Falta de provas

Acusada de furtar R$ 22 ganha indenização de R$ 16 mil

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11 de agosto de 2005, 21h11

Empregador que acusa o empregado de furto e não prova, exerce de forma abusiva o seu direito de defesa do patrimônio e deve indenizar o trabalhador. Com este entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) condenou a Pizzaria e Restaurante do Guerra a reparar com R$ 16 mil um ex-empregada demitida por justa causa sob a acusação de desviar R$ 22 do caixa.

A pizzaria prestou queixa à Polícia Civil, que instaurou Inquérito Policial e, em seguida, arquivou-o “por falta de base para denúncia”.

Inconformada com a atitude do ex-empregador, a trabalhadora ingressou com processo na 3ª Vara do Trabalho de Santos (SP) pedindo que a demissão fosse considerada sem justa causa, com o pagamento das verbas rescisórias devidas e indenização pelos danos morais sofridos.

Segundo testemunhas na ação, no dia em que o dono da pizzaria acusou a reclamante do furto, o cheque estava “na mão” do patrão e que, além da autora, “mexiam no caixa o proprietário, sua esposa, sua filha e uma funcionária”.

A vara entendeu que a pizzaria não comprovou a falta grave da ex-empregada, determinando a reversão da justa causa e o pagamento de indenização por danos morais. Contra a decisão, a empresa entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho paulista.

De acordo com o relator do recurso no tribunal, juiz Valdir Florindo, para que o furto seja caracterizado é necessária “a comprovação da posse mansa e pacífica da res furtiva pelo autor do crime”. Mas no caso, segundo ele, não ficou comprovado que a empregada estivesse de posse do valor reclamado pela pizzaria. “Ao contrário, a prova testemunhal é no sentido de que o valor esteve sempre nos domínios da ré”.

Para Florindo, houve abuso de direito, com ofensa à trabalhadora, a seus sentimentos e honra, bens que “compõem a estrutura da personalidade”. De acordo com o juiz, “a indenização por danos morais é uma das formas de reparar e preservar a imagem do empregado e, por conseguinte, assegurar a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da constituição do nosso Estado Democrático de Direito”.

Os juízes da 6ª Turma, por unanimidade, condenaram a pizzaria a pagar todas as verbas rescisórias devidas pela demissão sem justa causa, além de indenização por danos morais de R$ 16,2 mil, o equivalente a 50 salários da ex-empregada.

RO 01548.2002.443.02.00-7

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO Nº 01548.2002.443.02.00-7 6ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: PIZZARIA E RESTAURANTE DO GUERRA LTDA ME

RECORRIDO: SIMONE GONÇALVES DIAS FERREIRA

03ª VARA DO TRABALHO DE SANTOS

EMENTA: Inquérito Policial. Dano Moral.

A recorrente ao imputar fato típico, previsto no estatuto penal no art. 155, à reclamante e não o provando de forma sólida, conforme extrai-se do conjunto probatório presentes nestes autos em fl. 63, através do qual se verifica que o inquérito policial instaurado pela ré foi arquivado por ordem de autoridade judiciária, por falta de base para denúncia, bem como, ante o fato de ter chamado a autoridade policial ao seu estabelecimento, humilhando-a perante seus colegas de trabalho, a ré extrapolou os limites do respeito a pessoa humana, exercendo de forma abusiva o seu direito de defesa do patrimônio, fazendo jus a reclamante à reparação por danos morais.

RELATÓRIO

A autora postulou em sua exordial (fls.03/10) requerendo vínculo empregatício em face da reclamada referente ao período entre 04.09.99 a 31.11.01. Requer, ainda, verbas contratuais, dentre elas o pagamento de indenização por danos morais e rescisórias decorrentes de tal período.

Ao contestar o feito (fls.39/44), a reclamada aduz inexistir o vínculo empregatício alardeado. Impugna os demais pedidos, requerendo a improcedência da ação.

Após instruído o feito, a r. sentença de fls. 88/93 julgou procedente em parte a reclamatória, declarando a inexistência de vínculo empregatício entre a reclamante e a ré, condenando a reclamada ao pagamento das verbas rescisórias e contratuais, inclusive ao pagamento de indenização por danos morais, decorrentes do referido período.

A reclamada interpõe recurso ordinário às fls.101/113, postulando a reforma do julgado na parte que lhe foi desfavorável. Aduz que não deve prosperar a condenação ao pagamento das verbas rescisórias, conforme determinação do juízo “a quo”, ante a reversão da dispensa com justa causa da autora para dispensa imotivada. Do mesmo modo insurge-se acerca da condenação ao pagamento da indenização por danos morais.

Preparo às fls.114/116.

A reclamante apresenta contra-razões às fls.118/120.

O Ministério Público do Trabalho opina à fl.121.

É o relatório.

VOTO

Conheço o recurso ordinário, eis que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

2.Da justa causa:

Insurge-se a recorrente em face da decisão do juízo “a quo”, com o intuito de que esta seja reformada para que se reconheça a ocorrência de falta grave praticada pela reclamante, qual seja, furto ao caixa do estabelecimento pertencente à ré, no valor de R$ 22,00, e, por consegüinte, a caracterização da demissão por justa causa, nos moldes do artigo 482, a, da CLT. Requer, também, que sejam julgadas indevidas as verbas rescisórias e contratuais deferidas.

Razão não lhe assiste.

A mais severa das penas aplicáveis ao empregado é a dispensa por justa causa. Enfocada por diversos preceitos celetistas, a penalidade conduz à extinção do contrato sob ônus do agente faltoso. Com isso, a pena não somente autoriza o descumprimento do princípio trabalhista geral da continuidade da relação de emprego, como extingue o pacto, negando ao trabalhador quaisquer das verbas rescisórias previstas em outras modalidades de rompimento do contrato. De par com tudo, lança indissimulável mácula na vida profissional deste.

Assim, para que a referida pena seja aplicada ao trabalhador mister é que haja provas robustas e inequívocas que comprovem de forma cabal o acontecimento dos fatos, bem como a sua autoria.

No entanto, no caso em tela, não há como se acolher a ocorrência da falta grave alegada, porque parcos são os elementos probatórios que guarnecem o presente processado. As provas produzidas em juízo não se revestiram da robustez necessária apta a ensejar a resolução do contrato de trabalho por justo motivo.

Para a caraterização do tipo penal furto, mister é a comprovação da posse mansa e pacífica da res furtiva pelo autor do crime. No entanto, não se vislumbra, no presente processado que a reclamante em algum momento esteve na posse do referido valor . Ao contrário, a prova testemunhal é no sentido de que o valor, alegado pela ré ter sido furtado pela reclamante, esteve sempre nos domínios da ré. Vejamos.

Infere-se do depoimento da primeira testemunha do autor que: “no dia em que o réu acusou a autora do furto desta comanda o cheque mencionado estava na mão do réu; o depoente ainda ponderou com réu que o valor da comanda era exatamente o cheque que estava em suas mãos.(fl. 34). Afirma ainda que “além da autora mexiam no caixa o proprietário, sua esposa e sua filha e uma funcionária de nome Fernanda”. (fl. 34).

No mesmo sentido é o depoimento da primeira testemunha da reclamada, na medida em que não traz aos autos indícios de autoria do fato imputado à reclamante, quando aduz que: “não viu a autora subtraindo qualquer valor, mas acompanhou que o proprietário do réu estava desconfiado de que as comandas estavam sendo desviadas e passou fazer cópias”.(fl. 34) . Do mesmo modo o depoimento da segunda testemunha da reclamada ao afirmar que: “nunca viu a autora escondendo comadas, mas informa que ela pedia a caixa de comandas da cozinha quando o réu se ausentava; no dia dos fatos não estava presente no réu.” (fl. 35).

Ademais, a prova documental em fl. 63, carreada ao presente processado, corrobora no mesmo sentido, através do qual se verifica que o inquérito policial foi arquivado por ordem de autoridade judiciária, por falta de base para denúncia, nos termos do art. 18 do Código do Processo Penal.

Por fim, cabe apenas mencionar que embora verifique-se no depoimento da primeira testemunha da ré, em fl. 34, a assertiva: “ouviu a autora dizer que pegou dinheiro só naquele dia”, esta restou presente nos autos de forma isolada, não coadunando com as demais provas produzidas em juízo.

Ante o exposto, não há como sustentar que a recorrida subtraiu para si o valor de R$ 22,00 do caixa do estabelecimento da ré, conforme alegado pela recorrente, pois verifica-se ausentes nos autos os pressupostos que ensejam a caracterização da justa causa para a configuração do tipo penal previsto no art. 155 do Código Penal, quais sejam, o indício de autoria de que, efetivamente, tenha a reclamante subtraído para si o valor referido, pois além dela outras pessoas manuseavam o caixa, bem como não há a configuração do o fato típico penal, eis que não restou provado nos autos que a autora manteve na sua posse, mansa e pacífica, qualquer valor pertencente ao caixa do estabelecimento da ré. Nego Provimento.

3. Da indenização por dano moral:

Argüi a recorrente que é indevida a indenização por danos morais a qual foi condenada, tendo em vista que não praticou qualquer violação ao direito. Aduz, também, que não deve prevalecer o critério de fixação do “quantum” da indenização à qual foi condenada a pagar.

Razão não lhe assiste.

Primeiramente, cabe salientar que não é a forma da dispensa que enseja a indenização por danos morais, pois o exercício regular de um direito não pode jamais gerar a obrigação de indenizar. No entanto, se restar comprovado o abuso de direito, no sentido de ocorrer ofensa à personalidade do trabalhador, à seus sentimentos, à sua honra, bens esses que compõem a estrutura da personalidade deste, tem-se que a indenização por danos morais é uma das formas de reparar e preservar a imagem do empregado e, por conseguinte, assegurar a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da constituição do nosso Estado Democrático de Direito, contemplado como garantia Constitucional, no art. 1º, III, da CF/88.

Assim, a recorrente ao imputar fato típico, previsto no estatuto penal no art. 155, à reclamante e não o provando de forma sólida, conforme extrai-se do conjunto probatório presentes nestes autos em fl. 63, através do qual se verifica que o inquérito policial instaurado pela ré foi arquivado por ordem de autoridade judiciária, por falta de base para denúncia, bem como, ante o fato de ter chamado a autoridade policial ao seu estabelecimento, humilhando-a perante seus colegas de trabalho, a ré extrapolou os limites do respeito a pessoa humana, exercendo de forma abusiva o seu direito de defesa do patrimônio, fazendo jus a reclamante à reparação por danos morais.

Corrobora neste sentido o depoimento da primeira testemunha da autora: “que ao retornar de uma entrega percebeu a movimentação de policiais na porta do réu” (fl.34).

Cabe, por fim, ponderar que a dispensa por justa causa, tendo em vista as conseqüências gravíssimas geradas na vida do trabalhador, exige um comportamento comedido por parte daquele que pratica a dispensa, é dizer: o exercício regular do direito, bem como uma comprovação robusta, através de procedimentos administrativo e judiciais, o que não se verificou no caso em tela.

E o importe de cinqüenta (50) vezes o último salário da autora arbitrado pelo MM Juízo de origem se mostra coerente para minorar a dor moral da ofendida, e mostrar ao ofensor que aqueles bens pessoais que integram a estrutura da personalidade humana merecem respeito.

Ante o exposto, mantenho a decisão do juízo “a quo”.

4. Dos encargos previndenciários:

Prejudicado o apelo, eis que não há sucumbência.

CONCLUSÃO

Isto posto, admito o recurso da reclamada, e, no mérito, nego-lhe provimento para manter a r. sentença de origem, de acordo com a fundamentação.

Mantenho o valor da condenação para efeito de custas.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator

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