Expurgos inflacionários

Brasil Telecom deve pagar multa de FGTS para ex-funcionária

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11 de agosto de 2005, 16h58

O juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, da 19ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou a Brasil Telecom a pagar R$ 711,96 para uma ex-funcionária, valor correspondente a 40% de multa sobre o FGTS. A multa diz respeito a expurgos inflacionários decorrentes dos Planos Verão e Collor e foi estabelecida em ação sindical contra a Caixa Econômica Federal, que transitou em julgado em 16 de novembro de 2001.

Benedita Lemos do Prado trabalhou na empresa de telefonia fixa até 27 de junho de 1999, quando foi dispensada sem justa causa. Recebeu da operadora todas as verbas rescisórias e, na ocasião, a empresa se comprometeu, segundo relata a ação, a pagar a multa do Fundo de Garantia assim que fosse estabelecido o valor principal, mas não cumpriu.

A Brasil Telecom alegou prescrição de prazo já que, conforme o inciso XXIX do artigo 7º da Constituição, Benedita teria prazo de dois anos a partir da data da demissão para buscar o benefício. Para a empresa, como o contrato terminou em junho de 1999, esse prazo já estaria extinto. A operadora não reconheceu a contagem dos dois anos a partir do trânsito em julgado.

Em seu pedido, a ex-funcionária afirmou que só pôde buscar seu direito quando soube do valor estipulado pela ação sindical.

O juiz Grijalbo Coutinho reconheceu os argumentos de Benedita, que não pôde exercer seu direito nos dois anos seguintes à rescisão do contrato por circunstâncias alheias à sua vontade. “É evidente que, estando em curso ação judicial para discutir o principal (diferenças do FGTS), (…) não há de se falar em início de prazo prescricional para requerer o depósito da diferença da multa de 40% daí decorrente antes da liberação do valor primeiro reconhecido”.

Para ele, não é “um bom exemplo” que uma empresa do porte da Brasil Telecom “deixe de pagar uma dívida trabalhista inferior a muitas das contas individuais que recebe mensalmente apenas sob o pálio argumento de que ‘o empregado dormiu no ponto’”.

Assim, Coutinho considerou que o prazo começou a contar em 18 de agosto de 2005, quando a ação sindical contra a Caixa transitou em julgado. Como Benedita reclamou a diferença em 13 de junho de 2005, não teriam passado ainda os dois anos. O juiz também concedeu o benefício de Justiça gratuita para a ex-funcionária.

Leia a íntegra da sentença

PROCESSO : 00597-2005-019-10-00-5

RECLAMANTE: BENEDITA LEMOS DO PRADO

RECLAMADA : BRASIL TELECOM S.A – TELEBRASÍLIA BRASIL TELLECOM

Aos dez dias do mês de agosto do ano de 2005, perante a Eg. 19 VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA-DF, sob a direção do MM. Juiz do Trabalho Titular GRIJALBO FERNANDES COUTINHO, realizou-se a audiência relativa ao processo identificado em epígrafe.

A audiência teve início às 17h15, momento em que foram apregoadas as partes.

Presentes os que assinam esta ata.

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação trabalhista em que BENEDITA LEMOS DO PRADO alegando pagamento da multa de 40% sem a repercussão dos expurgos inflacionários reconhecidos como devidos pelo Poder Judiciário (16,06% e 44,80%), pretende receber a diferença daí decorrente, no valor de R$ 501,71, além de honorários assistenciais, juros e correção monetária, com a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Deu à causa o valor de R$ 711,96.

A inicial veio acompanhada dos documentos de fls 09/11.

Em sua contestação, a reclamada, BRASIL TELECOM S.A – TELEBRASÍLIA BRASIL TELECOM, argüi a prescrição total da pretensão obreira para, no mérito, invocar a tese do ato jurídico perfeito, trazendo aos autos os documentos de fls 32/45.

Manifestação obreira sobre a defesa e documentos apresentada pela autora às fls 46/49.

Sem outras provas, a instrução processual foi encerrada( fl 50).

Infrutíferas as tentativas conciliatórias.

De forma resumida, é o relatório.

II – FUNDAMENTOS

1- PRESCRIÇÃO

Diz a reclamante, em sua exordial, que foi dispensada em 27 de junho de 1999. Acrescenta que em decorrência da decisão proferida nos autos Nº 95.002878-6 (AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA), ajuizada pelo Sindicato de sua categoria profissional (Sinttel-DF) contra a Caixa Econômica Federal, foi a depositária do FGTS condenada a providenciar a recomposição do saldo de sua conta vinculada, a título de expurgos inflacionários( 16,06% e 44, 80%), cujo acórdão transitou em julgado em 16 de novembro de 2001.

Julga a reclamante, portanto, ser credora da diferença da multa de 40% sobre o FGTS.

Contrapondo-se ao pedido, a reclamada invoca a prejudicial de prescrição sob o fundamento de que extinto o contrato em 27.06.1999, o direito encontra-se fulminado porque não exercido o direito de ação no biênio legal, conforme estabelece o artigo 7

º, inciso XXIX. Rechaça a possibilidade da contagem do prazo somente a partir do trânsito em julgado da decisão da Justiça Federal ou da publicação da Lei Complementar Nº 110/2001.


Em nome do princípio da eventualidade, a empresa não admite que o prazo constitucional possa ser contado somente a partir do recebimento do principal pela reclamante junto à Caixa Econômica Federal, lembrando, de maneira enfática, que “o direito não socorre aos que dormem (“Dormientibus non sucurrit jus)”.

Ao emitir pronunciamento sobre a defesa, o reclamante afirma que o direito de buscar as diferenças decorrentes da multa de 40% do FGTS somente surgiram quando do recebimento do principal perante à Caixa Econômica Federal, ou seja, em 18 de agosto de 2003, data em que tomou conhecimento do valor apurado e do respectivo saldo de sua conta.

Vamos aos fatos incontroversos nos autos:

a) A reclamante foi dispensada, sem justa causa, em 27 de janeiro de 1999( fl 10), tendo recebido as suas verbas rescisórias em 02 de fevereiro de 1999, com a expressa ressalva de que fazia jus, mas não recebeu naquela ocasião, as diferenças do FGTS e da multa de 40%, parcela última aqui reivindicada(fl 10 verso);

b) Houve compromisso, por parte da empresa, no ato da rescisão contratual, no sentido de proceder “o correto levantamento dos valores do FGTS e a sua quitação”. A reclamada, de forma expressa, assumiu compromisso de realizar o depósito das diferenças da multa de 40% tão logo fosse solucionada a questão principal.

d) A decisão proferida nos autos do processo Nº 95.002878-6, que tramitou na Justiça Federal, reconheceu o direito da autora receber diferenças do FGTS junto à Caixa Econômica Federal, fruto dos expurgos inflacionários ocasionados pelos denominados “Planos Verão e Collor”, nos índices já apontados, fato que não foi contestado especificamente pela reclamada( CPC, artigo 302; CLT, artigo 769);

e) Também deve ser considerada verdadeira a assertiva que noticia o trânsito em julgado da decisão antes comentada no dia 16 de novembro de 2001 (fls 03 e 11. Aplicação dos mesmos dispositivos citados no parágrafo anterior );

f) A reclamante levantou a diferença de FGTS depositada pela CEF, fruto do êxito obtido pelo seu sindicato em ação judicial que tramitou na Justiça Federal, no dia 18 de agosto de 2003( fl 11).

A Carta Política assegura o direito de ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato (artigo 7º, inciso XXIX).

No caso concreto dos autos, a controvérsia reside sobre o termo inicial do (actio nata) prazo prescricional para reclamar parcela acessória que estava a demandar, antes de tudo, pronunciamento sobre o fato principal por juízo diverso, envolvendo, inclusive, partes não coincidentes com os litigantes do presente processo.

A interpretação literal da norma apontada na defesa poderia conduzir ao raciocínio da prescrição fulminante do pleito, método de interpretação, que pela própria dogmática presente, nem sempre se revela o mais adequado, em especial quando despreza a finalidade e o sentimento ético do comando em debate.

É evidente que a prescrição, mesmo que integrante do rol dos Direitos Sociais, inserida ao lado do direito de ação, é a contrapartida que o constituinte originário ofereceu aos patrões brasileiros,frente às garantias asseguradas à classe trabalhadora. Poderia se dizer que o empregador também é detentor do direito de ação nos prazos ali estipulados. Trabalhemos, no entanto, com o ordinário, que é o do ajuizamento de ação trabalhista pelo empregado-credor. Tanto é assim que durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, a bancada ruralista fez a festa no Congresso Nacional ao eliminar o prazo prescricional mais benéfico concedido aos empregados rurais (Emenda Constitucional Nº 28, de maio de 2000). A prescrição extintiva beneficia, pois, o devedor, lançada sob o argumento de que é preciso alguma segurança nas relações sociais, o que supostamente não ocorreria com prazos longos para buscar a reparação de direito junto ao Poder Judiciário.

Conceitua Maurício Godinho Delgado a prescrição extintiva “como o meio pelo qual o devedor se exime de cumprir uma obrigação em decorrência do decurso do tempo”.

A Lei Nº 8.036/90, na esteira da legislação anterior sobre o tema, fixou o prazo de trinta anos para a cobrança de regularidade dos depósitos do FGTS, interpretação jurisprudencial reafirmada na Súmula Nº 362, do TST, com a ressalva de que deve ser observado o prazo de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

Retornemos à polêmica que paira sobre o momento em que a autora podia exercer o direito de ação para postular as diferenças da multa de 40% sobre o FGTS.

Evaristo de Moraes Filho (“introdução ao direito do trabalho”, São Paulo, LTr, 2ª Edição, 1978, pagina 289), citado por José Luiz Ferreira Prunes, assinala que “o prazo prescricional começa a correr do momento em que a parte interessada tiver conhecimento da lesão do seus direito, isto é, do momento em que pode ser exercida a ação( actio nata)”.


É evidente que estando em curso ação judicial para discutir o principal (diferenças do FGTS), contra pessoa diversa, responsável pelo adimplemento da obrigação (CEF), não há se falar em início do prazo prescricional para requerer o depósito da diferença da multa de 40% daí decorrente, antes da liberação do valor primeiro reconhecido.

Não seria sequer admissível que a autora buscasse o acessório (diferença da multa de 40%) antes da solução definitiva da demanda envolvendo o pedido de pagamento do FGTS oriundo dos expurgos inflacionários. Além do mais, o fato de o sindicato obreiro ter ajuizado ação em desfavor da CEF, reivindicando a parcela principal, ainda que perante à Justiça Federal, pode ser encarado como causa interruptiva da prescrição( artigo 172, I, do CCB).

Aliás, foi a própria reclamada, que se comprometeu a depositar a diferença da multa de 40%, tão logo lhe fosse apresentado o extrato do FGTS com o depósito providenciado pela CEF decorrente da decisão proferida pela Justiça Federal. Mas assim não procedeu.

Preferiu a empresa apostar na tese do velho conceito construído por gerações distantes no sentido de “que o direito não socorre aos que dormem”(fl 22). Estamos tratando de uma parcela com raiz social conferida à empregada, que por circunstâncias alheias à sua vontade não pode exercer o direito de ação durante o prazo de dois anos após a extinção do contrato, não surgindo, em tal interregno, o actio nata.

Do mesmo modo, não estamos diante da agilidade e da esperteza dos lances rápidos oferecidos nos leilões e pregões das bolsas de valores , capazes de permitir a venda do patrimônio nacional em fração de segundos e em condições excepcionais, muitas vezes com o financiamento do próprio dinheiro público, parque construído a custo de sangue, suor e lágrimas da classe trabalhadora brasileira. O povo trabalhador não quer usufruir de nenhuma vantagem, muito menos pretende participar dos conchavos realizados por alguns dos poderes da República para beneficiar os grupos de sempre.

Mas também, como é absolutamente natural, quer ver respeitado o Princípio Constitucional da dignidade da Pessoa Humana( CF, artigo 1º, inciso III), recebendo o que fez jus pelo seu próprio esforço, ainda que migalhas possam representar para quem deveria pagar o débito.

Busquemos o sentimento ético do Direito que, dentre outras funções, encontra-se o de dar a cada um o que efetivamente faz jus. Numa época de responsabilidade social do empregador, não é sequer recomendável que uma empresa da magnitude da reclamada, a qual tem como clientes praticamente todos os usuários do sistema telefônico do Distrito Federal e milhões de outros Brasil afora, simplesmente deixe de pagar uma dívida trabalhista inferior a muitas das contas individuais que recebe mensalmente apenas sob o pálio argumento de que “o empregado dormiu no ponto”. Ao proceder deste modo, a riqueza acumulada pela Brasil Telecom exterioriza a pobreza de atitude em relação ao mais nobre dos sentimentos humanos: a valorização da vida digna do trabalhador brasileiro. Este, definitivamente, não é um bom exemplo.

A Constituição Federal Cidadã de 1988 jamais pretendeu premiar a “esperteza” dos que dispõem dos melhores meios materiais para não cumprir os princípios e garantias ali previstos. A sua efetividade requer a prática de ações cotidianas por parte dos particulares e do poder público. A impessoalidade das relações comerciais e do lucro a qualquer custo, em negócio tão rentável como o desenvolvido pela Brasil Telecom, estão longe de autorizar a conduta anti-social adotada pela reclamada em relação a uma humilde trabalhadora que tem direito inquestionável de receber diferença do FGTS inferior a dois salários mínimos.

Com base em tais considerações, tenho que o prazo prescricional para reclamar a diferença da multa de 40% do FGTS somente surge após o levantamento da parcela principal (actio nata) por força de decisão judicial, quando, na verdade, nasce o direito, de maneira indiscutível.

Tendo a reclamante levantado o FGTS depositado pela CEF, após decisão judicial transitado em julgado, em 18 de agosto de 2003 e ajuizado a presente ação em 13 de junho de 2005, rejeito a prescrição suscitada.

2 – ATO JURÍDICO PERFEITO

No mérito, agita a reclamada a tese do ato jurídico perfeito, argumentando que pagou a parcela reivindicada de acordo com a legislação vigente (cita o artigo 6º, do CCB, bem como o artigo 5º, inciso XXXVI, da CF).

Apesar do disposto na Lei Nº 110, de 29 de junho de 2001, o direito à correção do FGTS pelos expurgos inflacionários a ela não está condicionado, sendo fruto de reiteradas decisões judiciais proferidas sob o ângulo de legislação anterior.

E aqui nada mais apropriado do que a decisão citada na réplica, da lavra do Juiz Gérson Lacerda Pistori( fl 47).

Reconhecido o principal por decisão judicial transitada em julgado, defiro o pedido de pagamento da multa de 40% do FGTS, nos exatos limites da inicial, cujo valor indicado não foi impugnado de modo específico (CPC artigo 302; CLT, artigo 769), bem como os juros e correção apontados.

3- BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA

Declarando ser pobre, como de fato o é, pela prova dos autos, a reclamante faz jus aos benefícios da justiça gratuita.

4- HONORÁRIOS ASSINTENCIAIS

Preenchidos os requisitos da Lei Nº 5584/70, defiro o pedido de honorários assintenciais, como reivindicado na exordial.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, rejeito a prescrição para julgar procedentes os pedidos, condenando a reclamada, BRASIL TELECOM S.A TELEBRASÍLIA BRASIL TELECOM, a pagar à reclamante, BENEDITA LEMOS DO PRADO, no prazo legal, as verbas reivindicadas na petição inicial, tudo nos estritos termos da fundamentação, que fica integrando o presente dispositivo.

Juros e correção monetária na forma da lei.

As parcelas deferidas possuem natureza indenizatória, à exceção dos honorários, sobre os quais incidirão as contribuições previdenciárias.

O valor deferido não comporta a cobrança do imposto de renda, estando na faixa da isenção legalmente concedida.

Custas de R$ 14,23 (quatorze reais e vinte e três centavos), pela reclamada, calculadas sobre R$ 711, 96, valor da condenação corrigido até o dia do ajuizamento da ação (13 de junho de 2005).

Ciente a reclamante .

Intime-se a reclamada.

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz do Trabalho Titular

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