Direito de calar

Sócio da Guaranhuns obtém liminar para enfrentar depoimento

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8 de agosto de 2005, 19h18

O empresário José Carlos Batista, sócio gerente da Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações, garantiu o direito constitucional de permanecer calado e de não se auto-incriminar no depoimento que prestará nesta terça-feira (9/8) ao delegado de polícia federal Luiz Flávio Zampronha.

Representado pelos advogados Celso Renato D’Avila e Fernanda de Paula Botelho Gonçalves — do escritório Hasson Sayeg, Finkelstein, D’avila, Santiago Guerra e Nelson Pinto — o empresário entrou com Habeas Corpus preventivo na 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília e obteve liminar.

Segundo o advogado Ricardo Sayeg, que também integra o escritório, “a oportunidade de falar somente perante o Judiciário garante que a defesa de João Carlos Batista fique imune de ingerência política”.

Batista é investigado por ter feito operações financeiras para o empresário Marcos Valério de Souza. No pedido, a defesa afirmou que “o paciente (Batista) está com receio desta investigação e, conseqüentemente, de abusos e desvios na apuração, principalmente, pela Polícia Federal, pois, conquanto não seja político, o caso investigado no qual está envolvido o é”.

A defesa sustentou também que diante do eminente risco de vir a ser preso pela PF, “na hipótese jurídica de exercer regularmente seu direito fundamental de permanecer calado, não resta ao paciente outra alternativa senão impetrar o presente Habeas Corpus Preventivo, com vista a que lhe seja concedido salvo conduto para comparecer, conforme determinado pela autoridade de Polícia Federal, contudo, quanto à referida investigação, reservando-se o direito de somente falar em juízo, consoante o artigo 5º, inciso LXIII, da CF”.

Processo 2005.34.00.024151-7

Leia o pedido de HC

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA CRIMNINAL DA JUSTIÇA FEDERAL DE BRASÍLIA/DF.

Distribuição com urgência

Com pedido de liminar

Os advogados CELSO RENATO D’AVILA e FERNANDA DE PAULA BOTELHO GONÇALVES, respectivamente inscritos na OAB/DF sob os nºs 360 e 21.742, com escritório no SCS, Quadra 01, Bloco 6, 13º andar, salas 1.303/1.305, Edifício Baracat, Distrito Federal, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 5, incs. LXVIII e LXIII, da Constituição Federal e arts. 647 e 648, I, do CPP e art. 8°, 2, (g), do Decreto 678/92, impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO

COM PEDIDO DE LIMINAR

Em favor do Paciente JOSÉ CARLOS BATISTA, brasileiro, casado, portador da cédula de identidade de n° XXX, cadastrado no CPF/MF sob o n° XXX, residente e domiciliado na Rua XXX, Santo André/SP, a fim de assegurar seu direito constitucional de permanecer calado e de não se auto incriminar, por conta de sua intimação para prestar depoimento ao delegado de Polícia Federal LUIZ FLÁVIO ZAMPRONHA, AMANHÃ – dia 09/08/2005 – às 16:00 horas, no Departamento de Polícia Federal – Coordenação de Assuntos Internos, em Brasília/DF, pelo que passam a expor e requerer o quanto segue:

O Paciente é operador de mercado financeiro, sócio gerente da empresa Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda, tendo realizado operações financeiras para o Sr. Marcos Valério, razão pela qual está sendo investigado por conduta que, eventualmente, caracterize crime de quadrilha liderada pelo Deputado José Dirceu e além deles, composta por José Genuíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Luiz Gushiken e outros, em concurso com crime eleitoral, crime de lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeira nacional.

Referida investigação está sendo realizada simultaneamente pelas CPMI dos Correios e CPMI do “Mensalão”, bem como, pela Polícia Federal, cuja corporação policial intimou o Paciente a comparecer em Brasília – DF, AMANHÃ dia 09.08.2005, às 16:00 horas, perante o Sr. Delegado de Polícia Federal Luiz Flávio Zampronha, para prestar depoimento sobre esses fatos extremamente complexos, compostos de uma enorme diversidade de condutas.

Entretanto, o Paciente está com receio desta investigação e, conseqüentemente, de abusos e desvios na apuração, principalmente, pela Polícia Federal, pois, conquanto não seja político, o caso investigado no qual está envolvido o é.

Com efeito, o Paciente, em razão de estar envolvido na eventual prática dos referidos crimes, deseja, por ora, exercer o direito fundamental de permanecer calado e somente apresentar sua versão dos fatos em juízo, como lhe permite o art. 5°, LXIII, da CF, c/c art. 186, do CPP.

Ressaltando-se que, principalmente, diante da possível imputação do crime de quadrilha (art. 288, CP), além de todas as outras possíveis, não há como separar o que seria ou não objeto da referida apuração criminal contra si, inclusive, no que tange ao Srs. Marcos Valério, José Dirceu, José Genuíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Luiz Gushiken e outros, via de conseqüência, impondo-se sem restrições a prerrogativa do Paciente contra a auto-incriminação, consoante consagrado pelo Pacto de São José da Costa Rica – art. 8°, 2, (g), devidamente ratificado pelo Decreto 678/1992.

Neste sentido:

“O privilégio contra a auto-incriminação — que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito — traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio — enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incrimina-la (nemo tenetur se detegere) — impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado.” (STF, HC 79.812, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/01).

“Informação do direito ao silêncio (Const., art. 5º, LXIII): relevância, momento de exigibilidade, conseqüências da omissão: elisão, no caso, pelo comportamento processual do acusado. O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a auto-incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade. …” (STF, HC 78.708, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/04/99).

“O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável.” (STF, HC 83.096, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/03)

“… O privilégio contra a auto-incriminação — nemo tenetur se detegere —, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência — e da sua documentação formal — faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em ‘conversa informal’ gravada, clandestinamente ou não.” (STF, HC 80.949, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14/12/01). No mesmo sentido: HC 69.818, DJ 27/11/92.

Receio este, que se agravou na última sexta feira, na Polícia Federal em São Paulo, onde o Paciente foi intimado a depor. Na referida oportunidade, o Paciente iniciou o ato à autoridade policial local, desde logo, afirmando que iria exercer seu direito constitucional de permanecer calado e somente falar em juízo. Todavia, num primeiro momento, a autoridade policial, ao invés de respeitar o direito constitucional do Paciente, passou a adverti-lo de que iria ouvi-lo como testemunha, quando na verdade é envolvido, para pretender obriga-lo a dizer sua versão; e, em decorrência, poder prendê-lo, em caso de desobediência.

Criado o impasse, a autoridade policial local voltou atrás, não tendo sido lavrado termo de depoimento, contudo, com remarcação do ato com outro Delegado de Polícia em Brasília – DF, o Dr. Luiz Flávio Zampronha, do Departamento de Assuntos Internos.

Ora, se o Paciente já compareceu perante a Polícia Federal e manifestou-se, formalmente, que exerceria seu direito fundamental de permanecer calado e somente falar em juízo, porque isso agora? Realmente é um claro prenúncio de algo que possa vir a acontecer, fato extremamente lamentável, como é a restrição da liberdade de ir e vir do Paciente.

Sendo certo que, nestas circunstâncias, a conduta de compromissar o Paciente, envolvido na investigação, como testemunha, para que, forçadamente, sob pena de ser “jogado na cadeia”, preste seu depoimento, contrariando seu direito constitucional de permanecer calado, corresponde a evidente prática do crime de tortura, tipificado no art. 1°, inc. I, alínea (a), da Lei 9.455/97, in verbis:

“Art. 1º – Constitui crime de tortura:

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

Pena – reclusão, de dois a oito anos.” (grifamos)

Uma vez que, na hipótese, esta conduta de compromissar alguém a dizer sua versão, para poder passar a ameaçar este de “jogar-lhe na cadeia”, tem o fim específico de extrair o respectivo depoimento.

Ante o iminente risco de vir a ser preso pela autoridade coatora, na hipótese jurídica de exercer regularmente seu direito fundamental de permanecer calado, não resta ao Paciente outra alternativa senão impetrar o presente Habeas Corpus Preventivo, com vista a que lhe seja concedido salvo conduto para comparecer, conforme determinado pela autoridade de Polícia Federal, contudo, quanto à referida investigação, reservando-se o direito de somente falar em juízo, consoante o art. 5º, inc. LXIII, da CF.

Entrementes, o Paciente não pode aguardar o julgamento final do writ, em razão do depoimento haver sido designado para a data de AMANHÃ, às 16:00 horas, o que caracteriza o periculum in mora, justificador da concessão de medida liminar.

DO PEDIDO

À vista do exposto, com fulcro no art. 5, incs. LXIII e LXVIII, da Constituição Federal e art. 8°, 2, (g), do Decreto 678/92, os Impetrantes, na forma dos arts. 647 e 648, I, do CPP, impetram a presente Ordem de Habeas Corpus, a qual deverá ser processada e, ao final, PROVIDA, a fim de que seja concedido ao Paciente salvo conduto para comparecer, conforme determinado pela autoridade de Polícia Federal, no Departamento de Assuntos Internos, contudo, quanto à referida investigação, assegurando-lhe o direito de se reservar a somente falar em juízo.

Requerem, outrossim, em caráter de urgência, tendo em vista o periculum in mora, que se digne Vossa Excelência de conceder liminarmente o Habeas Corpus, para o fim de imediatamente conceder ao Paciente salvo conduto para comparecer, conforme determinado pela autoridade de Polícia Federal, no Departamento de Assuntos Internos — AMANHÃ — 09/08/2005, às 16:00 horas, contudo, quanto à referida investigação, assegurando-lhe o direito de se reservar a somente falar em juízo.

Requerem a notificação para que se prestem as devidas informações.

Termos em que

Pede deferimento

Brasília, 08 de agosto de 2005.

CELSO RENATO D´AVILA

Advogado

FERNANDA DE PAULA BOTELHO GONÇALVES

Advogada

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