Nova regra

Justiça trabalhista passa julgar contribuição sindical

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5 de agosto de 2005, 12h37

Com a Emenda Constitucional 45, da reforma do Judiciário, as ações de cobrança de contribuição sindical propostas por sindicato, federação ou confederação contra o empregador devem ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho. O entendimento é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

A questão foi definida em Conflito de Competência entre a Justiça Estadual e do Trabalho. Ambas afirmavam não ter competência para apreciar a ação de cobrança de contribuição sindical rural proposta pela CNA — Confederação Nacional da Agricultura. As informações são do STJ.

No julgamento do Conflito, o relator do caso, ministro Castro Meira, destacou que em outra oportunidade a 2ª Turma do STJ afirmou que a Emenda Constitucional 45 trouxe profundas alterações na disciplina da competência jurisdicional, principalmente quanto às atribuições da Justiça do Trabalho.

Dentre as modificações introduzidas pela emenda está o inciso III do artigo 114 da Constituição da República, que dispõe: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores”.

Antes da emenda constitucional, as discussões sobre representação sindical eram examinadas, de forma definitiva, pela Justiça estadual. Contudo, freqüentemente a Justiça do Trabalho decidia a questão de maneira incidente, analisando-a de forma periférica no julgamento de processos em que se discutia estabilidade, enquadramento e financiamento sindicais. Assim, estava aberta a possibilidade de decisões contraditórias.

“Após a Emenda, a Justiça Laboral passa a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre representação sindical (externa – relativa à legitimidade sindical, e interna – relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores”, registra a decisão da 2ª Turma citada pelo ministro Castro Meira.

O entendimento firmado foi o de que, após a Emenda Constitucional 45, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para processar e julgar tanto as ações sobre representação sindical (externa, relativa à legitimidade sindical e interna, relacionada à escolha dos dirigentes sindicais) quanto os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores.

Dessa forma as ações judiciais visando à cobrança de contribuição sindical propostas por sindicato, federação ou confederação contra o empregador também devem ser processadas e julgadas na Justiça do Trabalho.

Segundo a decisão, após a emenda, tornou-se inaplicável a Súmula 222 do STJ, que estabelecia a competência da Justiça Estadual para processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no artigo 578 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Leia a íntegra da decisão

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 48.891 – PR (2005⁄0058541-7)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

AUTOR: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA E OUTROS

ADVOGADO: ELISABETH MARIA SPENGLER

RÉU: MARIA EULINA DE RAMOS

SUSCITANTE: JUÍZO FEDERAL DA VARA DE GUARAPUAVA – PR

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL DE GUARAPUAVA – PR

EMENTA

DIREITO SINDICAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA – CNA. EC Nº 45⁄04. ART. 114, III, DA CF⁄88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

1. Após a Emenda Constitucional nº 45⁄04, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre representação sindical (externa – relativa à legitimidade sindical, e interna – relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores.

2. As ações de cobrança de contribuição sindical propostas pelo sindicato, federação ou confederação respectiva contra o empregador, após a Emenda, devem ser processadas e julgadas pela Justiça Laboral.

3. Precedentes da Primeira Seção.

4. A regra de competência prevista no art. 114, III, da CF⁄88 produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC n.º 45⁄04, atingindo os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra de competência anterior.

5. Após a Emenda, tornou-se inaplicável a Súmula nº 222⁄STJ.

6. A competência em razão da matéria é absoluta e, portanto, questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição. Embora o conflito não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a uma das varas trabalhistas de Guarapuava⁄PR.


7. Conflito conhecido para determinar a remessa dos autos a uma das varas da Justiça do Trabalho em Guarapuava⁄PR.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça “A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente a Justiça do Trabalho de Guarapuava-PR, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” A Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.

Licenciado o Sr. Ministro Franciulli Netto.

Brasília, 08 de junho de 2005 (data do julgamento)

Ministro Castro Meira

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de conflito negativo de competência instaurado entre as Justiças Federal e do Trabalho, nos autos de ação de cobrança, sob o rito sumário, da contribuição sindical rural, proposta pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA e outros contra Maria Eulina de Ramos.

O Juiz de Direito, entendendo haver interesse da União e do Ministério do Trabalho em receber suas cotas relativas a contribuição em destaque, bem como pelo fato de ser o INCRA a única pessoa legitimada a lançar o tributo, declinou da competência à Justiça do Trabalho.

O Juiz Federal, citando a Súmula 222⁄STJ, igualmente declinou da competência, tendo suscitado conflito negativo a ser dirimido por este Tribunal.

O Ministério Público Federal, na pessoa do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, opina pela competência da Justiça Comum do Estado (fls. 61-62).

É o relatório.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 48.891 – PR (2005⁄0058541-7)

EMENTA

DIREITO SINDICAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA – CNA. EC N.º 45⁄04. ART. 114, III, DA CF⁄88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

1. Após a Emenda Constitucional n.º 45⁄04, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre representação sindical (externa – relativa à legitimidade sindical, e interna – relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores.

2. As ações de cobrança de contribuição sindical propostas pelo sindicato, federação ou confederação respectiva contra o empregador, após a Emenda, devem ser processadas e julgadas pela Justiça Laboral.

3. Precedentes da Primeira Seção.

4. A regra de competência prevista no art. 114, III, da CF⁄88 produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC n.º 45⁄04, atingindo os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra de competência anterior.

5. Após a Emenda, tornou-se inaplicável a Súmula nº 222⁄STJ.

6. A competência em razão da matéria é absoluta e, portanto, questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição. Embora o conflito não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a uma das varas trabalhistas de Guarapuava⁄PR.

7. Conflito conhecido para determinar a remessa dos autos a uma das varas da Justiça do Trabalho em Guarapuava⁄PR.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Por tratar-se de conflito instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, conheço da controvérsia, a teor do que preceitua o art. 105, I, “d” da Constituição da República.

Passo ao mérito.

Resume-se a discussão em saber a quem pertence a competência para julgar as ações de cobrança de contribuição sindical movidas pelo sindicato, federação ou confederação respectiva contra o empregador após a Emenda Constitucional nº 45⁄2004.

A Segunda Turma já teve oportunidade de firmar posição sobre a matéria. No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 700.080⁄RS, de minha relatoria, em questão semelhante, aquele Órgão julgador entendeu prejudicado o agravo interposto, determinando a remessa dos autos à Justiça do Trabalho.

Reproduzem-se aqui as considerações feitas naquela ocasião:

“A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, intitulada ‘Reforma do Judiciário’, trouxe profundas alterações na disciplina da competência jurisdicional, principalmente quanto às atribuições da Justiça do Trabalho.

Dentre as modificações introduzidas pela Emenda encontra-se a norma contida no inciso III do art. 114 da Constituição da República, que dispõe:


‘Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;’

A interpretação do dispositivo não é das mais simples, já que a questão ainda não foi devidamente enfrentada e esclarecida pela doutrina. Surge então a dúvida: limita-se a nova competência apenas às ações sobre representação sindical (assumindo as expressões seguintes função meramente explicativa) ou trata-se de norma que amplia a competência da Justiça do Trabalho para abarcar, além das controvérsias sobre representação sindical, as ações intersindicais, os feitos entre sindicatos e trabalhadores e os processos a envolver sindicatos e empregadores?

A segunda alternativa afigura-se mais correta. O legislador constitucional, ao concentrar na Justiça do Trabalho todas as questões relativas ao direito sindical, corrigiu um erro histórico, já que esse ramo da ciência jurídica sempre esteve atrelado ao Direito do Trabalho.

As discussões sobre representação sindical, antes da Emenda, eram examinadas, de forma definitiva, pela Justiça Comum. A Justiça do Trabalho, entretanto, freqüentemente decidia a questão de maneira incidente, analisando-a de forma periférica no julgamento de processos em que se discutia estabilidade, enquadramento e financiamento sindicais. Assim, estava aberta a possibilidade de decisões contraditórias, com prejuízo à segurança do jurisdicionado.

Após a Emenda, a Justiça Laboral passa a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre representação sindical (externa — relativa à legitimidade sindical, e interna — relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores.

Em trabalho publicado pela Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga concluem que a regra de competência prevista no inciso III do art. 114 da CF⁄88 abarca não apenas as ações relacionadas à representação sindical, mas também as lides entre sindicatos, entre sindicatos e empregadores e entre sindicatos e trabalhadores, desde que a controvérsia diga respeito à atuação sindical, afastadas as demais questões que, embora envolvam sindicatos, não dizem respeito a essa atuação. Assim, entendem abrangida pelo dispositivo a competência para processar e julgar as seguintes questões:

‘A) ações relativas à representação sindical:

Aqui cabem todas as ações que dizem respeito à legitimidade sindical, em especial aquelas que decorrem de fusão ou desmembramento territorial ou categorial de sindicatos já existentes.

Podem ser apontados os mandados de segurança para obtenção de código na CEF para contribuição sindical, a ação declaratória de representação sindical, a ação para delimitação de base territorial, as relativas à filiação ao sistema confederativo, da criação de entidade, realização de atos constitutivos, assembléia geral e registro da entidade, a ação declaratória de vínculo associativo com determinada entidade sindical, bem como diversas controvérsias sobre eleições sindicais.

O número de tais ações tende a aumentar consideravelmente, caso seja aprovada, nos termos em que foi apresentada pelo Governo recentemente, a Reforma Sindical.

Como o projeto em questão institui a pluralidade sindical, pode-se prever um incremento de demandas entre entidades sindicais concorrentes numa mesma base sindical, bem como impugnações a decisões do Ministério do Trabalho relativamente a reconhecimento de representatividade sindical. Em relação a estas últimas ações, a despeito da intervenção do Ministério do Trabalho, estas não são atraídas pela competência da Justiça Federal, permanecendo, ante o claro texto da norma constitucional, no âmbito da Justiça do Trabalho.

B) ações intersindicais:

Como já se disse, a regra de competência deve ser interpretada como funcional à atuação sindical. Assim, além de todas as ações que dizem respeito à legitimidade sindical (e que já estão previstas na competência relativa à representação sindical), também aquelas em que se disputa a quem é devida as contribuições sindicais, assistenciais ou confederativas passam a ser competência da Justiça do Trabalho.

C) ações entre sindicatos e trabalhadores:

Aqui se incluem todas as chamadas demandas intra-sindicais, ou seja, todas as ações relativas a eleições sindicais e aos estatutos da entidade sindical, como impugnação de candidaturas, convocação ou anulação de assembléias gerais ou, mesmo, cobrança de mensalidade associativa. O termo ‘trabalhador’ não pode ser rigorosamente interpretado, uma vez que, por óbvio, nele estão abrangidos os desempregados e os aposentados, pois o vínculo sindical não se rompe com o fim do contrato de emprego, tanto é assim que o próprio artigo oitavo, inciso sétimo, assegura ao aposentado filiado o direito de votar e ser votado nas organizações sindicais.


D) ações entre sindicatos e empregador:

As ações coletivas, de substituição processual, em que o sindicato age em nome próprio sustentando direito alheio, já eram de competência da Justiça do Trabalho. Passam agora à competência da Justiça Laboral aquelas ações em que o sindicato defende direito próprio, ainda que orientado pelos interesses da categoria que representa. São ações de natureza individual e não coletiva.

Ações em que os sindicatos, profissionais ou patronais, exigem o recolhimento de contribuições sindicais, assistenciais e confederativas das empresas (bem como consignações em pagamento relativamente a essas matérias) passam a ser, todas, de competência da Justiça do Trabalho, encerrando acesa disputa doutrinária e jurisprudencial relativamente às contribuições aos sindicatos de empregadores’ (Relações Coletivas e Sindicais – Nova Competência após a EC n. 45 in Justiça do Trabalho: Competência Ampliada, LTr Editora, São Paulo, maio de 2005, pp. 333⁄335 – sem grifos no original).

Feita essa breve digressão, passo à a analise da questão dos autos.

Cuida-se, na origem, de ação consignatória de contribuição sindical promovida pela Fundação Universidade de Caxias contra o Sindicato dos Professores de Caxias do Sul, o Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. O acórdão recorrido situou a discussão nos seguintes termos:

‘A Fundação Universidade de Caxias ajuizou ação de consignação em pagamento contra o Sindicato dos Professores de Caxias do Sul — SINPRO CAXIAS, o Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul — SINPRO⁄RS e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior — ANDES, alegando que, anualmente, recolhia a contribuição sindical dos docentes ao Sindicato dos Professores de Caxias do Sul, entidade a suscitar os dissídios coletivos da respectiva categoria profissional.

No ano de 1991, foi notificada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior para que efetuasse o recolhimento da contribuição sindical àquela entidade, já tendo ajuizado duas consignatórias anteriores. Em razão de remanescer dúvida acerca da instituição legitimada a receber o tributo, requereu consignação em juízo da importância devida, relativa ao ano de 1999’ (fls. 677-678).

Trata-se, portanto, de ação consignatória em que se discute o alcance da representação sindical das entidades envolvidos na lide e, conseqüentemente, a titularidade das contribuições sindicais patronais consignadas em juízo pela Fundação Universidade de Caxias.

A questão dos autos enquadra-se na regra de competência prevista no art. 114, inciso III, da Constituição da República, com redação conferida pela EC nº 45⁄04. A ação, além de abranger discussões sobre representação sindical, abarca a relação entre empregador e sindicatos e a disputa intersindical pelas contribuições consignadas em juízo.

Outro aspecto importante da Reforma, agora sob o ângulo processual, diz respeito aos efeitos que dela irradiam sobre os processos já em curso na Justiça Comum e na Justiça Federal.

Em outras palavras, firmada a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação consignatória, torna-se necessário definir se a EC n.º 45⁄04 alcança somente as relações processuais instauradas a partir de sua vigência ou se atinge também os processos já em curso.

O art. 87 do Código de Processo Civil (aplicável na esfera trabalhista por força do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho), dispõe:

‘Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia’.

O dispositivo surge como consectário do princípio do juiz natural. Para evitar que, no curso do processo, alterações no estado de fato ou de direito resultassem no deslocamento da competência jurisdicional inicialmente fixada, o ordenamento processual acolheu o princípio da perpetuatio jurisdictio. Essa regra, entretanto, comporta exceção. Assim, não haverá prorrogação jurisdicional quando suprimido o órgão judiciário ou alterada regra de competência absoluta.

O caso dos autos enquadra-se em uma dessas exceções. A competência trabalhista estrutura-se em razão da matéria, sendo, portanto, de natureza absoluta, o que afasta a possibilidade de prorrogação. O simples fato de estar disciplinada em regra de estatura constitucional confere-lhe imutabilidade para excepcionar o disposto no art. 87 do CPC.

Dessarte, a rega de competência prevista no art. 114, III, da CF⁄88 produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC nº 45⁄04, atingindo os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra de competência anterior. Em conseqüência, impõe-se a remessa dos autos ao Juízo do Trabalho na respectiva jurisdição. Nesse sentido, o festejado Estevão Mallet pontifica:


‘As novas regras de competência, cuja extensão se procurou acima indicar, aplicam-se desde logo, como explicitado, aliás, no caso do art. 105, inciso I, alínea i, pela Resolução n. 22, de 31 de dezembro de 2004, da Presidência do Superior Tribunal de Justiça. Incidem, em conseqüência, não apenas sobre os novos processos, ainda que relacionados com fatos ocorridos antes da publicação da Emenda Constitucional n. 45, como também sobre os processos em curso, conforme o disposto no art. 87, parte final, do CPC.

Decorre do exposto que os autos dos processos em tramitação perante a Justiça Comum Estadual ou Federal, ao tempo da publicação da Emenda Constitucional n. 45, doravante de competência da Justiça do Trabalho, devem ser a esta última remetidos de imediato, independentemente da fase processual em que se encontrem. Se a sentença condenatória foi proferida pela Justiça Comum, na altura competente para julgamento da causa, deslocada a competência, à Justiça do Trabalho cabe a execução do respectivo pronunciamento, como já firmado, aliás, pela Súmula n. 10, do Superior Tribunal de Justiça. O disposto no art. 575, inciso II, do CPC, não prevalece em caso de modificação de competência absoluta.

Havendo recurso pendente, o seu julgamento cabe ao órgão que se tornou competente. Assim, a apelação interposta perante a Justiça Comum Estadual ou Federal antes da Emenda Constitucional n. 45, será agora julgada, como recurso ordinário, pela Justiça do Trabalho. A tempestividade, porém, é examinada segundo as regras aplicáveis ao recurso interposto, como se afigura evidente.

Decisão proferida por órgão judiciário que se tornou incompetente após a publicação da Emenda Constitucional n. 45 é nula. O silêncio das partes, que não provocaram o juízo para que fizesse a remessa dos autos ao órgão que passou a ser competente, mostra-se, no particular, irrelevante. Não gera preclusão, por conta do caráter inderrogável da incompetência absoluta (CPC, art. 111)’ (“Apontamentos sobre a Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45” in Justiça do Trabalho: Competência Ampliada, LTr Editora, São Paulo, maio de 2005, pp. 90⁄91 – original sem grifos).

Em conclusão, diante da incompetência deste Juízo para processar e julgar o recurso especial após a publicação da EC n.º 45⁄04, chamo o feito à ordem para tornar sem efeito a decisão de fls. 1087⁄1090 e determinar a remessa dos autos ao colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Ante o exposto, julgo prejudicado o agravo regimental interposto.

É como voto”.

Após a Emenda Constitucional nº 45⁄2004, a competência para processar e julgar as ações de cobrança da contribuição sindical (art. 578 da CLT) movidas pelos sindicatos, federações ou confederações contra os empregadores passou à Justiça do Trabalho, não tendo aplicação a Súmula nº 222⁄STJ.

A Primeira Seção, em 25 de maio, ratificou esse entendimento, determinando a remessa dos autos à Justiça do Trabalho em processos em que se discutia a contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT, propostos pela mesma Confederação Nacional da Agricultura contra empregadores rurais. Nesse sentido (ainda não publicados): CC nº 48.305⁄MG, REsp nº 727.196⁄SP, REsp nº 727.201⁄SP, REsp nº 734.368⁄SP e REsp nº 734.874⁄SP, todos da relatoria do Ministro José Delgado.

A competência em razão da matéria é de natureza absoluta e, portanto, figura como questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo órgão julgador de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição. Assim, embora o conflito não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a uma das varas trabalhistas de Guarapuava⁄PR.

Ante o exposto, conheço do conflito para determinar a remessa dos autos a uma das varas da Justiça do Trabalho em Guarapuava⁄PR.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2005⁄0058541-7

CC 48891 ⁄ PR

Números Origem: 200570060000168 6032003

EM MESA

JULGADO: 08⁄06⁄2005

Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Presidenta da Sessão

Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOSÉ EDUARDO DE SANTANA

Secretária

Bela. Zilda Carolina Véras Ribeiro de Souza

AUTUAÇÃO

AUTOR: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA E OUTROS

ADVOGADO: ELISABETH MARIA SPENGLER

RÉU: MARIA EULINA DE RAMOS

SUSCITANTE: JUÍZO FEDERAL DA VARA DE GUARAPUAVA – PR

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL DE GUARAPUAVA – PR

ASSUNTO: Direito Sindical – Contribuição – Sindical

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente a Justiça do Trabalho de Guarapuava-PR, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

A Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.

Licenciado o Sr. Ministro Franciulli Netto.

Brasília, 08 de junho de 2005

Zilda Carolina Véras Ribeiro de Souza

Secretária

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