Punir e reformar

Transparência diz que informação é arma contra corrupção

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4 de agosto de 2005, 21h06

“A informação é o melhor inseticida contra a corrupção.”diz a nota da Transparência Brasil, organização mundial que visa o combate à corrupção. Segundo a ONG, a melhor maneira de combater a corrupção está em divulgar os atos para a população, para que todos tenham conhecimento, sem censura.

“Além da punição de culpados, a crise oferece oportunidade para se atacarem as raízes da corrupção.”, diz a nota. Que acrescenta ser necessário tomar providências para que as denúncias sejam apuradas e iniciar reformas para evitar novos ilícitos.

De acordo com a Transparência Brasil, a reforma política,não é suficiente para acabar definitivamente com o problema, já que o financiamento eleitoral não é o único gerador de corrupção.

Na nota há também uma espécie de convocação “exige-se dos parlamentares e dos organismos de investigação e controle que respondam à voz das ruas e coloquem o interesse público acima de compromissos partidários.”

Leia a nota da Transparência Brasil

No momento em que a corrupção mais uma vez lança o país em crise, o Conselho Deliberativo da Transparência Brasil vem a público para externar preocupações e sugerir saídas.

1. É imensa a dimensão do esquema de corrupção posto a nu nesta que é a maior crise da história brasileira recente. Por si só, a corrosão dos costumes políticos representada pelas práticas evidenciadas já seria motivo para condenações em massa. A partir do que se sabe, deduz-se com grau absoluto de certeza uma profusão de crimes contra o interesse público, praticados por quadrilhas com ramificações muito vastas e muito altas.

2. Além da punição de culpados, a crise oferece oportunidade para se atacarem as raízes da corrupção. Contudo, esse potencial encontra-se em risco devido à estratégia que os implicados têm adotado, de tentar escamotear a extensão e a profundidade da corrupção. Os protagonistas da crise passaram a entoar um mesmo bordão – o de que os dinheiros escusos se limitariam a fins eleitorais, que a finalidade eleitoral “limparia” tanto a origem quanto o destino do dinheiro e que a solução de tudo estaria numa reforma política.

3. Em manobra que ofende a inteligência, pretende-se absolver crimes porque seriam destinados a formar Caixas Dois partidários – como se Caixa Dois não fosse sempre fraudulento, tanto no destino quanto na origem. Acresce que a pretensa destinação eleitoral está sendo aceita pela palavra dos implicados, os mesmos que têm mentido sistematicamente no desenrolar da crise. Mas por que acreditar que os recursos repassados de forma ilícita foram destinados ao pagamento de dívidas eleitorais e não para entesouramento, “mensalão” ou qualquer outra entre infinitas possibilidades? E de toda forma que diferença faz? A finalidade do produto do crime não o torna menos criminoso.

4. O suceder-se de depoimentos na CPMI dos Correios, na Procuradoria-Geral da República, na Polícia Federal, todos obedecendo a uma mesma diretriz jurídica, e todos caracterizados por um cinismo desavergonhado, tem por finalidade limitar as eventuais punições ao plano político, desviando-se dos planos criminal e fiscal. A prosperar essa estratégia, os malfeitores tanto de um lado quanto do outro da mesa permanecerão impunes.

5. Tão importante quanto o destino dos dinheiros fraudulentos é sua origem. Caixa Dois de partido político nunca tem origem limpa. Ele é formado pelo investimento tendo em vista fraude futura e pelo pagamento do suborno pela fraude praticada. Trata-se do fruto da corrupção, materializada no direcionamento de licitações públicas, na leniência na fiscalização de contratos, no perdão fraudulento de dívidas e multas previdenciárias e tributárias, na promulgação de legislações que favorecem setores econômicos, no favorecimento de interesses específicos em decisões governamentais, no desvio de finalidade em aplicações financeiras e numa multidão de outros mecanismos.

6. A reforma política, embora necessária e urgente, nada tem a ver com isso e em nada afetará tais mecanismos, não importa como seja formulada. A insistência com que se apresenta o modelo de financiamento eleitoral como causa dos problemas da corrupção não pode ser entendida de outra forma senão como manobra diversionista.

7. O que a investigação do escândalo precisa exibir são os mecanismos da corrupção. Tanto quanto os agentes criminosos localizados no aparelho de Estado, os interesses beneficiados pelos atos de corrupção precisam ser identificados e submetidos a processo criminal. Essa é a única forma de desencorajar contribuições a Caixas Dois.

8. Para todo Caixa Dois há uma quadrilha incrustada no Estado, responsável pelos atos de improbidade administrativa que constituem a contrapartida da propina. Quadrilhas desse tipo são formadas pelo loteamento do Estado por meio de indicações negociadas com partidos políticos. A criação de feudos partidários na administração é uma raiz claríssima da corrupção. Constitui um sinal desanimador de que não se pretende de fato cortar essa raiz o fato de que se tenha procedido recentemente a uma reforma ministerial calcada nos mesmos critérios de partilha que originaram a crise.

9. Aos parlamentares honrados de todos os partidos cabe a responsabilidade de não permitirem que a estratégia de mistificação da crise prospere. Exige-se dos parlamentares e dos organismos de investigação e controle que respondam à voz das ruas e coloquem o interesse público acima de compromissos partidários. Poderão eles contar com o apoio das dezenas de milhões de brasileiros que levam suas vidas de forma honesta e sacrificada e que rejeitam a imputação irresponsável de que a corrupção brasileira seria “cultural” e solucionável por exortações vazias à “ética”.

10. Na seqüência da crise, caberá ao Ministério Público e ao Judiciário reafirmarem a independência que os têm caracterizado e agirem com celeridade, de forma a garantir que os processos decorrentes das investigações transcorram em curtíssimo prazo, que os culpados em ambas as extremidades do propinoduto sejam penalizados e que os recursos desviados sejam devolvidos ao erário.

11. O escândalo aponta para diversas falhas institucionais e administrativas que, se não forem corrigidas, continuarão a produzir os mesmos problemas identificados hoje. De forma a enfrentá-los, a Transparência Brasil submete à apreciação pública a necessidade urgente de se atacarem os seguintes pontos:

A liberdade de nomeação de pessoas para ocuparem os chamados “cargos de confiança”, que superam 20 mil só no poder Executivo federal. As recentes medidas anunciadas pela Casa Civil da Presidência da República disciplinaram a forma como deve dar-se parte dessas nomeações, mas mantiveram intocado o problema central, pois o número de funções que os integrantes do Executivo federal podem preencher conforme sua vontade permaneceu o mesmo. A liberdade de nomeação é o que permite o loteamento do setor público nos três poderes e nas três esferas, configurando verdadeiro convite à corrupção.

Os mecanismos de elaboração orçamentária das três esferas e a não-obrigatoriedade de cumprimento dos Orçamentos, propiciando o desvirtuamento das relações políticas e a realização de negociatas ligadas tanto ao planejamento dos investimentos quanto à liberação de verbas.O alto de grau de ineficiência administrativa da maioria dos estados e municípios brasileiros, que conduz à elevada incidência de corrupção nesses âmbitos, na prática imanejável pelos mecanismos de controle existentes.

A descoordenação dos mecanismos de prevenção e controle e o mau trânsito das informações entre eles no que tange a dados bancários e fiscais.

A tendência ao descumprimento da legislação de licitações e contratos, seja na sua letra, seja principalmente em seu espírito, levando à incidência de critérios subjetivos que afetam a participação de interessados e o julgamento de propostas, incluindo-se o desvirtuamento de projetos financiados por agências multilaterais. Em particular, a eliminação das modalidades de licitação de “técnica” e de “técnica e preço”, que invariavelmente resultam em decisões dirigidas.

A inobservância da estipulação constitucional que assegura a toda pessoa acesso a informação detida pelo Estado, situação que faculta aos agentes públicos o papel de censores daquilo que os cidadãos podem conhecer. A informação é o melhor inseticida contra a corrupção.

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