De volta ao trabalho

Juiz manda Bradesco reintegrar bancária com LER

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10 de agosto de 2005, 10h06

O Banco Bradesco terá de reintegrar uma funcionária que sofre de LER — Lesão por Esforço Repetitivo, no prazo de 24 horas, sob pena de multa de R$ 500 por mês. A decisão é do juiz Gilson Ildefonso de Oliveira, da 2ª Vara do Trabalho de Santos. Cabe recurso.

Segundo o juiz, trabalhador que é vítima de LER e é demitido pode pedir à Justiça do Trabalho seu retorno imediato ao emprego. De acordo com os autos, a bancária trabalhou 18 anos no Bradesco e foi demitida em 21 de janeiro de 2005.

Durante o aviso prévio, ela procurou uma médica que atestou “dores fortes na coluna cervical e lombar, dorsal e ombros (direito e esquerdo), anemia, depressão, entre outras doenças”. Encaminhada ao INSS, a bancária recebeu o benefício do auxílio-doença previdenciário.

Por entender que o Bradesco não poderia manter sua demissão depois de atestada a LER, a bancária entrou com ação pedindo reintegração ao trabalho. Ela alegou ser “portadora de uma série de moléstias” que provocam “certa repulsa e discriminação” no meio social.

O juiz Gilson Ildefonso de Oliveira concedeu a liminar. Determinou que o Bradesco reintegre a bancária “ao seu antigo posto de trabalho, inclusive horário, asseguradas todas as vantagens previstas à sua categoria profissional, durante o seu período de afastamento”.

O titular da 2ª Vara do Trabalho de Santos deu prazo de 24 horas para que o Bradesco cumpra a liminar, pagando também os salários vencidos enquanto a funcionária esteve afastada. “Na hipótese de o reclamado oferecer resistência à reintegração da autora, mesmo que ficta, se não estiver em condições de trabalho, em face à enfermidade, bem como ao cumprimento das demais determinações supra indicadas, responderá pela multa diária favorável à autora, no importe de R$ 500 ser paga a cada trinta dias”, concluiu o juiz Gilson.

Leia a íntegra da decisão

Processo nº 00729-2005-442-02-00-2

Autora: VANDETE SILVA ANDRADE

Réu: BANCO BRADESCO S/A

A inicial contém pedido de concessão de liminar de reintegração, ainda não apreciada.

É o que passa a ser feito.

DECISÃO

1. RELATÓRIO

VANDETE SILVA ANDRADE, devidamente qualificada nos autos, ajuizou ação trabalhista em face do BANCO BRADESCO S/A., alegando os fatos e formulando os pedidos descritos na peça vestibular encartada às fls. 02/08. Juntou documentos (fls. 10/26).

Despacho judicial proferido às fls. 30/30vº. Intimação da autora à fl. 31. Expedição de ofício ao INSS à fl. 32. Efetivação da entrega do ofício ao INSS à fl. 34. A autora juntou outros documentos, em função de determinação judicial às fls. 35/70 e 72/102.

Através da peça vestibular, a autora requereu a concessão de medida liminar.

A medida liminar buscada envolve a reintegração da autora ao antigo posto de trabalho, com o integral pagamento da remuneração mensal, recolhimentos dos depósitos do FGTS, 13ºs. salários, férias, recolhimentos previdenciários e fiscais, vencidos e vincendos, desde o momento da dispensa (21.01.2005) até o decurso do prazo de doze meses contados a partir da obtenção da alta médica.

A reclamada, ainda, não foi citada.

É o relatório.

Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Analisada a pretensão liminar, os fundamentos para o seu deferimento são os seguintes:

Assiste razão à autora.

A reclamante logrou comprovar, através dos documentos encartados às fls. 10 e 13, ter mantido contrato individual de trabalho com o reclamado, mais especificamente de 25.11.1986 a 21.01.2005.

A autora, portanto, atuou, em favor do reclamado, a partir da existência de um só contrato individual de trabalho, durante 18 (dezoito) anos, 01 (um) mês e 26 (vinte e seis) dias.

A autora logrou comprovar, igualmente, através do documento encartado às fls. 24/25, o fato de ter passado por consulta médica, com a profissional Yone Maria A. Dell’Antonia de Souza (CRM 30.106), no dia 16.02.2005, isto é, em pleno curso da projeção temporal do aviso prévio (dispensa em 21.01.2005, com aviso prévio indenizado – vide fl. 10).

A referida profissional da área da medicina encaminhou a autora ao INSS, referindo que ela apresentava dores fortes na coluna cervical e lombar, dorsal e ombros (direito e esquerdo), anemia, depressão, entre outras enfermidades. A mesma médica expressou a impossibilidade de a autora atuar laborativamente, pelo prazo de sessenta dias, naquela ocasião.

A autora comprovou, ainda, que obteve o benefício do auxílio-doença previdencário, em função do seu requerimento nesse sentido junto ao INSS, sendo que este designou inclusive data para a realização do exame pericial (documento à fl. 16).

Os documentos encartados aos autos com a inicial, atestam a precariedade da saúde da autora.


As alegações contidas na inicial, como visto, foram cabalmente demonstradas, o que deságua no convencimento deste juízo.

Manter a autora afastada do quadro de pessoal do reclamado, resulta em privá-la de uma condição mais digna de vida (vide artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).

A autora veio a juízo afirmando ser portadora de uma série de moléstias, o que, por si só, como é sabido, provoca no meio social, ainda, certa repulsa e mesmo discriminação.

Convém, nesse passo, conceituar, do ponto de vista doutrinário, o que seja DISCRIMINAÇÃO, sendo oportuno trazer à tela judiciária, nestes autos, o que segue:

“(…)

Mas o que é discriminação? Num primeiro sentido, ainda muito amplo e provisório, pode-se designar por discriminação a negação da condição de igual dignidade de toda pessoa como um membro singular da espécie humana. A discriminação, assim, consiste na negação de um direito à igualdade em direitos que, em última instância, decorreria da simples pertença à humanidade.

(…)”

(in “Despedida Abusiva. O direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade” – Leonardo Vieira Wandelli – São Paulo – LTr – 2004 – p. 371)

A prova constante dos autos, por ora, em nenhum momento, contém elementos de convicção, a respeito de o reclamado ter discriminado a autora, negando-lhe igualdade de dignidade, tanto quanto a outros empregados.

Contudo, os documentos já referidos, igualmente, atestam a existência de moléstias que acometem a autora.

O reclamado, portanto, pode, em tese, ter se utilizado abusivamente do direito potestativo de dispensar um empregado, sem justa causa.

Este julgador, com os olhos voltados para uma realidade inafastável, a qual contém ainda, lamentavelmente, grande dose de discriminação, não pode perder de vista a gravidade das enfermidades noticiadas na inicial.

Certamente, ninguém viria a juízo declarando-se portador de uma série de enfermidades, de forma insincera, em função dos nefastos efeitos que tal declaração pode acarretar, principalmente para o seu futuro profissional.

O fato de a autora ser portadora das enfermidades atestadas por profissional da área de saúde, conforme acima indicado, poderia não representar incapacidade permanente para o labor, desafiando, isto sim, mero afastamento temporário, para a realização do devido tratamento.

Contudo, na situação ora tratada, houve a dispensa da autora, sem mais, no dia 21.01.2005.

A prova produzida pela autora, sem dúvida, mostra-se convincente, a partir de um exame em sede de concessão de medida liminar.

Convém destacar ainda que, conforme se observa da peça vestibular, a autora faz alusão de ser vítima da LER (lesão por esforço repetitivo), sendo que, a respeito, torna-se oportuno referenciar:

“(…)

Conhecida como a doença do século ou a doença cibernética, a LER – Lesões por Esforços Repetitivos, segundo o magistério de Osvaldo Michel (1) médico e especialista em Medicina do Trabalho, pode ser definida como doença ocupacional comum e grave na classe trabalhadora, cujos sintomas apresentados são inflamação dos músculos, dos tendões, dos nervos e articulações dos membros superiores (dedos, mãos, ombros, braços, antebraços e pescoço) causada pelo esforço repetitivo exigido na atividade laboral, que requer do trabalhador o uso forçado de grupos musculares, como, também, a manutenção de postura inadequada.

Partindo dessa definição, o referido autor elenca como agente causador da LER o uso excessivo de determinadas articulações do corpo, em geral relacionado a certas profissões, citando, dentre elas, os bancários, os digitadores, os operadores de caixas registradoras, os profissionais da área de computação, os trabalhadores de linha de montagem, as costureiras, entre outros.

(…)

6.3 – A caracterização como acidente do trabalho

A legislação brasileira define acidente de trabalho, no art. 19 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, como:

‘Art. 19 – Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.’

Russomano (2), como inspiração na doutrina francesa esposada por Rouast Givord (‘Traité sur Acidente du Travail’, p.98), conceitua acidente de trabalho como ‘um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima, que lhe determina lesão corporal’.

As doenças profissionais e do trabalho, de acordo com a supra-mencionada Lei, são consideradas como acidente de trabalho, ao teor do que dispõe o art. 20, in verbis:


‘Art. 20 – Consideram-se acidentes de trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.’

A relação de doenças profissionais e do trabalho a que se refere os incisos I e II do art. 20 da Lei nº 8213/91 foi estabelecida pelo Decreto nº 3.048/99, Anexo II. Nesta relação, sob o subtítulo ‘Doenças do Sistema Osteomuscular e do Tecido Conjuntivo, Relacionadas com o Trabalho (Grupo XIII da CID – 10)’, encontram-se as doenças enquadradas como LER, tais como sinovites, tenossinovites e dedo em gatilho. É importante registrar que em todas as doenças enquadradas como LER sempre aparecem, segundo a relação do INSS, como fator de risco de natureza ocupacional ‘posições forçadas e gestos repetitivos’. Isso ganha relevância quando se trata de algumas atividades como a de caixa executivo de instituição financeira, cujas tarefas exigem um só posicionamento (de frente para o cliente), e cujos empregadores geralmente exigem um número mínimo de autenticações por empregado, como também ocorre a repetição contínua de movimentos.

(…)”

(in “O Dano Moral e as Lesões por Esforços Repetitivos” – João Vianey Nogueira Martins – São Paulo – LTr – 2003 – p. 66 e 70/71)

1- Michel, Osvaldo, Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais, 2ª ed., São Paulo, LTr, 2001, p. 262.

2– Russomano, Mozart Victor, Comentários das Leis da Previdência Social, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, p.395.

Na situação ora debatida, a autora, segundo indicam os recibos acostados às fls. 15/21, ocupava o cargo de caixa, ou seja, o qual exige, como se sabe, grande intensidade de movimentos repetitivos. Aliás, a doutrina acima transcrita, ao cargo de caixa, faz expressa referência.

Ademais, a cláusula 24ª, alínea “d”, da Convenção Coletiva de Trabalho abojada às fls. 73/102, com vigência de 1º de setembro de 2004 a 31 de agosto de 2005, ou seja, vigente à época da resilição contratual, dispõe (vide fls. 84/85):

“PROTEÇÃO AO EMPREGO:

CLÁUSULA

VIGÉSIMA QUARTA – ESTABILIDADE PROVISÓRIA

Gozarão de estabilidade provisória no emprego, salvo por motivo de justa causa para demissão:

(…)

c) doença: Por 60 (sessenta) dias após ter recebido alta médica, quem, por doença, tenha ficado afastado do trabalho, por tempo igual ou superior a 6 (seis) meses contínuos;

d) acidente: Por 12 (doze) meses após a cessação do auxílio doença acidentário, independentemente da percepção do auxílio acidente, consoante artigo 118 da Lei 8213, de 24.07.1991;

(…)”

Obstar-se a pretensão da autora, em sede de medida liminar, pode redundar em dano irreparável ou de difícil reparação.

Privar-se a autora da possibilidade de auferir salário, se em condições de trabalhar, ou mesmo de obter assistência médica oficial, ou mesmo particular, se enfermo, é colaborar para o agravamento da enfermidade contraída.

Nessa linha de raciocínio, torna-se oportuno destacar:

“O caráter alimentar do salário é, talvez, o seu mais incisivo traço face às demais retribuições próprias dos denominados contratos de atividade. O salário do empregado é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de vida e de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar.”

(in “Curso de Direito do Trabalho” – Orlando Gomes e Elson Gottschalk – 1ª ed. – Rio de Janeiro – Forense – 1990 – p. 238)

3. DISPOSITIVO

Consequentemente, com apoio no que preconizam os artigos 804 do C.P.C. e 765 da CLT, a SEGUNDA VARA DO TRABALHO DE SANTOS, por seu juiz titular, defere, em favor da reclamante, a Sra. VANDETE SILVA ANDRADE, a MEDIDA LIMINAR objetivada na inicial, em face do BANCO BRADESCO S/A., fazendo-o, conforme acima visto, porquanto presentes os seus requisitos autorizadores.

A medida liminar concedida, a partir dos fundamentos já expendidos, bem como em face o contexto dos autos, tem por limite a REINTEGRAÇÃO DA AUTORA, ao seu antigo posto de trabalho, inclusive horário, asseguradas todas as vantagens previstas à sua categoria profissional, durante o seu período de afastamento, obstando-se, temporariamente, os efeitos da dispensa perpetrada.

Em favor da autora, a partir da data da sua reintegração, deverá ser assegurada a atividade laborativa, se em condições para tanto, ou, na hipótese de mostrar-se enferma, o seu encaminhamento à previdência oficial, na forma da legislação vigente.

A remuneração mensal devida à autora deverá ser paga, em função da concessão da medida liminar de reintegração ao antigo posto de trabalho, se apta a trabalhar, ou garantidos os primeiros quinze dias, se enferma, com posterior encaminhamento à previdência oficial, no que tange às prestações vencidas, desde 21.01.2005, além das vincendas na pendência da lide.

O reclamado, no prazo de vinte e quatro horas improrrogáveis, deverá comprovar nos autos o adimplemento das remunerações vencidas, as quais são devidas à reclamante desde 21.01.2005, em especial no que concerne à complementação do auxílio-doença previdenciário, conforme previsto na cláusula 26ª da Convenção Coletiva de Trabalho abojada às fls. 73/102. As prestações vincendas deverão ser quitadas na forma usualmente adotada pelo reclamado. O descumprimento resultará na prática do crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal), além de caracterizar o reclamado como litigante de má-fé, incidindo nas sanções pertinentes.

Na hipótese de o reclamado oferecer resistência à reintegração da autora, mesmo que ficta, se não estiver em condições de trabalho, em face à enfermidade, bem como ao cumprimento das demais determinações supra indicadas, responderá pela multa diária favorável à autora, no importe de R$.500,00 (quinhentos reais), a ser paga a cada trinta dias.

Para o cumprimento da presente decisão, a secretaria deverá expedir o competente MANDADO DE REINTEGRAÇÃO, nos moldes acima preconizados, a ser cumprido, com urgência, através de oficial de justiça.

Intime-se a autora para combinar a diligência com o Sr. oficial de justiça, bem como do inteiro teor da presente decisão interlocutória.

Designe-se data para a realização da AUDIÊNCIA INAUGURAL.

Cite-se, ainda, o reclamado, a respeito dos termos da ação trabalhista ajuizada em seu desfavor, além de intimá-lo do que consta às fls. 30/30vº, 35/70 e 72/102, bem como do inteiro teor da presente decisão interlocutória.

A secretaria deverá, ainda, expedir ofício ao INSS, reiterando aquele anteriormente expedido (fl. 32), agora, para cumprimento em vinte e quatro horas, sob pena da adoção das medidas legais incidentes. O referido ofício deverá ser instruído com as cópias de fls. 32 e 34, além de ser entregue à chefe da repartição ou equivalente, que deverá ser qualificado para futura responsabilização, se for o caso, com cumprimento através de oficial de justiça.

Cumpra-se, com urgência.

Cada mais.

GILSON ILDEFONSO DE OLIVEIRA

Juiz do Trabalho

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