Conta fechada

STF mantém sigilo de empresa ligada ao Bank Boston

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9 de agosto de 2005, 15h56

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou o pedido de quebra de sigilo bancário da empresa Boston Comercial e Participações LTDA, conta nº 84.027308 e da conta CC5 00089713052, Nassau Branch of BankBoston NA. O pedido foi feito pelo Ministério Público Federal que lançou a suspeita de que Henrique Meirelles, antes de assumir a direção do Banco Central, teria remetido cerca de R$ 1,4 bilhão ao exterior por meio dessas contas.

O ministro rejeitou a quebra de sigilo bancário da empresa e ressaltou que, em relação às contas de Meirelles, o próprio presidente do Banco Central anexou ao inquérito extratos de contas correntes a que o Ministério Público queria ter acesso.

Em maio passado, o STF acatou o pedido do Ministério Público e determinou a quebra do sigilo fiscal do presidente do Banco Central. Meirelles é investigado pela suposta prática de crimes fiscais, eleitorais e de evasão de divisas.

Segundo Marco Aurélio, antes de analisar os dados levantados nas diligências até agora realizadas, o Ministério Público “solicitou a quebra de sigilo bancário abrangente, a englobar situações diversificadas, a atingir a privacidade de inúmeras pessoas naturais e jurídicas que, de início, não foram referidas na petição inicial que desaguou na instauração deste inquérito”.

Para o ministro, os procuradores devem, primeiro, se debruçar sobre o que já foi levantado “pela extensa diligência cumprida” e “da forma como convém e é costumeira na atuação do Órgão”, somente depois, se for o caso, requerer novas diligências.

Leia a íntegra da decisão

INQUÉRITO 2.206-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO(A/S): HENRIQUE DE CAMPOS MEIRELLES

ADVOGADO(A/S): ROBERTO PASQUALIN, FILHO E OUTRO(A/S)

DECISÃO

INQUÉRITO – DILIGÊNCIAS – ALCANCE – BALIZAS SUBJETIVAS E OBJETIVAS.

1. Em 11 de maio de 2005, prolatei decisão mediante a qual deferi diligências requeridas pelo Ministério Público, a saber (folhas 215 e 216):

a) requisição à Receita Federal dos dossiês integrados (pesquisa completa) do CPF 274.272.838–91 e CNPJs 51.943.926/0001–51, 05.596.454/0001–90 e 05.596.461/0001–92 e cópia de todas as declarações de impostos de renda desde o ano exercício de 1996;

b) requisição à Receita Federal do relatório circunstanciado da auditoria fiscal até então promovida contra o representado e empresas por ele controladas, e cópia de todos os documentos solicitados pelos auditores fiscais ou apresentados pelo Sr. Henrique Meirelles;

c) requisição ao Banco Central do Brasil de cópia do Processo nº 9900943883, que cuida do exame de remessas efetuadas pela empresa Boston Comercial Participações Ltda. por meio do Bank Boston, no valor aproximado de R$ 1,37 bilhão de origem não identificada;

d) requisição ao Banco Central do Brasil de cópia do Processo nº 0101074058, tendo como envolvidas as empresas off shore Silvânia One e Silvânia Two, bem como a empresa Silvânia Empreendimentos e Participações;

e) requisição ao Banco Central do Brasil de informações detalhadas sobre todos os contratos de câmbio, desde 1996, envolvendo o Sr. HENRIQUE DE CAMPOS MEIRELLES, as empresas SILVÂNIA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., SILVÂNIA HOLDINGS LTD., GOIÂNIA LTD., SILK COTTON INVESTIMENTES TTD., YAMETTO CORPORATION LTD., SILVÂNIA ONE LLC E SILVÂNIA TWO LLC, BOSTON ADMINISTRAÇÃO COMERCIAL E EMPREENDIMENTOS LTDA., E BOSTON COMERCIAL E PARTICIPAÇÕES LTDA.;

(…)

g) ao Primeiro Conselho de Contribuintes, cópia integral do Processo nº 16327.002231/2002–85, referente à empresa Boston Comercial e Participações Ltda., autuada pela Delegacia da Receita Federal no Paraná pelo não–recolhimento de imposto de renda;

h) à Delegacia da Receita Federal em São Paulo, cópia integral de todos os processos administrativos referentes às declarações de Compensação – DECOMP – da empresa Boston Comercial e Participações Ltda., nos últimos cinco (5) anos.

Deixei de fazê-lo no tocante à requisição, à OAB/SP, do registro e relação dos advogados de certo escritório de advocacia, evocando a inviolabilidade profissional prevista na Lei nº 8.906/94 e no artigo 133 da Constituição Federal.

Em 20 de junho de 2005, adotando manifestação do Procurador da República Dr. Lauro Pinto Cardoso Neto, o Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles, ratificou o pedido de quebra de sigilo bancário, reportando-se à cooperação com autoridades norte-americanas (folha 253).

Em síntese, o pleito mostrou-se a apanhar as seguintes contas (folhas 255 e 256):

1) Conta nº 84.027308, Agência nº 104, do BankBoston Banco Múltiplo S.A., CNPJ nº 60.394.079/0001-04, da empresa BOSTON COMERCIAL E PARTICIPAÇÕES LTDA., CNPJ Nº 01.192.813/0001-93;


2) Conta CC5 nº 00089713052 Nassau Branch of BankBoston NA, por onde foi efetivada remessa de R$ 1,4 bilhão de reais ao exterior;

3) Conta nº 2128655 do UNIBANCO – União de Bancos Brasileiros S.A., CNPJ nº 33.700.394/0001-40 da empresa SILVÂNIA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., CNPJ nº 51.943.926/0001-51;

4) Conta (não identificada) do BankBoston Banco Múltiplo S.A., CNPJ nº 60.394.079/0001-04, da empresa SILVÂNIA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., CNPJ nº 51.943.926/0001-51;

5) Conta CC5 nº 00602546041, mantida no BankBoston Mult, banco nº 06479, praça 5885, do Sr. Henrique Meirelles.

Aludiu o Fiscal da Lei à carta do Ministério Público de Nova Iorque, juntando original e tradução. Então, discriminou a forma do acesso aos dados (folhas 256 e 257):

a) cadastro de abertura da conta, cartões de autógrafos e demais documentos existentes no dossiê da conta corrente;

b) extrato das contas em meio magnético (formato Access ou Excel) e em formulários;

c) documentos de suporte (cópia de frente e verso) das operações financeiras realizadas a débito e a crédito das contas, principalmente, contratos de câmbio e ordem de pagamento do tipo Swift ou similares, para o que se deve estabelecer o corte de valor igual ou superior a 5 mil reais;

d) todos os registros de operações eletrônicas (em meio magnético) existentes nas bases de dados das respectivas instituições financeiras, em nome do investigado, tais como operações de Docs, TEDs (transferências eletrônicas), extratos, ordem de pagamento nacional e internacional, faturas analíticas de cartões de créditos, cheques administrativos, boletos de cobrança, contratos de câmbio etc.;

e) planilhas no formato EXCEL, com todos os lançamentos a crédito e a débito, de valores a partir de 5 mil reais, com as seguintes colunas: Data (dd/mm/aa); Histórico (descrição da operação); Valor; D/C (indicando se o lançamento é de crédito ou de débito); Remetente/favorecido, nome e/ou número do banco, número da agência e da conta debitada ou creditada); e Observações (indicando que se trata de operação casada);

f) para os casos de Depósitos em Dinheiro e Cheques Pagos no Guichê, os bancos deverão atestar que essas operações foram efetivamente realizadas em espécie, ou, no caso de operações casadas, fornecer todos os dados da outra operação bancária;

g)cópias de boa qualidade, plenamente legíveis.

À folha 260, saneando o processo, prolatei decisão do seguinte teor:

PROCESSO – JUNTADA DE PEÇA – SANEAMENTO.

1. Proceda-se à juntada do requerimento do Procurador-Geral da República de quebra de sigilo bancário.

2. O sigilo implementado neste processo está restrito aos dados levantados. Descabe confundi-lo com a tramitação do processo, consideradas as diversas peças sem acesso público.

3. Determino o saneamento do processo, para que os dados levantados, ante o deferimento do que requerido pelo Ministério Público em data passada, fiquem em apensos devidamente envelopados.

4. Venha-me o processo para exame do último requerimento formalizado e que visa à quebra do sigilo bancário.

5. Publique-se.

Ratificada a promoção do Procurador Dr. Lauro Pinto Cardoso Neto, restou esclarecido que os itens 2 e 5 do requerimento de quebra do sigilo bancário concernem a contas denominadas CC5, sigla decorrente da Carta Circular do Banco Central nº 5, de 1969, relacionadas com depósitos mantidos por não-residentes em bancos brasileiros, mencionando-se atos do Banco Central direcionados a elastecer a regência das citadas contas. Aduziu-se ainda (folha 267):

2) Conta CC5 nº 00089713052, titularizada pelo não residente Nassau Branch of BankBoston NA e mantida no BankBoston Múltiplo S.A., CNPJ nº 60.394.079/0001-04, sediado em São Paulo/SP, por onde foi efetivada a remessa de R$ 1,4 bilhão de reais ao exterior;

5) Conta CC5 nº 00602546041, titularizada pelo não residente Henrique de Campos Meirelles e mantida no BankBoston Múltiplo S.A., CNPJ nº 60.394.079/0001-04, sediado em São Paulo/SP.

Em 27 de junho de 2005, o indiciado Henrique de Campos Meirelles peticionou, ressaltando:

a) a formulação de pedido de quebra de sigilo bancário antes mesmo de ultimadas as diligências anteriores;

b) a incompetência funcional do Procurador autor da promoção endossada pelo Procurador-Geral da República;

c) a qualidade de subsidiária do BanKBoston da Boston Comercial e Participações LTDA, jamais administrada pelo indiciado;

e) a circunstância de as operações realizadas terem sido reportadas ao Banco Central, estando neste as notícias pertinentes;

f) a regência por legislação estrangeira de transferência de recursos do credor, considerada a conta existente no exterior;

g) o descompasso com a ordem jurídica em vigor da carta que se apontou como sendo do Ministério Público americano;


h) a erronia na tradução efetuada pelo Procurador da República que veio a oferecer ao Procurador-Geral da República subsídio sobre a matéria. Por último, antecipando-se ao crivo judicial, requereu o Dr. Henrique de Campos Meirelles a juntada ao processo dos extratos das contas-correntes referidas pelo Ministério Público nos itens 3, 4 e 5 da manifestação trazida ao processo (folha 270 a 277).

Abri vista ao Procurador-Geral da República para pronunciar-se sobre possível prejuízo da diligência requerida, implementando o sigilo quanto aos extratos bancários ofertados.

Boston Comercial e Participação LTDA peticionou à folha 331 à 338, salientando que as operações por si desenvolvidas passaram pelo crivo do Banco Central do Brasil, jamais tendo o indiciado Henrique de Campos Meirelles exercido cargo administrativo no respectivo âmbito de atuação. Buscou demonstrar a legitimidade da remessa ao exterior da quantia de um bilhão, trezentos e vinte milhões, quinhentos e dezenove mil, setecentos e noventa e oito reais e vinte e cinco centavos. Evocou a óptica dos ministros Celso de Mello e Carlos Velloso quanto à excepcionalidade da quebra do sigilo bancário para, então, afirmar que não se coaduna com a situação deste processo a devassa pretendida. Anexou documentos.

Às folhas 1.006 e 1.007, a Seção de Processo Diversos do Plenário e a Coordenadoria de Processamento Judiciário do Plenário informaram as diligências efetuadas. O processo seguiu à Procuradoria Geral da República. Pronunciou-se o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, afirmando a irrelevância do descompasso indicado na tradução da correspondência originária da América. Quanto à quebra de sigilo das contas referidas nos itens 3, 4 e 5, à folha 258, admitiu a juntada dos extratos pelo indiciado, consignando, no entanto, que não procedeu ao exame pertinente, no que vieram a compor o volume 15 deste processo. Protestou por eventual complementação, caso notada, em data futura, insuficiência. Insiste o Procurador-Geral da República na quebra do sigilo da conta nº 84.027308, agência nº 104, do BankBoston Banco Múltiplo S.A, CNPJ nº 60.394.079/001-04, da empresa Boston Comercial e Participações LTDA, CNPJ nº 0.192.813/0001-93, e da conta CC5 nº 00089713052, Nassau Branch of BankBoston NA, por meio da qual efetivada a remessa de um bilhão e quatrocentos milhões de reais ao exterior (folhas 1.009 e 1.010).

O Banco Central do Brasil anexou ofício, objetivando complementar informações (folha 1.012).

À folha 1.014, o ministro Nelson Jobim, no curso do mês de julho, projetou o exame do tema para a retomada dos trabalhos judiciários, mediante atuação do relator.

Ao processo veio petição da agência Nassau do BankBoston S.A., revelando que todas as operações realizadas foram cadastradas no Sisbacen, ficando à disposição das autoridades brasileiras, não se justificando, assim, a quebra de sigilo pretendida. Por sua vez, Boston Comercial e Participações LTDA voltou a peticionar, reiterando que, no período envolvido no processo – de 1998 a 2005 –, Henrique de Campos Meirelles não exerceu qualquer cargo administrativo na empresa e que as transferências internacionais de reais foram feitas em harmonia com as normas de regência, havendo sido devidamente comunicadas ao Banco Central. Assevera que não se tem nenhum embasamento fático a respaldar a quebra de sigilo almejada, resultante de manifestação do Procurador da República Lauro Pinto Cardoso Neto, ratificada pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles. Este processo voltou-me para exame em 3 do corrente mês.

2. A organicidade do Direito direciona à tramitação do processo sem atropelo. Atos processuais hão de ser implementados a partir da utilidade e da necessidade. Atos que levem à constrição, especialmente aqueles situados no campo da excepcionalidade, devem fazer-se presentes uma vez indispensáveis à apuração dos fatos. O sigilo bancário é a regra, somente cabendo afastá-lo em caso de necessidade absoluta. Este inquérito visa a averiguar o envolvimento de pessoa natural individualizada em atividades discrepantes da ordem jurídica e que podem configurar prática à margem da legislação penal. Inicialmente, o Ministério Público requereu diligências de alcance maior que foram deferidas. Sem mesmo analisar os dados levantados, solicitou a quebra de sigilo bancário abrangente, a englobar situações diversificadas, a atingir a privacidade de inúmeras pessoas naturais e jurídicas que, de início, não foram referidas na petição inicial que desaguou na instauração deste inquérito. Mais do que isso, o indiciado, demonstrando desejo de colaborar com o Judiciário no esclarecimento dos fatos, antecipou-se, relativamente aos dados bancários dos quais é titular, juntando extratos que consubstanciaram o 15º volume deste processo. Ouvido o Procurador-Geral da República, veio Sua Excelência a insistir na quebra de sigilo bancário, conforme os itens 1 e 2 de folha 257, confessando, no entanto, que não examinou os dados concernentes ao indiciado e por este acostados ao processo. Vê-se, sem o aprofundamento da matéria, que o pleito discrepa da ordem natural das coisas, evidenciando precipitação incomum e afastamento da segurança jurídica própria às atividades bancárias. Há de se atuar com comedimento pertinente. Há de se atentar para as balizas do inquérito, procedendo-se à análise dos elementos até aqui coligidos, inclusive os produzidos pelo Banco Central sobre as diversas movimentações efetuadas. Que o Ministério Público se debruce sobre o que já levantado pela extensa diligência cumprida – extensa em informações -, considere os extratos atinentes ao fornecimento espontâneo de dados bancários pelo indiciado e, da forma como convém e é costumeira na atuação do Órgão, conclua o que entender de direito, requerendo, se for o caso e com base em rigorosa e cuidadosa análise, em indício de prática delituosa, novas diligências. O que não cabe, por extravasar os limites da razoabilidade, da proporcionalidade, é colocar em risco o Sistema Bancário Nacional, a confiança dos cidadãos nas regras até aqui observadas, partindo para o que já foi apontado como uma verdadeira devassa, não deixando pedra sobre pedra no tocante à movimentação bancária que, sob o manto da presunção de legitimidade, envolveu não só o indiciado, mas inúmeras pessoas que, assim, teriam a privacidade vasculhada. É momento de se marchar sem o desprezo a valores sedimentados, de se reiterar a máxima do Direito segundo a qual os meios justificam os fins, mas não estes, aqueles. Por ora, o que coligido, o que alcançado mediante as diligências já realizadas, que se mostraram amplas, a juntada espontânea dos extratos bancários pelo indiciado propiciam material necessário ao exame e definição da seqüência, ou não, do procedimento.

3. Indefiro a quebra de sigilo bancário que sobejou após a iniciativa do indiciado, ou seja, relativa à empresa Boston Comercial e Participações LTDA, conta nº 84.027308 e à conta CC5 00089713052, Nassau Branch of BankBoston NA, mediante a qual remetido cerca de um bilhão e quatrocentos milhões de reais ao exterior.

4. Retorne o processo à Procuradoria Geral da República, tendo em conta as diligências já verificadas e os documentos alusivos ao sigilo bancário de Henrique de Campos Meirelles juntados ao processo.

5. Publique-se.

Brasília, 7 de agosto de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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