Um país no limite

“O Brasil está virando Gotham City”, diz advogado

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7 de agosto de 2005, 13h04

O advogado Jairo Saddi foi ver o filme Batman Begins e voltou impressionado. Nem tanto pelo filme em si e muito mais pelas semelhanças que ele viu entre a Gotham City do homem-morcego e o Brasil de hoje em dia: “City chegou ao limite, ao extremo. O Brasil está chegando nesse ponto: violência, falta de segurança, problemas de saúde, desigualdade social, desequilíbrio regional e tudo isso. O que acontece no filme é que você cria um herói. O Brasil precisa de um herói”.

Saddi tem até o seu candidato a herói: o ministro Antonio Palocci, que a seu modo de ver, é o avalista da estabilidade econômica do país e a vacina que tem conseguido manter a imunidade da economia contra o vírus da crise política: “Na medida em que a crise não afete o Palocci certamente os mercados vão entender que foi um problema político e localizado no Congresso”.

A crise política foi só o começo da entrevista que o diretor do Centro de Estudos em Direito do IbmecLaw concedeu à equipe de jornalistas da revista Consultor Jurídico. Participaram da entrevista o editor-executivo Maurício Cardoso, o editor Rodrigo Haidar e os repórteres Leonardo Fuhrmann e Maria Fernanda Erdelyi. Saddi dissertou também sobre mercado de capitais, a situação do Judiciário no país, o exercício da advocacia e, com especial entusiasmo o ensino do Direito e o Ibmec: “a nossa intenção é fazer do Ibmec a melhor escola de negócio, administração e direito do país”.

Jairo Saddi é formado em Direito e é doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo. Tem também formação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Além de seus postos de direção no Ibmec, é também vice-presidente do Ibef — Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças e redator-chefe da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais.

Leia a entrevista

Conjur — Como o senhor vê as atuais denúncias de corrupção?

Jairo Saddi — É um cenário muito diferente em relação ao do Collor. Há uma crise séria, de instituições. Nada que o Brasil não tenha conhecido inúmeras vezes, mas pela primeira vez com um partido de quem se esperava um comportamento diferente. Espero que isso não atinja o presidente Lula, seria muito ruim para o país, uma sangria totalmente desnecessária.

Conjur — Esta crise deve atingir a economia também?

Jairo Saddi — Na medida em que a crise não afete o Palocci certamente os mercados vão entender que foi um problema político e localizado no Congresso. Ou seja, quase como uma história conhecida. Além disso, a desvalorização do yuan faz com que os mercados continuem acreditando que a China pode continuar comprando commodities brasileiras, como minério de ferro. É só olhar o desempenho das ações das siderúrgicas. E o fiador desse processo financeiro é o Palocci.

Conjur — Esta situação singular que se dá agora, em que a instabilidade política não contamina o cenário econômico, é um sinal do amadurecimento e fortalecimento das instituições?

Jairo Saddi — É um sinal de uma mídia mais livre, um sistema político que se alimenta de escândalos, mas não acho que as instituições se fortalecem. Talvez essa contribuição do Banco Central de criar um cadastro informatizado de todos os correntistas seja muito maior do que qualquer contribuição. Hoje você não consegue sacar mais de R$ 10 mil sem comunicar ao Banco Central. Instituições se fortalecem com medidas que tem começo, meio e fim. O que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) fez não foi um serviço à nação. Muito pelo contrário. O impeachment seria muito ruim para o país.

Conjur — O Palocci é o novo herói do Brasil?

Jairo Saddi — O filme Batman Begins tem uma analogia interessante com o Brasil, porque Gotham City chegou ao limite, ao extremo. O Brasil está chegando nesse ponto: violência, falta de segurança, problemas de saúde, desigualdade social, desequilíbrio regional e tudo isso. O que acontece no filme é que você cria um herói. O Brasil precisa de um herói. O Lula lamentavelmente não é esse herói. Apesar de ele ter essa biografia de herói. No exterior a biografia do Lula é muito admirada. Um país que sofreu a ditadura, que encarcerou líderes sindicais, ter Lula como presidente é exatamente a ruptura de um modelo de atraso. Só que ele assume e esquece de parar de fazer campanha. Em vez de tentar promover a mudança, ele resolve aderir. O Palocci é um médico, não entende de economia, mas tem bom senso.

Conjur — Palocci 2006? Ou chamamos o Batman?

Jairo Saddi — Eu acho que devia ser o papel do Lula, desde que não se descubra qualquer coisa errada com ele. O Brasil precisa de instituições, mas precisa também de mitos. Nós fomos destruindo mitos com muita rapidez. É só olhar os candidatos à sucessão do Lula. O melhor que o Lula poderia fazer é dizer “eu não sou candidato à reeleição”. Salvaria sua biografia. Outro dia estava em Washington e havia uma exposição sobre presidentes dos Estados Unidos. O melhor era um texto do Lincoln que dizia que a Presidência é como um fardo insuportável 24 horas por dia, 7 dias por semana, doze meses por ano, 4 anos da vida. Presidência é um fardo. Tinha que acabar com essa história de reeleição. Simplesmente criar algum mecanismo para que o presidente tenha um mandato de cinco anos — acho que quatro é pouco — e não possa se reeleger. Se o Lula resolver insistir na reeleição nós vamos para o buraco rapidamente porque esse cenário externo mundial tende a piorar.


Conjur — Qual é o papel do Judiciário nessa questão?

Jairo Saddi — O outro candidato é Nelson Jobim, na minha opinião. Quando se fala de reserva moral a gente olha o Judiciário como a instância última da decisão do que é justo. Se a gente olhar os países que tiveram Judiciário forte e os países que cresceram você vê que a correlação é grande. Porque o capitalismo sem crise é como catolicismo sem pecado. Todo mundo um dia peca, desliza, comete as suas imprudências. Você precisa ter um sistema que resolva conflitos. E o nosso Judiciário por um lado tem recursos de menos e instâncias de mais. É o único Supremo que julga de tudo. O exemplo que eu sempre dou é a história do Fluminense em 1908, que joga com o Flamengo e perde. Segundo os autos, o juiz era um ladrão e o time entra com recurso no Judiciário. Esta história é verdadeira. Em 1986 o Supremo dá uma decisão final consagrando o Fluminense campeão. De nada adiantou o Fluminense ter sido campeão. Até porque os torcedores nem estavam lá. Não é uma decisão justa. Está contado no livro do Armando Nogueira. O segundo requisito fundamental é a imparcialidade. Terceiro, também muito importante, baixo custo de acesso, o Judiciário no Brasil não pode ser para pobre. E finalmente um Judiciário previsível.

Conjur — A reforma do Judiciário não melhorou nada?

Jairo Saddi — A reforma do Judiciário é um exemplo clássico de como você tenta agradar a todos. Então fica uma reforma muito incompleta. O que você fez nessa reforma? Você criou o Conselho Nacional da Justiça, que até agora resumiu sua atuação a uma luta por cargos.

Conjur — A primeira decisão foi desobedecida.

Jairo Saddi — E é a decisão até agora mais relevante, de que não haveria duas férias forenses ao longo do ano. Depois foi criada uma súmula que não é vinculante. Uma coisa no meio do caminho. Você não mexeu no sistema da carreira do Judiciário e o Conselho Nacional da Justiça é um controle externo também capenga porque você não tem maioria de fora. Então é uma reforma absolutamente periférica como foram as outras do governo Lula. Fazer reforma desse jeito, não vou dizer que é melhor não fazer, mas é tapar o sol com a peneira. Os juízes afirmam que o Brasil é um país de direitos, todos têm direitos. Então para qualquer coisa você tem direito. Você pega um empréstimo, não paga, corre para o Judiciário dizendo que houve abuso na cobrança de juros.

ConJur — A Constituição, apesar de recente, já está ultrapassada?

Jairo Saddi — O grande culpado disso foi o Fernando Henrique Cardoso. Quando assumiu em 94, ele teria de fazer a Reforma Constitucional prevista na Constituição de 88. Ele deveria ter chamado o Congresso. E a prova é que passaram onze anos e foram feitas reformas pífias, para privatizar, e — diga-se de passagem — sem regulação. Serviço público debaixo de uma empresa privatizada é um caos. A única reforma que o governo Lula fez que o governo FHC não conseguiu fazer foi a Lei de Falências que é importante, e avançou a duras penas. Mas é uma gota no oceano.

Conjur — E a questão tributária?

Jairo Saddi — Hoje você tem uma transferência do setor privado para o setor público como tributo. Tributo nada mais é do que transferência de renda do particular para o Estado, que está na ordem de 38%. O Estado cobra muito e cobra mal seus tributos. Essa proposta de unificar receita é uma proposta que faz sentido porque o Estado é um mau cobrador de impostos. A primeira coisa que uma empresa deixa de pagar é imposto. Do outro lado o Brasil é um país de uma voracidade fiscal bárbara. Então você começa a criar toda sorte de tributos, inclusive inconstitucionais. Não sou advogado da Daslu, acho um projeto acintoso, mas hoje abri o jornal e li uma declaração deles de que não houve autuação da loja e uma série desse impostos está sendo questionada em juízo. Ora, princípio constitucional. Você tem um excessivo formalismo legislativo. O Brasil é um país de pretensa informalidade. O resultado é que 98%, 99% das pessoas jurídicas cadastradas no CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas] está no Cadin [Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal] .

Conjur — Mas não é este o papel do fisco?

Jairo Saddi — O fisco tem se comportado não como um braço do Executivo que visa o interesse público, mas como uma agência de arrecadação com meta cujo objetivo é arrecadar cada dia mais. Lei é que nem cerca no Brasil. Se é muito rígida passa-se por baixo, se é frouxa passa-se por cima. Do outro lado o fisco precisa transigir porque muitas vezes faz mais sentido garantir emprego, garantir eqüidade empresarial, garantir ente empresarial do que arrecadar. Advogado descobre desde cedo na carreira que cliente bom é quem paga. No primeiro mês de escritório você descobre que se o sujeito está morto ele não paga.


Conjur — O que o senhor quer dizer quando afirma que o Estado precisa transigir?

Jairo Saddi — Uma empresa como a Varig teria que pagar duas vezes e meia o seu faturamento bruto, o que simplesmente ela não consegue. Não acho que você deva dilatar prazo. Mais sensato seria seguir uma proposta feita pelo professor Aluísio Araújo: um sistema de leilão, de crédito tributário, de compensação. Quem tem a receber em precatório compensa por quem tem a pagar. Soluções criativas porque o Estado é mau cobrador e mau pagador.

Conjur — A conta parece simples. Você deve mil de imposto e tem 800 para receber em precatório. Porque é tão difícil fazer esse encontro de contas de simplesmente dar os 800 e pagar 200 depois?

Jairo Saddi — Nunca teve vontade política do Estado pagar. Quem contrata com o Estado cobra mais. Eu inflo a margem de lucro porque sei que tenho que dar caixinha para conseguir o projeto, dar caixinha para receber, dar caixinha porque sabe que o Estado não paga hoje, vai ter que fazer acordo. É por isso que a carga tributária não cai. É preciso dar transparência a isso.

Conjur — A pessoa não pagaria imposto para receber seus precatórios?

Jairo Saddi — Alguém que deve imposto vai ter um desconto e vai quitar o seu imposto com os precatórios mas, enquanto isso, o que tem a receber e não deve nada não recebe. Do ponto de vista do caixa do Estado fica a mesma coisa. Politicamente é inviável isso. E aí o que acontece? O Judiciário passa a suprir isso de forma pontual mediante certas decisões. Principalmente esse deságio aumenta com o tempo.

Conjur — É um mercado negro?

Jairo Saddi — Gotham City. Terra do cão. É uma selva. É preciso reduzir o tamanho do Estado. E por mais atraente que seja contratar funcionário público, amigo, botar todo mundo no governo, não adianta. O estado brasileiro é pobre, falido. Então precisa reduzir o tamanho do Estado, precisa ter um órgão regulador forte. Para isso não precisa ter 150 mil pessoas. Regulação se faz hoje com cabeça não com braço. O Estado precisa ser transparente. A grande contribuição da internet, isso acontece com as empresas de ferrovia do século XIX, é que ela reduz o custo de transação. Um caso que ilustra bem é o do Banco Santos, que foi liquidado. Fizeram um leilão pela internet. O liquidante arrecadou nesse leilão mais do que os bens valem. É a maneira mais lícita, mais ética. Compra quem quer. Democracia econômica é isso. Acredito que o e-government é uma grande saída.

Conjur — Toda essa informação existe só que fica escondida.

Jairo Saddi — Em alguns países do mundo o político abre a conta bancária dele quando assume o cargo: eu ganho tanto, está aqui a minha conta bancária. Ele divulga. Transparência é importante. E o Brasil historicamente é um país sem transparência em tudo. Você não vê nenhum movimento para aumentar a transparência.

Conjur — O senhor poderia falar sobre a Lei de Falências.

Jairo Saddi — A lei falimentar avança. É uma reforma profunda numa lei de 1945. Acaba com o favor legal da concordata e cria o instituto da recuperação que é o que a concordata nunca foi. Com a concordata o Estado dava ao devedor, preenchidos certos requisitos, o direito de não pagar, numa moratória legal goela abaixo do credor no prazo de dois anos. Isso nunca funcionou. Ponto dois: tira o credor fiscal do lugar máximo da recuperação porque privilegia o credor com garantia bancária. Não é banqueiro, mas é alguém que colocou o seu capital mediante um certo cuidado chamado garantia. Por que isso é importante? O Brasil empresta menos do que a Venezuela, por exemplo. Nós emprestamos menos de 28% do PIB e a Venezuela empresta 30%. Os Estados Unidos está com 120%. Terceiro grande avanço é que você pára de usar a lei de falências como um mecanismo de cobrança. Na primeira semana da lei, as falências na capital caíram de 220 para menos de 5 porque todo mundo usava a lei de falência para cobrar: protestava, ia lá e pedia falência. E, finalmente, o outro grande avanço da lei é que dá mais flexibilidade à recuperação, amplia a esfera de atuação do credor.

Conjur — Onde a nova lei não funciona?

Jairo Saddi —Ela não resolve o problema do administrador judicial. Na minha opinião, devia ser um credor. Ainda continua na mão do juiz o poder de nomear o administrador judicial, que é o antigo síndico. Isso é ainda ponto para a corrupção, compra, toda sorte de práticas. Acho que no momento em que alguém castiga o empresário, e não a empresa, você já tem alguma coisa para ser recorrida. Se o empresário no capitalismo vai mal você simplesmente troca o empresário sem penalizar a empresa.

Conjur — O que mais falta reformar?

Jairo Saddi — Enquanto a gente não fizer uma reforma trabalhista, não adianta. Temos um outro problema porque o sindicato no Brasil não é forte, não é legítimo, não é estruturado para que possa ter representatividade. Além de ser sindicato único. De um lado precisa avançar nessa reforma, de outro precisa flexibilizar. Precisa parar de achar que o trabalhador é um débil mental e que o Estado precisa fazer tudo por ele. O segundo maior credor das empresas em crise é o trabalhador. Não é banco e não é fornecedor, é trabalhador.


Conjur —Vamos falar de parceria público-privada. No governo FHC ocorreu o maior volume de privatizações. A novidade do governo Lula é a PPP. Qual é a melhor saída?

Jairo Saddi — São coisas teóricas completamente diferentes. A privatização segue o princípio de que o que o Estado pode não fazer, transfere para o particular mediante o pagamento ao Estado. Existe um princípio nisso que o governo FHC esqueceu: é a idéia de que tenho competição onde possível, regulação onde necessário. Porque o mercado competitivo é o melhor: sempre que tenho competição, tenho melhor serviço. Competição é fundamental para a economia. Agora, quando não tem competição por razões de monopólio natural — não dá para você ter cinqüenta Sabesps no estado — então vale a pena privatizar e regular. O que o governo FHC fez? Ele privatizou os serviços de telefonia, de fato houve grande melhora nisso porque você tem hoje cobertura de municípios como você nunca teve mas ao mesmo tempo um serviço porco. Caro e porco.

Conjur — Mas comparado com o que era, é muito melhor.

Jairo Saddi — É, em termos. Porque você tinha um problema do custo de linha. O serviço público era melhor e mais barato e as telefônicas estão ganhando dinheiro como nunca ganharam.

Conjur — Essa história das empresas espelho era uma enganação porque colocou uma empresa já estruturada concorrendo com uma que estava no zero.

Jairo Saddi — E antes ainda deixaram que a empresa estruturada tivesse monopólio da malha. Aí já não funcionou. No fundo o problema da privatização passa pela concorrência. No caso das PPPs, tenho um serviço público e não tenho dinheiro como Estado. Então o Estado pede para o particular explorar mediante um sistema de fundo de garantia em que a exploração lhe remunera pelo investimento prestado. Não é uma concessão, não é um serviço público privatizado, é um regime no meio do caminho. Está se discutindo agora fundo de garantia porque ninguém investe se não tiver chance de retorno. Eu acho que o problema da PPP é primeiro onde você vai usar a PPP.

Conjur — Onde o senhor acha que teria que ser usada a PPP?

Jairo Saddi — Coisas de muito longo prazo e que não envolvessem o usuário final. Por exemplo, construir uma hidrelétrica em que eu tenho a transmissão de energia privatizada mas a geração ainda não. Não em rodovias, especialmente não em rodovias em estado desenvolvido como São Paulo. Esse é um outro problema da Federação.

Conjur — Não é um avanço nesse sentido?

Jairo Saddi — Pode ser um avanço mas isso é a história do Garrincha. Tem que combinar com os russos. O ente privado tem que concordar com o que quer o Estado mas ele só vai entrar onde é rentável. Nós temos de parar de achar que o capitalista no Brasil é diferente do indiano, do japonês. Ele quer lucro, ele só vai onde é rentável. Toda vez que eu ouço falar em PPP no Norte, onde tem uma densidade populacional de zero habitante por quilômetro quadrado eu boto a mão na carteira porque alguém vai pagar a conta.

Conjur — Quem ganha com as PPPs?

Jairo Saddi — PPP pode ser um grande negócio para entes privado e um grande negócio para o Estado. Mais uma vez a questão não é a idéia, mas a execução da idéia. O que o Brasil precisa é de aumentar poupança, é ter um mercado de capitais forte. Por que a gente tem uma loteria tão desenvolvida? Só tem no Brasil. Todo mundo joga na loteria, mas ninguém quer arriscar na bolsa, que é um jogo também. Entre 1997 e hoje, com toda a crise, a ação da Gerdau subiu 4.000%. Nós precisamos fazer poupança. O Brasil precisa de poupança, não de PPP.

Conjur — Se há dez anos alguém falasse que a Varig não era uma empresa segura na visão geral da população seria um doido.

Jairo Saddi — Se você tem informação igual para todo mundo, se tem uma população educada, que cada um assuma seus riscos. Eu quero te mostrar que poupança em um país é fundamental. O mercado de capitais enriquece pessoas e empobrece outras, mas enriquece o país. O que o governo do Brasil fez com a bolsa? É uma relação de amor e ódio. Ora você ajuda, ora você bate, ora você atrapalha, ora você cria imposto. Na privatização o governo FHC destruiu a bolsa porque na hora em que privilegiou o capital que tinha na Telebrás, por exemplo, se tornou minoritário. O que é minoritário no Brasil? É um otário presunçoso. Otário porque compra ação de empresa que ele não conhece e presunçoso porque ainda quer ter dividendo. Isso foi graças ao FHC, graças à política de privatização. Você tem que tratar o minoritário bem. Se ele é enganado ele não volta. Transparência, disciplina e poupança são coisas que o Brasil precisa muito.

Conjur — Vamos falar do Ibmec Law.

Jairo Saddi — O Ibmec era uma ONG fundada no começo do governo militar, em 1969. Na década de 70 teve na área de Direito grandes juristas, como Modesto Carvalhosa, Nelson Eizirik. Em 1998 houve uma cisão: o ministro Reis Veloso ficou com o Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais, e dois ex-banqueiros, muito bem sucedidos, o Cláudio Haddad e o Paulo Guedes, ficaram com a outra parte, de ensino e pesquisa. Em 2002 o Cláudio Haddad comprou a parte do Paulo Guedes e dividiu a organização entre São Paulo, Belo Horizonte e Rio. Em São Paulo ele doou as ações para um instituto que hoje é o Instituto Veris. Hoje o Ibmec São Paulo é uma entidade sem fins lucrativos. O projeto tem sete anos e estou lá há seis. A gente tem muito orgulho de fazer alguma coisa em educação especificamente na área de Direito.


Conjur — O que é esse projeto de Direito?

Jairo Saddi — Primeiro é acreditar que a educação de fato é um valor. Para nós, educação não é um negócio. Como nós somos capitalistas e acreditamos no mercado de capitais e no bom capitalismo, a gente acha que deve ter resultado. Mas como se trata de uma entidade sem fins lucrativos, o resultado deve funcionar para perenizar o negócio como um todo. A nossa intenção é fazer do Ibmec a melhor escola de negócio, administração e Direito do país. Remunerar muito bem os seus professores e profissionais e ser um curso extremamente exigente. Nós não vamos fazer educação na base do mais ou menos. E o resultado disso é um só: aumentar a empregabilidade do nosso aluno.

Conjur — O que o Ibmec de São Paulo oferece de diferente em relação às outras escolas do país?

Jairo Saddi — A gente tenta ser uma escola moderna. Na área de Direito nós estamos tentando misturar professores acadêmicos, advogados militantes e magistrados ou reguladores. Porque ninguém melhor do que o Gustavo Loyola, do que o Costa e Silva, presidente da CVM, para dar aula para um advogado e dizer “olha, lá no Banco Central, lá na CVM a gente faz desse jeito”. Educação não é só transmissão de conhecimento. Uma das coisas que nós estamos trabalhando é em tecnologia de ensino.

Conjur — O número de pessoas que fala como acadêmico no mundo do Direito é muito pequeno.

Jairo Saddi — Mas isso é porque a academia deixou de ser um espaço neutro. Advogados tendem a achar que o Ministério Público está sempre errado. Isso não é verdade. E tem às vezes o ponto de vista emocional. Há algumas decisões emocionais que não têm embasamento jurídico. Essa história dessa moça Suzane: ela tem um embasamento técnico, puramente técnico independentemente de ser um crime bárbaro. E Direito é técnica. Você tem que ensinar na universidade o pretenso acadêmico jurista a se afastar dessa coisa emocional. Tanto é que a gente mistura. Mistura desembargador com advogado. Eu já presenciei coisas extremamente constrangedoras. O advogado não cumprimentar o desembargador. Mas o mundo é assim. A universidade tem, esse é o primeiro ponto importante, formação. Segundo ponto que a gente está lutando e obtendo muito sucesso é na publicação. Os americanos têm uma frase: publique ou morra. No Brasil a produção acadêmica em Direito é muito pequena. As pessoas escrevem cursos, comentários, artigos, mas não escrevem livros. Estamos publicando livros de alunos.

Conjur — Por que acontece isso? Por que falta material?

Jairo Saddi — Falta pesquisa. Lei de Falência: eu compro todos que surgem. Geralmente o cara comenta o artigo. Há exceções. Ele comenta o artigo reescrevendo o artigo. É o famoso chover no molhado. Você vê a repercussão do artigo em forma de texto. Mas precisamos de produção científica. Para isso tem de ter pesquisa.

Conjur — Os alunos escolhem os temas?

Jairo Saddi — Os alunos propõem, mas a gente aprova. E tem que ter começo meio e fim e tem que ser relevante. Então a gente tem que dar liberdade mas tem a última palavra para dizer “olha, isso aqui é útil, não é útil”.

Conjur — A gente tem hoje na área de Direito a questão da especialização. Advogado era um genérico. Hoje isso mudou.

Jairo Saddi — Ele nunca foi um genérico. Ele sempre foi alguém que tinha uma formação relativamente genérica nos primeiros três anos, já específica nos outros e aí ele ou ia ser acadêmico fazendo seu mestrado, doutorado, livre docência, cátedra ou então ele ia ter um curso de atualização. Isso aqui não era visto como especialização mas sim como atualização. Mudou, não porque a especialização deixa de acontecer, mas porque há uma concentração nos últimos anos na faculdade e esta base é realmente muito medíocre. O exame na OAB é o reflexo de uma formação extremamente avacalhada.

Conjur — São obrigatórios alguns anos de prática para entrar no Ibmec?

Jairo Saddi — Dois no mínimo. Mas ainda deve constar a idade e o empregador. Com todo respeito, não quero o sujeito que faz Direito Funerário no meu curso. Por quê? Porque ele não tem formação mínima na área de mercado de capitais. É uma questão de honestidade que você impõe.

Conjur — Como são as salas Harvard, que há no Ibmec?

Jairo Saddi — As salas Harvard originais têm US$ 300 mil em equipamento de informática. Então não é apenas uma sala. É você agregar tecnologia de ensino ao aluno. O aluno não aprende só ouvindo. Ouvir é uma parte dessa história. A faculdade brasileira não entendeu isso. É só olhar a proliferação de faculdades que nem biblioteca têm. Alugam a biblioteca.

Conjur — Mas equipar uma escola custa caro e quem paga é o aluno.

Jairo Saddi — Educação não é isso, é uma coisa muito mais complexa, muito mais séria e eu acho que pra fazer isso você precisa cobrar. A gente cobra do empregador. Uma boa parte do nosso curso de MBA é patrocinado ainda. Uma vez por mês eu sento com os sócios de grandes escritórios e falo “eu tenho um aluno que é assim” porque ele está pagando o curso. Então o aluno se sente duplamente cobrado. Na empresa e na escola. Mas ao mesmo tempo o empregador vê o curso de seu funcionário como investimento.

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