do requerido, com a juntada de cópias do decidido nos autos do habeas corpus nº 2004.02.01.006850-9, impetrado em favor de JOSÉ DE MORAES CORREIA NETO, quando denegada a ordem, à unanimidade (fls. 75-103).

Informações da autoridade impetrada (fls. 110-113).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do DR. ROGÉRIO SOARES DO NASCIMENTO às fls. 117-119, opinou pelo indeferimento do requerimento de extensão.

É o sucinto relatório. Decido.

Várias questões impedem o exame da providência requerida. A primeira delas, ventilada pelo Ministério Público, aponta a distinção quanto às situações jurídicas do paciente nestes autos, JOSÉ ROBERTO GAMA DE OLIVEIRA e do beneficiário do requerimento de extensão, JOSÉ DE MORAES CORREIA NETO, como se extrai dos fundamentos da manifestação ministerial, verbis:

“Eis o cerne da decisão que concedeu a ordem ao jogador BEBETO (fls. 67):

‘Trata-se de efetiva descrição de conduta atípica, pois impossível fazer inserir no art. 22, já que o depósito de dinheiro recebido fora do Brasil quando lá se residia por trabalho efetuado no exterior em nada se assemelha com evasão de divisas’.

O colegiado, acompanhando por maioria o douto desembargador relator, entendeu que o crime não se caracterizou pelo fato de BEBETO residir, à época da remessa de divisas, na Espanha. É bem verdade que o signatário, assim como o desembargador prolator do voto vencido, consideram que o então réu, beneficiado na ordem que se quer ver estendida, não comprovou, de fato, que morava naquele país. Esse é o tema do Recurso Especial que está sendo interposto em separado.

De qualquer forma, certo é, repita-se, que a decisão concedendo a ordem de habeas corpus se fundou numa circunstância pessoal: o local de moradia de BEBETO à época dos fatos imputados na denúncia.

Ora, o artigo 30 do Código Penal esclarece que não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Por isso o artigo 580, do CPP, aplicável na ação mandamental por analogia, em coerência com a previsão de ordem concedida de ofício, do art. 654 § 2º do mesmo Código, limita a extensão de efeitos aos acórdãos com fundamento estritamente objetivo (STF HC 82.582-RJ, DJ de 04/04/2003 e HC 74.121-RJ, DJ de 20/09/1996 entre outros).

Inexistindo identidade de fato, ou seja, quando a base empírica da decisão é diferente, não há como nem porque falar em estender a ordem, e, vale frisar, o local de moradia do agente, dado de ordem pessoal, foi circunstância tomada como preponderante para a descaracterização do crime do art. 22 da Lei 7.492-86.

Portanto, residindo JOSÉ DE MORAIS CORRÊA NETO, então procurador do jogador, no Brasil – coisa que em nenhum momento foi questionada nos autos – não pode o mesmo pretender ser beneficiado pelos efeitos da decisão concessória deste habeas corpus. Trata-se de situações jurídicas nitidamente distintas. A ação penal em que é denunciado JOSÉ DE MORAIS deve, sim, continuar. Tanto mais que, à vista de fls. 113, o referido processo já se encontra bastante adiantado, ‘em fase de conclusão de prova de acusação’, nas palavras da juíza a quo.

Desta forma, este órgão opina pelo indeferimento do pedido de extensão formulado por JOSE DE MORAES CORREIA NETO” (fls. 117-119).


Tal fato já ensejaria o indeferimento, de plano, do requerido por JULIO LEITÃO à fl. 75.

Contudo, como se verifica nas folhas em anexo, MICHEL ASSEFF, por meio do Habeas Corpus nº 39.049-RJ, impetrado em favor do paciente no Superior Tribunal de Justiça, sendo indeferida a liminar pleiteada, consoante se infere na decisão abaixo transcrita:

“Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado por Michel Assef em favor do paciente José de Moraes Correia Neto, Conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, contra suposto ato coator praticado pela egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região.

Segundo narra o impetrante, o paciente foi denunciado juntamente com os acusados Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, então Vice-Presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama, e José Roberto Gama de Oliveira, jogador de futebol conhecido como “Bebeto”. A denúncia, consoante afirma, decorreu da transferência do passe do mencionado jogador de futebol para o clube espanhol denominado “Deportivo La Coruña”. À época em que realizada a transação, meados de 1992, o paciente era procurador do aludido jogador de futebol, de modo que participou das negociações promovidas entre o clube brasileiro e o espanhol. Em decorrência desse aspecto, o paciente também seria beneficiado com a transferência do jogador para exterior, cujo montante era de US$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil dólares).

Do total do valor envolvido na negociação, US$ 1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinqüenta mil dólares) seriam devidos ao Clube de Regatas Vasco da Gama, US$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil dólares) pertenceriam ao jogador e os US$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares) restantes ao procurador, ora paciente.

Nos termos em que formulado o contrato, a teor do que argumenta o impetrante, o valor atribuído ao paciente e ao jogador seriam pagos quando estivessem na Espanha, de sorte que apenas lhes restaria trazer o dinheiro para o Brasil, mediante o recolhimento de todos os impostos devidos.

Afirma o impetrante que a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal, com amparo no artigo 22 da Lei n. 7.492/86, seria inepta, visto que recolheu os impostos incidentes sobre a transação de transferência do referido jogador, bem como careceria de justa causa, porquanto o paciente não promoveu a imputada evasão de divisas, mas tão-somente enviou o dinheiro recebido no exterior para o Brasil.

Salienta o impetrante, outrossim, que não lhe cabia observar as diretrizes do Banco Central do Brasil, no aspecto relativo à transferência de jogadores para o exterior, pois não era detentor do passe do atleta, o qual pertencia apenas ao Clube de Regatas Vasco da Gama.

Além dos elementos anteriormente esposados, adverte o impetrante que a denúncia foi oferecida em 2004, a despeito de os fatos imputados ao paciente terem ocorrido em 1992, o que culminaria com a prescrição em abstrato da pretensão punitiva, nos moldes do artigo 109, III, do Código Penal.

É o relatório.

Cumpre salientar, desde logo, que o habeas corpus merece ser conhecido apenas em parte, uma vez que a mera perquirição acerca do procedimento com que se desenvolveu o suposto envio ou a evasão de divisas enseja dilação probatória, insuscetível de ser viabilizada por meio deste remédio constitucional (RHC 15.815/PI, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 18.10.2004, p. 298).

A par dos elementos constantes dos autos, constata-se que a inépcia da denúncia apontada pelo impetrante está adstrita à circunstância de o paciente ter realizado procedimento inverso àquele tipificado pelo artigo 22 da Lei n. 7.492/86, ou seja, simplesmente ter encaminhado para o Brasil o dinheiro decorrente de sua participação na transferência do atleta, e não por ter remetido ao exterior esse mesmo valor.

Com efeito, não restam dúvidas de que a averiguação da forma com que desdobrado o envio ou evasão dessas divisas comporta o deslinde de questões que demandam aprofundado exame e valoração do conjunto de fatos e provas, não passíveis de exame em sede de habeas corpus.

No que concerne à ausência de justa causa, é pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que esta somente deve ser reconhecida, por meio de habeas corpus, caso “se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito” (HC 33.375/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 16.08.2004, p. 273).

Ora, mediante o estrito juízo de prelibação promovido em habeas corpus, verifica-se que os fatos narrados na denúncia não evidenciam, desde logo, uma inequívoca atipicidade da conduta, a qual somente poderá ser demonstrada após a imprescindível instrução criminal (HC 33.232/MS, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ. 20.09.2004, p. 336).

Em relação aos indícios de autoria e materialidade, tampouco pairam nos autos elementos que os refutem, afinal o próprio impetrante reconhece que o paciente era procurador do atleta e intermediou a negociação com o clube espanhol.

Acerca da prescrição em abstrato da conduta típica imputada ao paciente, impende salientar que a pena cominada para o delito de evasão de divisas, tipificado pelo artigo 22 da Lei n. 7.492/86, é de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão e multa.

Nos termos do que preconiza o artigo 109, III, do Código Penal, “se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito”, o crime prescreve em doze anos. À medida que o fato imputado ao paciente ocorreu em 30.01.1992, conforme afirmado no inquérito policial (fl. 32), e a denúncia foi recebida em 16.01.2004, verifica-se que não transcorreu integralmente o prazo prescricional de 12 (doze) anos.

Aliás, ainda que não tenha ocorrido a prescrição em abstrato, também “carece totalmente de amparo jurídico, em nosso sistema processual penal, a denominada prescrição antecipada que tem como referencial condenação hipotética” (HC 30.300/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 15.12.2003, p. 339).

Pelo que precede, conheço em parte do habeas corpus e, na parte conhecida, indefiro o pedido de liminar.

Solicitem-se as informações da autoridade apontada como coatora no prazo de 10 (dez) dias.

Encaminhe-se e intime-se a douta Subprocuradoria-Geral da República para que se manifeste no prazo regimental.

Brasília (DF), 08 de novembro de 2004.

MINISTRO FRANCIULLI NETTO, Relator” (grifou-se).


Salvo engano, do requerimento ora apreciado, não se colhe, efetivamente, qualquer fato novo e distinto do abordado outrora nos autos do habeas corpusnº 2004.02.01.006850-9, e objeto de writ substitutivo de recurso ordinário que se processa na Corte Superior, cuja liminar, como transcrito acima, foi indeferida. Logo, ressai uma inversão relativamente à competência, com revisão por magistrado de corte inferior do decidido por magistrado com assento em corte imediatamente superior. A outra conclusão não se chega, dado que o deferimento da ordem ao paciente JOSÉ ROBERTO GAMA DE OLIVEIRA, se traduz, às claras, em situação distinta, mais parecendo o requerimento em questão em mais uma tentativa, dentre tantas, de livrar o pretenso beneficiário da extensão das barras da Justiça.

Ora, inviável esta Corte, em qualquer hipótese, rever o decidido por Corte Superior, diante de óbices intransponíveis, de ordem constitucional.

Por fim, o Eminente Relator do Habeas Corpus nº 39.049, Ministro FRANCIULLI NETO, em despacho publicado em 29 de março, adota inúmeras providências, destacando-se, in casu, a que “em virtude da superveniência de posse no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, por parte do réu José de Moraes Correia Neto, acolho a manifestação da douta Subprocuradoria-Geral da República (fl. 158), de modo que determino seja encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça a Ação Penal n. 96.0067579-1, que tramita perante a 5ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro”.

O fato relevante para que houvesse alteração superveniente, nos termos do despacho supratranscrito, quanto à competência para o processamento e julgamento da ação penal em que JOSE DE MORAES CORREIA NETO figura como acusado é a sua posse no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, elemento já observado por ocasião do indeferimento da liminar pelo Ministro Relator, em 8 de novembro de 2004, ou seja, em data anterior à protocolização do requerimento aqui examinado.

Em decorrência, não poderia o requerente, ante a manifesta incompetência desta Corte, propugnar pela extensão dos efeitos, como decidido em favor de JOSE ROBERTO GAMA DE OLIVEIRA. Conquanto entenda o requerente que este Tribunal Regional possa apreciar a providência pleiteada, a realidade sinaliza em sentido diverso, como até assentado tanto em sede doutrinária como jurisprudencial.

Nestes termos, indefiro liminarmente o requerimento de extensão dos efeitos, formulado à fl. 75.

Comunique-se ao Eminente Ministro FRANCIULLI NETO, do Superior Tribunal de Justiça, e Relator do Habeas Corpus nº 39.049-RJ o teor desta decisão, que deverá ser instruída com cópia integral destes autos.

Decorrido prazo para eventual recurso, dê-se baixa e arquive-se.

Publique-se.

Intime-se.

Oficie-se.

Em 3 – 5 – 2005.

ANDRÉ FONTES

Relator

Desembargador do TRF da 2ª Região

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