Informação e honra

TV Record e Ratinho são condenados a indenizar juiz

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9 de agosto de 2005, 18h35

A liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa precisam ser compatibilizadas com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra enxovalhada e denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar. Seu limite inquestionável é a preservação da integridade alheia.

Esse foi o entendimento, unânime, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao condenar a TV Record e o apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, a pagar indenização, por danos morais, ao juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira.

O valor da reparação foi arbitrado pelos julgadores em 350 salários mínimos (R$105 mil). Votaram os desembargadores Maia da Cunha (relator), Teixeira Leite (revisor) e Natan Zelinschi (3º juiz). Este é o primeiro recurso (de segunda instância) ganho pelo juiz.

O juiz foi acusado de supostas ilegalidades — ocorridas por volta de 1998, quando era titular da Vara da Infância e Juventude de Jundiaí — no processo de adoção internacional de crianças naquela comarca. A TV Record teria veiculado informações atribuindo ao magistrado fatos criminosos ofensivos à sua honra.

Em primeira instância, a empresa de TV e o apresentador foram condenados pelo juiz, Osmar Bocci, da 15ª Vara Cível Central da Capital, a pagar indenização de 200 salários mínimos.

Insatisfeita, a Record requereu ao TJ a nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou a redução da verba indenizatória. Argumentou que as notícias sobre o juiz estavam inseridas no direito constitucional de informação.

O apresentador Ratinho — que na época dos fatos apresentava na Record o programa Ratinho Livre — alegou que os programas eram feitos de forma narrativa e apenas noticiavam fatos igualmente divulgados pela imprensa em geral.

O juiz também apelou, reclamando o aumento da indenização para 1.800 salários mínimos, alegando que o caso em questão não se vinculava à Lei de Imprensa e que o valor estipulado pelo juiz não reparava o dano causado.

Argumentos

O relator do processo, desembargador Maia da Cunha, entendeu que ao noticiar os fatos no programa Ratinho Livre a emissora promoveu graves ofensas à honra e à dignidade do juiz, como pessoa e como profissional. E, ainda, que as ofensas foram pautadas pelo sensacionalismo inconseqüente com o intuito de obter pontos no Ibope.

Segundo Maia Cunha, no contexto da matéria afirmou-se que crianças valeriam vinte mil dólares americanos, que estavam desaparecidas mais de 3 mil crianças, que era uma indignidade roubar a criança da guarda da mãe, ou desaparecer com ela quando levada ao Fórum, circunstância que teria apavorado a população pobre da cidade.

“A honra maculada injustamente abre ferida que não cicatriza com o passar do tempo, nem apaga da memória do ofendido e daqueles que lhe são próximos, em especial os familiares”, argumentou o relator em seu voto.

“Pelo resto da vida há de carregar na memória o tempo em que, injustamente, a sua honra e a sua dignidade serviram de pasto à especulação maldosa de tantos quantos viram e ouviram os abusos perpetrados sob o manto do direito de informar. Bem por isso que o dano à honra, e tantos já o disseram, é irreparável”, completou Maia da Cunha.

Ao justificar a reforma da sentença de primeira instância quanto ao valor da indenização, Maia Cunha alegou que a quantia de 200 salários mínimos seria insuficiente para dissuadir uma das maiores emissora de televisão e o conhecido apresentador, “a pelo menos refletirem antes de ofender a honra do cidadão com a divulgação espalhafatosa de fatos cuja apuração formal pelos órgãos competentes ainda está em andamento”.

Os fatos

As denúncias contra o juiz surgiram em março de 1998, após familiares de crianças formarem o grupo Mães da Praça do Fórum, em Jundiaí. Os familiares acusavam supostas irregularidades na quebra de pátrio poder (guarda) das crianças, em processos de adoção por estrangeiros. Em janeiro de 1999, o juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira foi transferido para a 18ª Vara Cível da Capital.

Na época, o então ministro da Justiça, Renan Calheiros, determinou que a Polícia Federal investigasse o funcionamento irregular de agências estrangeiras em território nacional, o provável comércio de crianças e fizesse um levantamento para identificar a saída do Brasil e o paradeiro das crianças adotadas em Jundiaí.

Um relatório parcial das investigações apontou que as principais frentes apontadas pela PF são duas entidades: a AMI, com sede em Roma, e o Comej — Centro de Orientação ao Menor de Jundiaí. As principais atividades da AMI são o agenciamento de adoções internacionais e o financiamento de entidades que trabalham com crianças carentes no Terceiro Mundo. O Comej foi fundado em 18 de dezembro de 1986, mas só registrado em maio de 1990.

Absolvição

Depois de investigação da Corregedoria-Geral da Justiça, o juiz foi denunciado por irregularidades em processos de adoção internacional de crianças. Em dezembro de 2001, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista absolveu o ex-juiz da 2ª Vara Cível de Jundiaí da acusação.

No julgamento, 14 desembargadores votaram pela absolvição, quatro pela censura e sete pela advertência. No entanto, os julgadores entenderam que Beethoven, em alguns casos, agiu de forma pouco ortodoxo.

As acusações também foram apuradas pela CPI do Judiciário. Os deputados não conseguiram comprovar as denúncias de favorecimento para a agilização das adoções internacionais.

Outras condenações

O juiz Beethoven conseguiu seis condenações, por danos morais, em primeira instância. Todas contra veículos de comunicação, envolvendo a cobertura das adoções internacionais de crianças em Judiai.

Entre as de maior valor destacam-se a da Folha de S. Paulo condenada a pagar R$ 3,7 milhões. A Rede Globo sofreu sentença de indenização de R$ 3 milhões. E a Revista IstoÉ foi condenada a pagar R$ 800 mil ao juiz.

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