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Reforma do Judiciário influi pouco nos problemas da Justiça

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6 de agosto de 2005, 11h25

Sete meses depois de entrar em vigor, a primeira fase da reforma do Judiciário confirmou uma previsão: as mudanças constitucionais, por si só, pouco influíram nos principais problemas da Justiça brasileira.

A primeira decisão do tão festejado Conselho Nacional de Justiça — considerado um dos maiores avanços da Emenda Constitucional 45 — foi frustrante. Os conselheiros decidiram que a proibição das férias coletivas de julho é auto-aplicável. Mas, ainda assim, pelo menos quatro tribunais estaduais pararam.

Desse modo, as esperanças se concentram na segunda parte da reforma: a fase infraconstitucional, em que se tratará da matéria processual. Afinal, o que interessa é que empresas e cidadãos consigam uma resposta satisfatória da Justiça sem ter de esperar uma vida para isso. As mudanças legais se dão em duas frentes. A primeira regulamenta a reforma constitucional e está nas mãos de uma Comissão Especial Mista no Congresso. A segunda buscará racionalizar o trâmite processual.

Segundo o ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault — que agora foi nomeado para a Casa Civil da Presidência da República — é preciso examinar a reforma em seu contexto mais amplo. Enquanto as mudanças constitucionais pavimentaram o caminho para as mudanças estruturais, a regulamentação da emenda organizará as novas estruturas e as modificações processuais racionalizarão os procedimentos.

Processos mais enxutos

A reforma processual se traduz em dezenas de projetos de lei que alteram regras dos códigos civil, penal e de processo, além da Consolidação das Leis do Trabalho, já sob análise da Câmara dos Deputados. Além de racionalizar o processo, a idéia é fortalecer decisões de primeira instância, punir os abusos e, na medida do possível, desentupir o Judiciário. Uma das medidas nessa direção é a transferência de inventários, separações e divórcios consensuais para os cartórios.

A palavra de ordem é não perder mais tempo com questões desnecessárias ou com final previsível. Também nessa linha de raciocínio, um dos projetos inclui o artigo 285-A à legislação processual civil. O dispositivo permite que quando uma matéria que trata de questão unicamente de direito cair nas mãos de um juiz que já proferiu sentença de total improcedência sobre o tema, o magistrado reproduza a decisão proferida anteriormente sem precisar citar a parte contrária. Um punhado de ações sobre o mesmo tema tributário, por exemplo, se encaixaria neste caso.

Segundo o advogado Gabriel Seijo, do escritório Souza, Cescon, Avedissan, Barrieu e Flesch, se aprovada, a regra trará grande economia de tempo e dinheiro, já que dispensa os trabalhos de oficial de justiça e correios numa ação em que o resultado é conhecido de antemão.

Outra importante — e polêmica — proposta de mudança reside no artigo 518 do Código de Processo Civil, que estabelece, em seu parágrafo 4º: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

Importante porque confere maior poder às sentenças de primeiro grau e porque não permite que se adie o cumprimento de uma decisão cujo tema já tem entendimento consolidado em instâncias superiores. Mas a questão também é polêmica porque, de tempos em tempos, as súmulas são revistas pelos tribunais superiores e, como o direito não é estático, o entendimento pacífico de hoje pode gerar muita discussão amanhã.

“Trata-se de uma inovação substancial”, afirma Gabriel Seijo. “Caso o juiz não receba a apelação, em tese, pode-se interpor um agravo de instrumento, o que preserva a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. E aí também se ganha tempo, porque a distribuição e o julgamento de um agravo são mais rápidos do que o trâmite de uma apelação na conjuntura atual”, analisa.

Mania de recorrer

Outras medidas, como multas mais pesadas para litigância de má-fé, exigir depósitos recursais e acabar com os prazos privilegiados a que tem direito a Fazenda Pública estão em pauta. “Restringir a utilização de recursos é uma proposta bem vinda e dar tratamento igualitário para quem litiga contra a Fazenda vem em muito boa hora, visto que o governo é o grande atravancador dos tribunais”, afirma Ubiratan Mattos, sócio sênior do escritório Mattos, Muriel, Pacheco, Kestener Advogados.

O advogado Marcelo Inglez de Souza, do Demarest e Almeida, coloca a questão em outro plano. Segundo ele, “se a Fazenda Pública parasse de recorrer de decisões apenas por obrigação, para ganhar tempo quando sabe que não vai ganhar, e as intimações fossem mais rápidas, o prazo maior seria inócuo”.

Para Ubiratan Mattos, uma medida eficiente seria exigir uma caução para evitar recursos protelatórios. Segundo ele, “nos Estados Unidos, via de regra, a caução é de 100% do valor da condenação para que o recurso seja analisado. Trata-se de uma regra importante porque só irá recorrer quem tiver expectativas reais de virar o resultado do julgamento”.

Já, para o advogado Júlio César Bueno, sócio da área contenciosa do Pinheiro Neto, “é mais saudável impor com mais firmeza multas para litigância de má-fé, que hoje ainda é usada timidamente pelos tribunais”.

Outra medida seria acabar com os agravos de instrumento e os embargos de declaração, que respondem substancialmente pela sobrecarga de trabalho dos Tribunais, em grande parte revelando-se expedientes meramente protelatórios.

Na área trabalhista, na opinião do advogado João José Sady, a restrição das possibilidades de recurso ao Tribunal Superior do Trabalho e aos Tribunais Regionais é um ponto negativo. Mas ele vê como positiva a proposta de impor restrições às ações rescisórias e exigir depósito prévio para propô-las.

Isso porque tais ações somente são cabíveis para desfazer sentenças definitivas em hipóteses extraordinárias, como a clara violação de dispositivos de lei, falta de citação, entre outras, mas a sua utilização tem sido banalizada. “O fato é que no Direito do Trabalho, que utiliza subsidiariamente o CPC, a jurisprudência se firmou no sentido de que a exigência do depósito é inaplicável. Em conseqüência, como se diz popularmente, virou festa”. Mas o advogado argumenta que ao invés do valor da causa, o depósito deveria ser calculado sobre o valor atualizado do débito em execução.

*Reportagem publicada na revista Update, da Câmara Americana de Comércio de São Paulo.

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