Briga de vizinhos

Prefeitura de São Paulo quer apurar desvio de ISS

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4 de agosto de 2005, 17h24

A Prefeitura de São Paulo está no encalço de empresas que se constituem com endereço em municípios vizinhos para pagar menos ISS — Imposto Sobre Serviços, mas atuam de fato na capital paulista. O secretário de Negócios Jurídicos da prefeitura, Luiz Antonio Guimarães Marrey, enviou ofício ao procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho, para que o Ministério Público investigue a prática.

No ofício, Marrey aponta reportagens que dão conta de que no município de Santana de Parnaíba, por exemplo, que fica a cerca de 60 quilômetros de São Paulo, em salas em poucos metros quadrados estariam instaladas entre cem e mil empresas. Num único endereço, “uma casa simples localizada na cidade de Santana do Parnaíba, estariam instaladas cerca de 706 empresas prestadoras de serviços”.

Segundo o secretário paulistano, “diversas empresas abriram estabelecimentos fictícios nesses municípios vizinhos, mantendo-se, entretanto, sediadas de fato nas grandes Capitais, para as quais deixaram de pagar qualquer quantia a título de ISS”.

A prática é comum porque em muitos municípios as alíquotas de ISS variam entre 0,25% e 1%, quando o mínimo obrigatório estabelecido constitucionalmente é de 2%. Em Santana de Parnaíba, por exemplo, o percentual real da alíquota, segundo Marrey, é de 0,74%.

O secretário paulistano afirma que as prefeituras e as empresas que constituem endereços fictícios em outros municípios podem ser penalizados. As prefeituras por improbidade administrativa. As empresas por crime contra a ordem tributária.

Leia a íntegra do ofício

São Paulo,

Ofício n.º 439/2005-SNJ.G.

Referência: Cobrança do imposto sobre serviços em alíquota inferior à mínima possível

Senhor Procurador Geral de Justiça

Tenho a honra de me dirigir a V. Exa. a fim de expor e requerer o que segue.

1. Aproveitando-se de brechas legais contidas na redação original do §3º do artigo 156 da Constituição da República e no artigo 12 do Decreto-lei nº 406 de 1968, que determinava que o ISS, regra geral, era devido no local da sede ou domicílio do prestador, Municípios vizinhos às grandes Capitais brasileiras, visando incrementar a qualquer preço a sua arrecadação, instituíram alíquotas ínfimas de ISS para as empresas que se estabelecessem em seus territórios, em percentuais muito inferiores aos praticados pelas Capitais.

Excelentíssimo Senhor

DR. RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça

NESTA

Atraídas pelo benefício fiscal, diversas empresas abriram estabelecimentos fictícios nesses Municípios vizinhos, mantendo-se, entretanto, sediadas de fato nas grandes Capitais, para as quais deixaram de pagar qualquer quantia a título de ISS.

Na região da Grande São Paulo, diversos Municípios aderiram a essa prática de concorrência predatória, instituindo alíquotas de ISS de 0,25% a 1,00%, em patamares bastante inferiores aos praticados pela Capital e pelos Municípios de maior porte, que fixaram as alíquotas mínimas de ISS em 2%.

2. Com o objetivo de encerrar essa verdadeira guerra fiscal travada entre os Municípios Brasileiros, editou-se aos 12 de junho de 2002 a Emenda Constitucional nº 37, que alterou a redação dos incisos do §3º do artigo 156 da CF, atribuindo expressamente à lei complementar a incumbência de fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS e regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais referentes a esse imposto serão concedidos e revogados.

A EC nº 37/2002 também adicionou ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 88, dispondo que enquanto a lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do §3º do artigo 156 da CF, o ISS terá alíquota mínima de 2% (dois por cento), exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da lista anexa ao DL 406/68, e não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais de que resulte, direta ou indiretamente, a redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I.

3. Em face dessas alterações constitucionais, editou-se, aos 31.07.2003, a Lei Complementar de nº 116, veiculando normas gerais de direito tributário referentes à definição do fato gerador do ISS, lista de serviços tributáveis, determinação do local da prestação do serviço, definição de contribuinte, responsável tributário e base de cálculo.

A Lei Complementar nº 116/2003, entretanto, não fixou uma alíquota mínima para o ISS, estabelecendo apenas a alíquota máxima em 5% (artigo 8º, inciso II), bem como não tratou da forma ou condições para concessão e revogação das isenções, incentivos e benefícios fiscais.

Considerando que a lei complementar do ISS não tratou dessas matérias, há que se concluir que ainda vigem as disposições contidas no artigo 88 do ADCT, qual seja, alíquota mínima obrigatória de 2% e impossibilidade de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais de que resulte, direta ou indiretamente, a redução da alíquota mínima para percentual inferior a 2%.


4. Apesar do advento da Emenda Constitucional nº 37/2002 e da LC nº 116/2003, impondo a observância da alíquota mínima de 2% (dois por cento), certas Municipalidades ainda persistem na cobrança do ISS a alíquotas inferiores ao mínimo, causando assim inegáveis prejuízos aos Municípios vizinhos que, como São Paulo, prontamente adaptaram suas legislações às prescrições legais e constitucionais.

Assim, alguns Municípios da Grande São Paulo simplesmente ignoraram os ditames constitucionais e legais, mantendo as alíquotas do ISS nos percentuais originais, inferiores a 2%. Outros, por sua vez, adaptaram suas leis tributárias apenas parcialmente às exigências da Constituição da República e da LC nº 116/2003, “prorrogando” por mais alguns anos a tributação do ISS por alíquotas inferiores a 2%, ou – a exemplo do que fez o

Município de Santana do Paranaíba – introduzindo percentuais redutores da base de cálculo do ISS.

5. Leia-se o disposto pelo 14 da Lei nº 2.499 de 19.12.2003 do Município de Santana do Parnaíba:

Art. 14. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, ao qual se aplica em cada caso, de acordo com a alíquota ou o respectivo valor anual constante da Lista de Serviços de que trata o artigo 7º.

§4º. Na prestação dos serviços de que trata os itens 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 11, 13, 15, 16, 35, 36, 72, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 89, 97, 102, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 115, 116, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 168, 169, 170, 179, 181, 184, 185 e 188, a base de cálculo do imposto será o correspondente a 37% (trinta e sete por cento) do valor bruto do faturamento.

Incidindo a alíquota de 2% (dois por cento) sobre a base de cálculo reduzida de 37% (trinta e sete por cento), o percentual real da alíquota de ISS praticada pelo Município de Santana do Parnaíba é de 0,74%, muito inferior ao mínimo posto pelo artigo 88 do ADCT.

6. Parece haver, na hipótese, uma violação ao artigo 88 do ADCT e ao artigo 146, inciso III, alínea “a” da Constituição da República, uma vez que não é dado aos Municípios instituir quaisquer formas de redução da base de cálculo do ISS que não as previstas pelo artigo 7º da LC nº 116/2003, eis que se trata de matéria reservada à lei complementar, de competência da União Federal (CF/88, artigos 146, III, “a” e 156, §3º, III).

É importante ressaltar que, segundo dispõe o inciso I do artigo 151 da Constituição da República, a concessão de incentivos fiscais para correção de desigualdades no desenvolvimento econômico existentes entre as diferentes regiões do País incumbe tão somente à União Federal. Daí a expressa vedação, constante do artigo 152 do Texto Constitucional, de que Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.

7. Por outro lado, tal como dispõe o §1º do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a alteração de alíquota e a modificação de base de cálculo que impliquem redução discriminada de tributo é modalidade de renúncia de receita, a qual exige o cumprimento das formalidades previstas no caput e incisos I e II do mesmo artigo.

No caso específico do ISS, entretanto, a concessão dessas espécies de benefício fiscal é expressamente vedada pelo artigo 88 do ADCT, de modo que nem mesmo o cumprimento dos requisitos postos pelo artigo 14 da LRF lograriam legitimar a sua instituição.

O artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, dispõe que é requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal a efetiva arrecadação dos tributos de competência do ente tributante.

Ora, a cobrança do ISS em percentual inferior ao mínimo legal de 2%, qualquer que seja o subterfúgio adotado, significa, em tese, que o Município está descumprindo requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal, punível, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo 11, pela suspensão da realização de transferências voluntárias.

8. É igualmente possível se cogitar, em tese, na hipótese em comento, de ato de improbidade administrativa, nos termos dos artigos 10º, inciso X e 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92, in verbis:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

(…)

X. agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;


9. Frise-se, ainda, que a concessão de benefícios fiscais de ISS indevidos acaba servindo de incentivo à fraude, fomentando intensamente entre os contribuintes a prática ilícita da simulação de estabelecimentos.

Os prestadores de serviços, visando usufruir dos incentivos fiscais indevidamente concedidos pelos Municípios nos moldes aqui noticiados, abrem estabelecimentos fictícios no território daquelas Municipalidades, utilizando-se de subterfúgios tais como aluguel de caixas postais, salas ou mesmo centrais telefônicas, enquanto mantém seus estabelecimentos de fato no Município de São Paulo, onde continuam a desenvolver normalmente suas atividades.

Esses estabelecimentos fictícios são criados muitas vezes em conluio com escritórios de contabilidade e imobiliárias, que oferecem livremente tais “serviços” ao mercado, até mesmo por meio de anúncios publicados em sites na internet.

Reportagem da TV Globo, veiculada no SP TV do dia 13 de junho de 2005 (fita de vídeo em anexo) mostra endereços na cidade de Santana do Parnaíba — salas e conjuntos comerciais de ínfima metragem – onde estariam instaladas de cem a mil empresas. A reportagem mostra, ainda, que esses serviços de “escritórios virtuais” são livremente oferecidos, mediante simples contato telefônico, a qualquer um do povo.

Do mesmo modo, matérias publicadas no Diário de São Paulo de 1º de julho de 2005 e no Diário do Comércio de 25 de julho de 2005 (v. cópias em anexo) mostram que em um único endereço, uma casa simples localizada na cidade de Santana do Parnaíba, estariam instaladas cerca de 706 empresas prestadoras de serviços.

Mediante essa prática evidentemente fraudulenta — disseminada entre empresas de pequeno, médio e grande porte — os prestadores de serviços recolhem o ISS não ao Município de São Paulo, em cujo território os serviços foram de fato prestados, mas sim aos cofres dos Municípios em que se encontram os estabelecimentos fictícios, por valores bastante inferiores aos efetivamente devidos, conduta esta que configura, em tese, a prática do ilícito criminal tipificado no inciso I, artigo 2º da Lei Federal nº 8.137/1990:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza (contra a ordem tributária):

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

É possível que tal conduta conte com a colaboração e adesão de servidores públicos municipais, que deveriam fiscalizar a veracidade da existência dos estabelecimentos no município.

A grande proliferação desses estabelecimentos fictícios, observada mais intensamente na última década, vem causando graves danos ao erário paulistano, de modo que é premente a identificação e a responsabilização desses sonegadores.

Por todo o exposto, solicito a distribuição da presente para a apuração dos fatos aqui noticiados, dada a sua gravidade e relevância.

Aproveito o ensejo para renovar meus votos de elevada estima e distinta consideração.

LUIZ ANTÔNIO GUIMARÃES MARREY

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G.

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