Pensão por morte

Estudante recebe pensão por morte da avó até os 24 anos

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9 de agosto de 2005, 19h52

A Justiça de Sergipe reconheceu o direito de um estudante maior de 21 anos de continuar a receber pensão pela morte da avó até que ele conclua o curso universitário ou até que complete 24 anos. A decisão é do juiz Ricardo César Mandario Barreto, da 1ª Vara da Justiça Federal no estado.

Igor Juhy da Costa Pinto Nascimento recebia da Funasa — Fundação Nacional de Saúde o benefício desde que a avó, a ex-servidora Antônia Zelva de Souza Nascimento, morreu. Ao completar 21 anos, foi informado de que não teria mais direito à quantia. Igor, que atualmente cursa o 6º período de Odontologia na Universidade Federal de Sergipe, recorreu à Justiça para garantir a pensão até o final dos estudos ou até que complete 24 anos.

Em sua decisão, o juiz considerou que a jurisprudência vem consolidando entendimento de que o dependente que freqüenta curso universitário tem direito a receber a pensão até o final dos estudos. Barreto citou decisões do Superior Tribunal de Justiça e de tribunais regionais federais nesse sentido.

Assim, condenou a Funasa a manter o benefício mesmo após Igor ter atingido a maioridade. A fundação também terá de pagar ao pensionista os valores referentes ao período em que a pensão foi suspensa.

Leia a íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Sergipe – 1a Vara Federal

PROCESSO N° 2005.85.00.000735-5

CLASSE 01000 – AÇÃO ORDINÁRIA

AUTOR: IGOR JUHY DA COSTA PINTO NASCIMENTO.

RÉ: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE – FUNASA.

SENTENÇA

ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENSÃO TEMPORÁRIA POR MORTE. ADVENTO DA MAIORIDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. PERMANÊNCIA DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO UNIVERSITÁRIO PELO DEPENDENTE OU O ATINGIMENTO DA IDADE DE 24 (VINTE E QUATRO) ANOS, PREVALECENDO A HIPÓTESE QUE PRIMEIRO OCORRER. POSSIBILIDADE. I – É cabível a manutenção do benefício de pensão por morte instituída em favor de dependente universitário até a graduação do mesmo em curso de nível superior ou completados 24 anos, prevalecendo a hipótese que primeiro ocorrer, face à presunção de que o alimentando, enquanto não concluída a sua formação profissional, ainda estaria sob a dependência do “de cujus”. II – Há de se conferir ao art. 217, II, alínea “b”, da Lei nº. 8.112/90 uma exegese consentânea com os princípios constitucionais, assegurando-se, em sua plenitude, o acesso à educação, erigida ao “status” de verdadeiro direito fundamental pela Carta Magna. III – Procedência ! do pedido.

1. RELATÓRIO:

Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, proposta por Igor Juhy da Costa Pinto Nascimento em face da Fundação Nacional de Saúde, objetivando que a Ré se abstenha de proceder ao cancelamento da pensão a que faz jus o Autor até o mesmo atingir a idade de 24 anos ou concluir o curso universitário em que se encontra matriculado, o que ocorrer primeiro.

Aduz que é beneficiário de pensão deixada por sua avó, a ex-servidora Antônia Zelva de Souza Nascimento, tendo sido informado que a concessão do benefício cessaria dia 06 de março do corrente, ou seja, dia em que completaria 21 anos de idade, pretendendo com a presente ação a permanência do pagamento do aludido benefício previdenciário.

Requer a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita e, ao final, a procedência do pedido.

Com a inicial, o instrumento procuratório e os documentos de f. 16-118.

Antecipação de tutela deferida às f. 119-123. Ainda naquela oportunidade, foi concedido ao Autor o direito ao benefício da gratuidade judicial.

A União Federal comunica a interposição de agravo de instrumento (f. 132-143), tendo o Eg. TRF da 5ª Região atribuído efeito suspensivo ao aludido recurso (f. 154-155).

Em resposta (f. 144-151), a Ré alega, inicialmente, a impossibilidade de concessão de tutela antecipada na hipótese. No mérito, argumenta que o pedido encontra óbice no art. 217, II, “b”, da Lei nº. 8.112/90.

Réplica às f. 168-178.

É o relatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

Não havendo necessidade de dilação probatória, passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC.

No que pertine à alegação de descabimento de antecipação de tutela, a matéria já restou enfrentada, deferindo-se o pedido, conforme decisão já citada (f. 119-123), tendo o Eg. TRF da 5ª Região, posteriormente, concedido efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento interposto pela União Federal contra a referida decisão (f. 154-155).

No mérito, a hipótese dos autos configura-se como matéria bastante recorrente no âmbito jurisprudencial, que diz respeito ao direito de o alimentando, estudante universitário, continuar percebendo a pensão alimentícia, mesmo depois de completar a maioridade.


Da análise dos documentos acostados (f. 28-88), depreende-se que o Autor é pensionista da FUNASA, e encontra-se cursando o sexto período do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe.

Com efeito, a jurisprudência pátria vem consolidando o entendimento de que é cabível a permanência do pagamento de pensão a dependente que esteja cursando o nível superior, até o atingimento da idade de 24 anos ou a conclusão do curso universitário, o que primeiro ocorrer.

Nesse sentido, dispõem os seguintes precedentes:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. PENSÃO MENSAL. LIMITE DO PENSIONAMENTO. ABATIMENTO DE VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO DE VIDA. I – Termo final do pensionamento devido às filhas menores da vítima. Fixação em 24 anos, considerado que, nessa idade, as beneficiárias já terão concluído a sua formação, inclusive em nível universitário. II – Abatimento dos valores pagos a título de seguro de vida: dissenso interpretativo não suscetível de configuração. III – Recurso especial conhecido, em parte, e provido. (STJ. Resp 333462/MG. Rel. Min. Barros Monteiro. DJ 24.02.2003. p. 238)

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PENSÃO. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. MAIORIDADE. DIREITO. 1.Tendo como norte o direito à educação, dever do Estado e da família, deve ser resguardado o direito à percepção de pensão, ainda que o seu beneficiário tenha atingido a maioridade, até que o mesmo complete a idade de 24 (vinte e quatro) anos, no intuito de possibilitar o custeio dos seus estudos universitários. 2. Precedentes do Eg. STJ. 3. Apelação parcialmente provida”. (TRF da 5ª Região. AC 282794/CE. Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria. DJ 10.04.2003, p. 553)

“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE MAIOR DE 21 ANOS. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. 1. É cabível a prorrogação do benefício previdenciário de pensão por morte até que o dependente complete 24 anos de idade, na hipótese de ser estudante de curso universitário. Precedente. 2. Estando regularmente instruído o agravo de instrumento, é possível o seu julgamento imediato, restando prejudicado o agravo regimental. 3. Agravo de instrumento improvido”. (TRF da 4ª Região. AGA 149033/SC. Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu. DJU 22.10.2003, p. 592).

Nesse ponto, há de se lembrar que o Direito Civil tem inegável natureza supletória das omissões normativas, especialmente em matéria previdenciária.

Além disso, a hermenêutica estabelece que as normas proibitivas devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo alcançar situações fáticas que não foram estabelecidas na lei.

Segundo a lição do Min. Sálvio de Figueiredo:

“A interpretação das leis não deve ser formal, mas, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (…) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando ‘contra legem’, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum.”1

Em exame do tema, mostram-se irreparáveis as palavras do Juiz Federal Edílson Nobre Júnior (4ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte) lançadas nos autos da ação ordinária nº 2002.84.00.8067-5:

“05. Em matéria de pensão estatutária, típica prestação previdenciária, não se pode, a princípio, esquecer que a tarefa de definir o rol dos seus beneficiários pertence ao legislador.

06. Sendo assim, não haveria como obter êxito a autora, haja vista que o art. 217, II, alínea a, da Lei 8.112/90, ao ditar:

“Art. 217. São beneficiários das pensões:

II – temporária:

a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez”

07. Nessa linha, a jurisprudência se posicionou pela inexistência, ante a Lei 8.112/90, do direito do filho maior de 21 anos à continuidade da pensão temporária, conforme se pode conferir, a título exemplificativo, dos seguintes julgados: STJ, 5ª T., Resp 443503/SC, rel. Min. FELIX FISCHER, v.u., DJU de 16/12/2002, p. 383; STJ, 5ª T., Resp 259718/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, v.u., DJU de 22/04/2003, P. 250.

08. Esse sempre foi o entendimento deste julgador. Todavia, a inicial agrega um informe novo, qual seja a de que a Lei 3.765/60, que disciplina as pensões militares, com alteração imposta pela MP 2.215-10, 31-08-01, cuja vigência se beneficiara da cláusula de perpetuidade do art. 2o da Emenda Constitucional 32/01/00, passou a dispor no seu art. 7o, I, alínea d:

“Art. 7º A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declaração de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na ordem de prioridade e condições a seguir:

I – primeira ordem de prioridade:

d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e”


09. Vê-se, portanto, que, pela primeira vez em nosso ordenamento, o legislador passou a voltar sua atenção para os dependentes na condição de filhos em curso de estudos universitários, permitindo o prolongamento da pensão temporária até 24 anos. A pergunta que surge é a seguinte: tal disposição é aplicável também aos dependentes dos servidores civis? A primeira resposta que se antevê é a negativa, principalmente se considerado que os servidores civis são regidos por estatuto próprio.

10. Penso ser possível solução diversa. Não se pode deixar de considerar que o princípio da legalidade, inscrito no art. 37, caput, da CF, não mais se circunscreve à cega obediência à letra da lei. Pressupõe, antes de tudo, o respeito à lei e ao Direito, conforme enunciam constituições recentes, tais como a da Alemanha de 1949 (art. 20.3) e da Espanha de 1978 (art. 103.1).

11. Desse modo, a atual configuração do princípio da legalidade não dispensa, anteriormente pressupõe, interação com os princípios gerais de direito e com o sistema de direitos fundamentais, consagrado em determinado ordenamento.

12. Daí considerar recomendável que o atuar jurisprudencial, sempre fértil como fonte jurídica, possua ponderável atuação no concretizar os desígnios constitucionais, principalmente em matéria previdenciária, seara onde os tribunais serviram de lastro inspirador às previsões normativas. Por exemplo, o direito da companheira à pensão previdenciária é de ser tributado, com anterioridade aos tribunais, do que ao Parlamento.

13. Na espécie, há dois valores constitucionais que impõem a extensão aos filhos dos servidores civis do art. 7o, I, alínea d, da Lei 3.765/60. O primeiro deles é o direito à educação, consagrado no art. 205 da Lei Fundamental como dever do Estado e da família, o qual impõe que a pensão temporária se prolongue até 24 anos, época provável da conclusão de curso superior ao filho universitário.

14. Em segundo lugar, há o cânon da isonomia, previsto no art. 5o, I, da Lei Básica, a qual não tolera, por inteiramente arbitrária e fora da razoabilidade, a previsão de referido benefício unicamente para os filhos dos servidores militares. Não é demasiado asseverar que a distinção legal caprichosa, no diferenciar o tratamento jurídico dado a uma classe de indivíduos, como acentuou SAN TIAGO DANTAS, em escrito tornado clássico na literatura pátria (Igualdade perante a lei e “due process of law”: contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo. Revista Forense, Rio de Janeiro, p. 21-31, abril, 1948), revela-se inconstitucional por agredir o princípio da igualdade.

15. Poder-se-á argumentar que suposta inconstitucionalidade, por infringência do art. 7o, I, alínea d, da Lei 3.765/60, à obrigação constitucional de tratamento igualitário, pouco beneficiaria o autor, uma vez o Judiciário não poder operar como legislador positivo. Assim, a mácula constitucional apenas poderia albergar forças para invalidar o dispositivo acima referido e não para justificar a ampliação de sua força vinculante a outras situações.

16. O ponto de vista de que, na jurisdição de constitucionalidade, o Judiciário apenas detém o papel de legislador negativo, invalidando a norma tisnada de inconstitucional, embora conte com o prestigioso lastro do Supremo Tribunal Federal (Pleno, Rp 1.417 – DF, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 15-04-88), não tem, com a devida vênia, acompanhado o evolver que sofrera a matéria, carecendo, por isso, novo exame.

17. Sou de que, na hipótese, há uma lacuna, qual seja a ausência de norma que verse sobre o termo final da pensão do filho de servidor civil universitário. A colmatação daquela poderá ser feita mediante a via da integração, máxime porque assim o exige o princípio da isonomia.

18. Contrastando com o mito que se forjou do Judiciário como “legislador negativo”, não se pode olvidar que as cortes constitucionais européias elaboraram a figura das sentenças aditivas. Tomando como exemplo a Corte Constitucional italiana, temos as chamadas sentenze aggiuntive ou additive, utilizadas quando uma disposição porta uma norma de menor abrangência daquela que, constitucionalmente, deveria possuir, de modo que a declaração de inconstitucionalidade tem como efeito de inserir no texto normativo aquilo que lhe falta, sanando-lhe a omissão parcial. A propósito, consultar: GUSTAVO ZAGREBELSKY (La giustizia costituzionale. Bolonha: Società editrice il Mulino, 1977, p. 156-157) e LIVIO PALADIN (Diritto Costituzionale. Milão: CEDAM, 1998, p. 781). Entre nós, suscita a questão FRANCISCO CAVALCANTI (A inconstitucionalidade por omissão parcial e a revogação da Súmula n.º 339 do STF. In: BELLO FILHO, Ney de Barros (Coord.). Estudos em Homenagem a Dionísio Rodrigues Nunes Brasil. São Luís: Seção Judiciária do Maranhão, 2001. p. 151-156).

19. No caso dos autos, a autora é estudante devidamente matriculada no Curso de Psicologia da Universidade Potiguar (fls. 22), pelo que seria sobremodo injusto que não lhe fosse deferida a prorrogação da pensão pelo simples fato de seu extinto genitor não haver seguido a carreira castrense, mas sim a de servidor civil.

20. À derradeira, não argumente a representação judicial da autarquia-ré, ao manejar recursos, que a presente decisão contribui para a elevação da despesa pública. Isso porque, conforme se depreende do Orçamento Geral da União do corrente exercício (DOU, Seção I, de 30.04.2003, p.77), esta, não obstante projetar gastos de 16,01% com reformas e pensões dos servidores militares frente a 14,3%, relativos às aposentadorias e pensões da Administração Direta, não hesitou em editar medida provisória, tendente à ampliação do prazo dos pensionamentos solvidos a filhos de militar, desde que estudem em estabelecimento de ensino superior.”

3. DISPOSITIVO:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para, confirmando a antecipação de tutela concedida, determinar à União Federal que se abstenha de proceder ao cancelamento da pensão a que faz jus o Autor, devendo o referido benefício adotar como termo final a data em que o Requerente complete a idade de 24 (vinte e quatro) anos ou a data em que conclua o curso universitário em que se encontra matriculado, aquele que primeiro ocorrer.

Condeno a Ré no pagamento dos valores que foram suspensos do benefício do Autor, devendo o referido ‘quantum’ ser corrigido com a observância das recomendações do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, ou outro manual semelhante que venha a substitui-lo.

Aos valores apurados, devem ser acrescidos juros de mora, contados da citação, no patamar de 6% ao ano, até a entrada em vigor do Novo Código Civil. A partir daquela data (11.01.2003), deve ser aplicado o disposto no art. 406 do referido diploma, que determina a taxa de juros em 1% ao mês, até a data do efetivo pagamento (Enunciado nº. 20 CJF).

Condeno, ainda, a União Federal no pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais).

Custas isentas, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº. 9.289/96.

Sentença sujeita ao reexame necessário, a teor do art. 475 do CPC.

Por oportuno, oficie-se ao MM. Des. Relator do Agravo de Instrumento AGTR nº. 61.357/SE, comunicando-lhe o inteiro teor desta.

P.R.I.

Aracaju, 04 de agosto de 2005.

RICARDO CÉSAR MANDARINO BARRETTO

Juiz Federal da 1ª Vara/SE

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