Deputado X ministro

Dirceu pode ser cassado por atos que cometeu como ministro

Autor

5 de agosto de 2005, 19h57

Para a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, José Dirceu pode ser cassado por irregularidades que teria cometido enquanto era ministro e estava afastado das funções de deputado. O entendimento está no parecer solicitado pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar sobre a representação do presidente do PTB, Flávio Martinez, contra o ex-ministro da Casa Civil.

O partido pede a cassação do mandato de Dirceu por suposta participação no esquema do mensalão (dinheiro dado pelo PT a parlamentares para que votassem a favor do governo). A discussão era se o ex-ministro poderia perder seu lugar na Câmara por atos que possa ter cometido enquanto estava afastado das funções de deputado.

Segundo advogados ouvidos pela Consultor Jurídico, enquanto Dirceu exercia função na administração pública e estava licenciado da atividade parlamentar, suas atividades não poderiam configurar quebra de decoro parlamentar.

A Consultoria Legislativa, no entanto, entendeu que, mesmo no cargo de ministro, Dirceu continuava deputado, não perdendo o seu mandato. Assim, estava submetido às mesmas regras estabelecidas para os parlamentares.

O parecer, assinado pelo consultor legislativo José Theodoro M. Menck, reforça a tese de que “atos cometidos antes do exercício do mandato podem constituir quebra de decoro parlamentar”. Como exemplo, ele cita os casos do ex-deputadoTalvane Albuquerque, que foi cassado sob a acusação de ter participado do assassinato da deputada Ceci Cunha, da qual era suplente na época; de Hildebrando Pascoal, cassado em 1999 e condenado por tráfico de drogas, crime eleitoral e homicídio; e do suplente cassado Feres Nader, acusado de envolvimento no crime organizado do Rio de Janeiro.

O documento foi enviado ao Conselho de Ética na noite de quinta-feira (4/8). A representação contra Dirceu, em seguida, foi encaminhada para a Mesa Diretora da Câmara, junto com o pedido de cassação do líder do PL na Câmara, deputado Sandro Mabel.

Assim que estas representações voltarem para o Conselho com o despacho do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, o processo de cassação dos dois deputados será imediatamente instaurado, o que deve ocorrer nos próximos dias.

Leia a íntegra do parecer

O Presidente do Conselho de Ética solicitou a esta Consultoria estudo sobre a admissibilidade da Representação do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB contra o Deputado José Dirceu (PT-SP).

1. A representação foi apresentada nos seguintes termos:

“O Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, com representação nessa Casa, por seu Presidente em exercício ao fim assinado, comparece respeitosamente à ilustrada presença de Vossa Excelência, a fim de oferecer esta Representação contra atos do Senhor Deputado José Dirceu (PT-SP), que fraudaram o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando à alteração do resultado das deliberações, configurativos de ator incompatíveis com o decoro parlamentar consoante expõe a seguir. (…)” grifo no original.

2. A dúvida que poderia surgir quando da regular instauração de processo é que os fatos imputados ao deputado José Dirceu teriam ocorrido quando o mesmo era Ministro de Estado Chefe da Casa Civil. Logo, sua atuação, se se configurar verdadeira, a princípio, estaria sujeita às penas da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, lei sobre Crimes de Responsabilidade.

3. Efetivamente o art. 2º da citada lei foi redigida nos seguintes ternos:

“Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República.”

4. Mais avante, o art. 6º descreve o seguinte tipo penal:

“Capítulo II – Dos crimes contra o Livre Exercício dos Poderes Constitucionais:

Art. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:

……………………………………………….

I – usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção. (grifo nosso).

A primeira das normas acima transcritas foi reformada pela Lei das Inelegibilidades — Lei Complementar nº 64, de 1990, que, por meio do art. 1º, alterou o prazo de “até cinco anos”. No mais, a norma foi recepcionada e está vigente.

5. Conforme podemos ver, a atuação atribuída ao Deputado José Dirceu efetivamente subsume-se no tipo penal acima transcrito. Ou seja, caracterizando-se como efetiva a atuação do Deputado José Dirceu, ele deve ser processado como incurso nas penas previstas na Lei de Responsabilidades. Neste caso, gozará de foro privilegiado, que será o Supremo Tribunal Federal, por força da Constituição (art. 102, I, “c”).

6. O problema, no entanto, não se exaure aqui. A Constituição, ao regular o assunto em tela, nos diz, in verbis:

“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

…………………………………………..

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar.

…………………………………………..

§ 1º É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no Regimento Interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

…………………………………………..

Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – investido no cargo de Ministro de Estado (…)

7. Conforme podemos ler nos trechos acima transcritos, o deputado federal investido no cargo de Ministro de Estado continua deputado, não perdendo seu mandato. Assim sendo, fica sujeito a todas as restrições e impedimentos decorrentes de seu status de parlamentar.

8. A Câmara dos Deputados, em representações anteriores, já examinou “a tese de que atos cometidos antes do exercício do mandato podem constituir quebra de decoro parlamentar”. A tese foi vitoriosa no caso do Deputado Talvane Albuquerque, foi alegada no caso do Deputado Hildebrando Pascoal, e foi fundamental no caso da cassação do suplente Féres Nader.

9. Ressalte-se que é natural, no mundo jurídico, que um só ato humano venha a repercutir em duas, ou mais, esferas, cujo conjunto compõem o ordenamento jurídico. Assim sendo, é natural que determinadas ações sejam simultânea, ou sucessivamente, cobradas no âmbito penal, civil e administrativo. Se assim é, mais do que natural que determinada ação possa vir a ser cobrada nas esferas política e penal. Um foro não exclui o outro.

10. Destarte, em que pese a argumentação adversa, acreditamos que existem razões jurídicas suficiente para dar seguimento à representação oferecida em desfavor do Deputado José Dirceu com o conseqüente instauração do processo por quebra de decoro parlamentar.

Salvo melhor juízo, este é o nosso parecer.

Consultoria Legislativa, em 4 de agosto de 2005.

José Theodoro M. Menck

Consultor Legislativo

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!