Dívida imoral

Juiz concede Tutela Antecipada ex officio a trabalhadora

Autor

4 de agosto de 2005, 13h40

O juiz titular da 5ª Vara do Trabalho de Santos (São Paulo), Roberto Vieira de Almeida Rezende, concedeu Tutela Antecipada a uma ex-empregada da MB Express Serviços e Transporte, em ex officio — ou seja, por iniciativa própria. O juiz considerou “imoral” o fato de a empresa ter demitido a funcionário sem justa causa em dezembro de 2004, e ainda não ter pago as verbas rescisórias.

Segundo os autos, a ex-empregada trabalhou como auxiliar de faturamento da transportadora. O salário mensal era de R$ 700. Ela foi admitida em 1º de agosto de 2002 e demitida em 1º de dezembro de 2004. Como a empresa não pagou as verbas rescisórias e outros direitos, ela entrou na Justiça do Trabalho de Santos.

O juiz Roberto Vieira de Almeida Rezende considerou que a conduta da empresa foi, “no mínimo, imoral”, pois as verbas rescisórias “tem por finalidade garantir a sobrevivência do trabalhador que, sendo demitido injustamente, fica desempregado”.

Por isso, o juiz, por iniciativa própria, concedeu Tutela Antecipada no processo determinando o pagamento imediato dos salários de dois meses, aviso prévio, décimo terceiro salário, férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional, FGTS com multa de 40%. Sobre todas as verbas, a empresa deverá ainda pagar multa de 50%.

Para o juiz Almeida Rezende, “sob qualquer ângulo que se aprecie a questão, é inteiramente possível a concessão da Tutela Antecipada pelo juízo ex officio, mormente se considerando que, em alguns casos, esta concessão não constitui um simples poder, mas sim um dever para o julgador.

“Seria contrário ao sistema processual vigente qualquer entendimento em sentido diverso que, inclusive, imporia ao Poder Judiciário a pecha de ser senão conivente, pelo menos omisso, com as injustiças decorrentes da distribuição da carga temporal no processo e da sua própria morosidade operacional”, observou.

O titular da vara fixou prazo de 24 horas para “o depósito espontâneo por parte da reclamada, sob pena de iniciar-se, de imediato e independente da interposição de recurso, a execução definitiva dos valores correspondentes aos haveres resilitórios, na forma do parágrafo 6º do pré-citado art. 273 do Código de Processo Civil”, e autorizou “a execução da tutela antecipada na pessoa de seus sócios”.

Processo 00397.2005.445.02.00-5

Leia a íntegra da sentença

TERMO DE AUDIÊNCIA

Em 15 de julho de 2005, às 17:59 horas, na sala de audiências da 5ª Vara do Trabalho de Santos, sob a presidência do MM. Juiz do Trabalho Titular, ROBERTO VIEIRA DE ALMEIDA REZENDE, foram apregoadas as partes litigantes: Cheila dos Santos Andrade e MB Express Serviços e Transportes Ltda.

Ausentes as partes.

Prejudicada a derradeira proposta conciliatória.

Foi submetido o processo a julgamento, tendo sido proferida a seguinte

S E N T E N Ç A

Cheila dos Santos Andrade, qualificado(a) nos autos, propôs reclamação trabalhista em face de MB Express Serviços e Transportes Ltda., alegando ter sido admitido(a) em 01.08.2002, mas somente registrada em 01.06.2003, para exercer as funções de auxiliar de faturamento, com salário mensal de R$ 700,00, sendo imotivadamente dispensado(a) em 01.12.2004, sem receber seus haveres resilitórios, cujo pagamento ora postula acrescido da multa do art. 477 do texto consolidado. Diz que prestava horas extras habituais e requer seu pagamento acrescido de reflexos. Reclama ainda aplicação do art. 467 do texto consolidado, dentre outros títulos arrolados às fls. 03-09. Fazendo os protestos de estilo, requer a procedência total do feito, ao qual atribui o valor de R$ 10.500,00.

Em defesa oral (fls. 68) a reclamada argumenta que encerrou suas atividades, não mais operando.

Sem outras provas, encerrou-se a fase instrutória.

Razões finais remissivas.

Propostas de conciliação infrutíferas.

Relatados.

PASSA-SE A FUNDAMENTAR E A DECIDIR:

DA CONTESTAÇÃO GENÉRICA.

Articulou a reclamada em defesa oral simplesmente que não está mais em atividade desde dezembro de 2003, não contestando especificamente quaisquer fatos narrados na inicial.

Portanto, a defesa oral apresentada em nada auxilia a ré.

Fatos não impugnados são fatos não contestados. Por conseqüência, são tidos como verdadeiros por parte do juízo.

Sendo assim, são procedentes todos pedidos contidos na inicial, com as seguintes exceções e considerações para a fase de liquidação:

DAS ANOTAÇÕES EM CTPS.

Tendo em vista a falta de defesa específica, admite-se que a reclamante trabalhou sem registro entre 01.08.2002 e 01.06.2003. Portanto, deverá ser retificada a anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social para dela fazer constar como data de admissão o dia 01.08.2002.


Para tanto, deverá o(a) mesmo(a) depositar o documento nos autos, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas a contar do trânsito em julgado da presente decisão e a ré proceder às anotações pertinentes nas 48 (quarenta e oito) horas subseqüentes, sob pena de a Secretaria da Vara suprir a sua inércia.

O período sem registro integra o tempo de serviço para efeito de pagamento de férias proporcionais acrescidas do terço constitucional; décimo terceiro salário proporcional; FGTS mais 40%.

Nada a deferir quanto à multa do art. 54 da Consolidação das Leis do Trabalho. Sua natureza é administrativa.

DAS VERBAS RESCISÓRIAS.

Devidas diante da ausência de contestação específica. São incontroversas, pois. Não tendo sido quitadas em primeira audiência, incide o acréscimo de 50% a que se refere o art. 467 do texto consolidado.

Devidas as seguintes verbas rescisórias: salários de outubro e novembro de 2004 (R$ 1.400,00); aviso prévio e sua projeção (R$ 700,00); décimo terceiro salário de 2004 (R$ 700,00); férias vencidas, bem como proporcionais acrescidas do terço constitucional (R$ 1.477,74); FGTS mais 40% de todo o contrato individual de trabalho.

Observar-se-á o disposto no Enunciado 305 do C.TST. De fato, sendo o aviso prévio uma projeção do contrato de trabalho, mesmo quando concedido na forma indenizada, deverá sofrer a incidência do FGTS e da multa de 40% sobre o seu valor total, pois a verba nada mais é do que o salário do mês de seu cumprimento, do qual o empregador desobrigou o operário. Anote-se ementário de decisões semelhantes:

“Multa fundiária. Cômputo do aviso prévio indenizado. O tempo do aviso prévio indenizado deve ser considera para o cálculo da multa incidente sobre os depósitos fundiários.” (TRT/SP 02930513297 – Ac. 7a Turma 02950316446 – Rel. Juiz Braz José Mollica – DOE 17.08.95).

“Projeção do aviso prévio. O aviso prévio, ainda que elastecido por força de norma coletiva e ainda que indenizado, sempre integra o tempo de serviço do empregado, inclusive para efeito de incidência do FGTS, tal como concluiu o MM. Juízo de origem não merecendo acolhida o apelo patronal neste ponto.” (TRT/SP 02940153854 – Ac. 7a Turma – 02950434759 – Rel. Juíza Anélia Li Chum – DOE 11.10.95).

Note-se que a multa a que se refere o art. 22 da Lei n.º 8.036/90 possui natureza administrativa, não se aplicando ao FGTS e/ou multa de 40% deferidos em decisão judicial.

FGTS e multa não incidem sobre férias indenizadas.

Não tendo a reclamada fornecido as guias para o seguro-desemprego ou mesmo para o FGTS sujeitou empregado a não receber seu seguro-desemprego, devendo indenizar o valor do benefício.

Tendo em vista que a reclamada não contesta que não pagou títulos sabidamente devidos, sua defesa genérica afigura-se como meramente protelatória da quitação dos haveres resilitórios do trabalhador.

Considerando que admitir o juízo tal conduta por parte da demandada importa ser conivente com uma atitude, no mínimo, imoral e ainda que as verbas rescisórias tem por finalidade garantir a sobrevivência do trabalhador que, sendo demitido injustamente, fica desempregado, concede-se a tutela antecipada quanto às verbas rescisórias acima descritas, acrescidas de 50%, na forma do art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho. A tutela antecipada é concedida na forma do art. 273, inciso II do pergaminho civil adjetivo e constitui medida extremamente moralizadora na medida em que evita que o empregador se valha da morosidade da Justiça para postergar o pagamento de títulos incontroversos ou mesmo deixar de pagá-los.

Tendo em vista que a demandada encontra-se confessadamente desativada, evidente que pode não ter condições de quitar o débito, ficando, desde logo, autorizada a execução da tutela antecipada na pessoa de seus sócios.

Fixa-se o prazo de 24 horas para o depósito espontâneo por parte da reclamada, sob pena de iniciar-se, de imediato e independente da interposição de recurso, a execução definitiva dos valores correspondentes aos haveres resilitórios, na forma do § 6º do pré-citado art. 273 do Código de Processo Civil.

Note-se ainda que o cabimento da tutela antecipada em sentença é respaldado pela SDI do E.TRT da 2ª Região, conforme jurisprudência que ora se colaciona:

MANDADO DE SEGURANÇA – TUTELA ANTECIPADA EM SENTENÇA. O ato impugnado – antecipação da tutela – não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, haja vista que o juízo impetrado agiu com a devida cautela, exercendo o seu livre convencimento dentro de seus estritos limites. Mandado de segurança contra decisão que deferiu a antecipação da tutela na própria sentença prolatada nos autos da ação trabalhista ajuizada pelo ora litisconsorte necessário contra a ora impetrante. Atribuição do efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra a antecipação da tutela poderia ter sido buscado por intermédio do ajuizamento de ação cautelar incidental mas jamais por meio da ação mandamental. Segurança que se denega. RELATOR(A): MARCELO FREIRE GONÇALVES. REVISOR(A): JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA. ACÓRDÃO Nº: 2003023788. PROCESSO Nº: 11457-2002-000-02-00-9. DATA DE PUBLICAÇÃO: 10/10/2003.

Mandado de Segurança – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Não há direito líquido e certo contra a concessão da antecipação dos efeitos da tutela nos moldes do artigo 273 do Código de Processo Civil, se, aos olhos do magistrado que preside o processo, restou formado o chamado Juízo de verossimilhança. A tutela antecipada é condição especial subjugada ao livre convencimento do magistrado, que não pode ser substituído, salvo casos excepcionais. RELATOR(A): NELSON NAZAR. REVISOR(A): SONIA MARIA PRINCE FRANZINI. ACÓRDÃO Nº: 2003019551. PROCESSO Nº: 12691-2002-000-02-00-3. DATA DE PUBLICAÇÃO: 22/08/2003.

Mandado de segurança. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. NÃO OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. Uma vez presentes os pressupostos constantes do artigo 273 do Código de Processo Civil, quais sejam, a prova inequívoca, a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável, incensurável se torna a decisão do MM. Juízo de origem que concede a tutela antecipada, não sendo passível de reforma por meio de mandado de segurança. RELATOR(A): VANIA PARANHOS. REVISOR(A): FLORIANO VAZ DA SILVA . ACÓRDÃO Nº: 2003005771. PROCESSO Nº: 11058-2002-000-02-00-8. DATA DE PUBLICAÇÃO: 16/05/2003.

MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA PARA PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS E SEGURO DESEMPREGO, FUNDADA EM FATO INCONTROVERSO. DENEGADA, EM VISTA DE AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. A antecipação da tutela para pagamento das verbas rescisórias e entrega de guias do Termo de Rescisão Contratual e de Seguro Desemprego encontra-se fundamentada em fato incontroverso, na medida em que a impetrante deixou de contestar esses tópicos, além do que o Juiz, segundo sua convicção, entendeu preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC. O comando legal que trata do instituto da tutela antecipada estar jungido à discricionariedade do Juiz, acrescendo-se que inexiste o perigo de irreversibilidade, a teor do disposto pelos parágrafos 2º e 4º, do art. 273, do Diploma Adjetivo Civil. Segurança que se denega.(Mandado de Segurança nº 01548/2001-6 (Ac. 2003003728), SDI do TRT da 2ª Região, Relª. Maria Aparecida Pellegrina. j. 21.01.2003, unânime, DOE 28.03.2003).


Os valores depositados em conta vinculada serão liberados pela entrega das guias TRCT, no prazo de 48 horas, independentemente do trânsito em julgado, mediante depósito nos autos e independentemente de novas intimações, sob pena de expedição de alvará. Tais valores serão comprovados nos autos, no prazo de 48 horas, a contar do recebimento do título, independentemente de nova intimação, sob pena de se presumir quitado integralmente o FGTS. Em caso de comprovação e de existência de diferenças, os valores constantes da conta vinculada serão abatidos dos cálculos.

Quanto à tutela antecipada, por óbvio que sua concessão foi ex officio, uma vez que não houve pedido expresso do reclamante nesse sentido.

Cabe ao juízo esclarecer quanto à possibilidade de concessão da antecipação da tutela de ofício, pois.

Primeiramente, não se pode dizer que o art. 273, caput do pergaminho civil adjetivo pretendeu limitar a atuação do juiz, na tutela antecipada, às hipóteses em que a parte requer expressamente sua concessão. Afinal, o próprio art. 273, em seu § 6º, prevê explicitamente a possibilidade de sua concessão quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso, não se referindo à necessidade de requerimento da parte. Portanto, evidente que há autorização legal para que o juízo conceda ex officio a tutela antecipada.

Portanto, a medida foi concedida de ofício, em conformidade com o art. 273, inciso II e § 6º da norma processual civil, de aplicação subsidiária à processualística do trabalho, por força do art. 769 do texto consolidado.

Como já se notou, foram verificadas a presença da verossimilhança das alegações da inicial quanto à dispensa e à existência de fundado receio da configuração de dano irreparável, mormente estando a demandada confessadamente desativada.

De outra parte, de se ressaltar que o Judiciário não pode quedar-se inerte quando aquele que o provoca, tendo razão, pode sofrer patente prejuízo – inclusive no seu sustento e de sua família – podendo e devendo tomar o juiz todas as medidas cabíveis para evitar que o ônus temporal do processo recaia exclusivamente sobre aquele que busca a tutela jurisdicional.

De se assinalar também que o juiz é um ser político, no sentido de que deve permanecer sensível aos valores sociais e às mutações axiológicas de sua sociedade. O juiz haverá de estar comprometido com esta e com suas preferências. Repudia-se o juiz indiferente, o que corresponde a repudiar também o pensamento do processo como instrumento meramente técnico. Ele é um instrumento político, de enorme conotação ética, fato que ao juiz não é dado ignorar. Sendo assim, o fato de o juiz estar sujeito à lei não significa que está cingido ao rigor das palavras que os textos legais contém, mas sim ao espírito do direito de seu tempo. Se o texto aparenta apontar para uma solução que não satisfaça ao seu sentimento de justiça, isso significa que provavelmente as palavras do texto ou foram mal empregadas pelo legislador; ou o próprio texto, segundo a idéia do legislador não está em consonância com os valores aceitos pela nação no tempo presente.

Portanto, o juiz, ao interpretar as normas processuais, deve estar consciente de que sua função é comprometida com o conteúdo do direito de seu momento histórico, não lhe cabendo aplicar friamente a lei, quando esta possa conduzir a resultados desvirtuados, seja porque não foi adequadamente elaborada, seja porque não mais atende às necessidades sociais.

Mais do nunca o momento histórico é de revolta da nação com a morosidade do Judiciário e com a utilização indevida do princípio da ampla defesa e do contraditório para fazer recair o ônus temporal do processo em somente uma das partes. Tanto é assim que se debate amplamente na sociedade a necessidade de reforma do Poder Judiciário e da revisão das normas processuais para dar agilidade aos processos. Não se pode, pois, segundo o senso comum, permitir que o direito constitucional fundamental de ampla defesa seja convertido em meio de postergar pagamentos que, uma vez não efetuados, podem vir a prejudicar irremediavelmente a vida daquele que se vê obrigado a esperar por anos a fio a efetivação da tutela jurisdicional sobre verbas evidentemente devidas. É clamor popular a necessidade de rápida solução dos litígios e diante disso é evidente que a tutela antecipada pode ser concedida de ofício pelo juízo.

Na medida em que o ordenamento jurídico lhe forneça meios para uma interpretação sistemática satisfatória perante o seu senso de justiça, ao afastar-se das aparências verbais do texto e atender aos valores subjacentes à lei, o juiz estará fazendo cumprir o direito.

Afinal, toda norma jurídica deve ser interpretada com atenção ao caráter sistêmico do ordenamento jurídico. Não se interpreta a lei isoladamente, aos pedaços, mas inserida dentro de um sistema jurídico composto por princípios e regras que devem manter entre si plena harmonia. Não se interpretam textos de direito, isoladamente, mas sim o Direito, no seu todo.


Evidente que, estudado o sistema processual civil trazido pelo Código de Processo de 1973, com suas recentes reformas, se verifica que houve patente opção pela adoção de um ordenamento que considera o processo como uma instituição estatal, destinada a realização concreta da Justiça. Portanto, o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para a garantia do direito material ao seu titular.

Nesta esteira, o sistema processual civil dota-se de medidas para que o processo atinja seu papel precípuo que é – como já se frisou – o de servir de meio para obtenção da tutela de direitos materiais. Assim, estabelece o art. 125 do pergaminho civil adjetivo que o juiz tem o poder-dever de dirigir o processado, velando pela rápida solução litígio, bem como reprimindo e prevenindo qualquer ato atentatório à dignidade da Justiça.

Tanto se cuida de um poder-dever que o juiz pode inclusive ser penalizado pelo retardamento na determinação de providências para a efetivação dessas medidas (art. 133, inciso II do Código de Processo Civil).

Por outro lado, ressalta a melhor doutrina que o art. 273 do Código de Processo Civil deve ser interpretado em consonância com o art. 797 do mesmo diploma legal que admite a concessão de tutelas cautelares de ofício. Se o próprio sistema permite a concessão de uma cautelar ex officio seria incoerente que vedasse a concessão da tutela antecipada pela mesma forma de atuação judicial. Ademais, sequer o princípio da inércia do Poder Judiciário poderia servir de base para impedir a concessão de tutela antecipada ex officio, especialmente quando o juiz verificar a necessidade da medida diante do risco iminente de perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do qual existem provas suficientes de verossimilhança. Nestes casos em que, apesar de presentes os requisitos legais para ausa concessão a tutela jurisdicional antecipada não é requerida pela parte, a atuação do juiz ex officio constitui o único meio de se preservar a utilidade do resultado do processo. Neste diapasão, impedir a iniciativa de atuação judicial no concernente à tutela antecipada somente poderia conduzir à soluções injustas respaldadas pelo próprio Poder ao qual incumbe materializar a Justiça.

Portanto, sob qualquer ângulo que se aprecie a questão, é inteiramente possível a concessão da tutela antecipada pelo juízo ex officio, mormente se considerando que, em alguns casos, esta concessão não constitui um simples poder, mas sim um dever para o julgador. Seria contrário ao sistema processual vigente qualquer entendimento em sentido diverso que, inclusive, imporia ao Poder Judiciário a pecha de ser senão conivente, pelo menos omisso, com as injustiças decorrentes da distribuição da carga temporal no processo e da sua própria morosidade operacional. Aliás, tal postura, além de representar uma visão isolada do dispositivo contido no art. 273 da lei processual e a ignorância do caráter sistêmico do ordenamento jurídico, somente contribuiria para o aumento do descrédito e do desprestígio deste Poder.

DA MULTA DO ART. 477.

Requer o autor que a ré seja condenada ao pagamento da multa do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, sob o argumento de suas verbas resilitórias foram quitadas a destempo.

Como se sabe a ausência de satisfação, no prazo legal, da totalidade dos títulos rescisórios devidos ao empregado, gera a incidência da multa do art. 477 da Consolidação.

E basta que se configure apenas a sonegação de parte deles para que a penalidade seja aplicada, notadamente quando, para receber seus haveres, seja o operário obrigado a ingressar em Juízo, pela arbitrária recusa patronal no reconhecimento de seus direitos.

No caso em tela, a falta de quitação das verbas rescisórias, diante do injusto despedimento no curso do contrato de trabalho por prazo indeterminado é evidente.

Entendimento contrário implicaria em estímulo para os empregadores sonegarem os títulos devidos, sob o simples argumento de que, no seu entender, a eles não faria jus o empregado, contando com a chance de não ser essa versão submetida à apreciação do Poder Judiciário Especializado.

Resta devida a multa postulada, que será calculada no importe de um salário nominal do reclamante apenas. Ou seja, não incidirão reflexos de outros eventuais títulos na multa ora deferida.

DAS HORAS EXTRAS.

Diante da ausência de contestação específica e da razoabilidade dos horários de trabalho e intervalo descritos na inicial, ficam estes acolhidos para efeito de deferimento das horas extras postuladas e liquidação de sentença: de segunda a sexta das 08 às 18 com 30 minutos de intervalo para refeição e descanso.

Para o cálculo, será observada a evolução remuneratória do obreiro, levando-se em conta apenas os títulos salariais fixos habitualmente percebidos.


Serão consideradas extras as horas que excedam ao limite semanal de 44 horas e diário de 08 horas, já que esta a carga máxima de trabalho permitida pela Constituição da República.

O adicional é o de 50% para os dias úteis e o de 100% para domingos e feriados trabalhados. O divisor é o de 220. Respeito aos dias efetivamente trabalhados evitando-se o duplo pagamento em férias e demais períodos ou dias de afastamento.

O adicional mais benéfico eventualmente previsto em normas coletivas respeitará seus respectivos prazos de vigência. Havendo período não coberto pela norma coletiva, aplicar-se-ão as disposições do texto constitucional, do diploma celetário e de outros textos legais pertinentes.

Por habitual, a sobrejornada incide em descansos semanais remunerados, férias acrescidas de um terço, salários trezenos, aviso prévio, FGTS e respectiva multa de 40%. Anote-se que o a repercussão das horas de sobejo sobre os repousos semanais remunerados não deve incidir novamente nos demais títulos, sob pena de se consagrar bis in idem, com o pagamento de reflexos sobre reflexos.

DO REAJUSTE NORMATIVO.

Devido ainda o reajuste normativo, porquanto a reclamada não contestou especificamente o pedido e tampouco a aplicabilidade da norma coletiva acostada aos autos à categoria da demandante.

DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

O art. 133 da Constituição da República e a Lei n. 8906/94 não tiveram o condão de revogar o art. 791 do texto consolidado, de modo que continua em plena vigência o “jus postulandi” das partes na Justiça do Trabalho. Igualmente não atingidos os dispositivos da Lei n. 5584/70 que, desta feita, ainda regulamenta a sucumbência na seara laboral. Assim orienta o Enunciado 329, que manteve vivo o entendimento já consubstanciado no Enunciado 219, ambos da Súmula do C.TST.

“O jus postulandi na Justiça do Trabalho. Exegese do art. 133 da Constituição Federal. O art. 133 da Constituição Federal não extinguiu o jus postulandi no Processo do Trabalho, mas tão-somente pôs em relevo a natureza das funções exercidas pelo advogado.” (TRT/SP 02950031964 – Ac. 6a Turma 02960285250 – Rel. Juiz Amador Paes de Almeida – DOE 19.06.96).

Frise-se, por derradeiro, que o STF concedeu liminar em ADIN, visando suspender os efeitos do art. 1° do novo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Logo, indevida a verba honorária.

DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA.

Embora o reclamante tenha apresentado declaração de pobreza, mister se faz afastar o pedido, posto que o autor constituiu advogado particular, não estando, portanto, presente o pressuposto essencial para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, qual seja: a assistência judicial ao necessitado. Afinal, a Lei n. 1.060/50 deve ser interpretada, na seara laboral, em conjunto com a Lei n. 5.584/70, que estabelece quem pode patrocinar os necessitados nesta Justiça Especializada.

Assim se posiciona a jurisprudência:

“Na Justiça do Trabalho não há falar em assistência judiciária, quando o reclamante não está assistido por sindicato de classe e sim por advogado particular.” (TRT/SP 02940288040 – Ac. 9a Turma 02950513497 – Rel. Juiz Sérgio José Bueno Junqueira Machado, DOE 21.11.95).

Demais disto, o reclamante não é parte sucumbente no feito.

DOS JUROS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA.

A época própria para os pagamentos restou definida pelo Decreto-lei n. 75/66, cujas disposições foram tacitamente revogadas pela Lei n. 6.423/77, e expressamente pela Lei n. 8.177/91. Em sendo assim, a possibilidade da reclamada pagar os salários até o quinto dia útil representa faculdade concedida pela lei para que a empresa cumpra suas obrigações na época própria, não podendo dela se favorecer o empregador inadimplente. A não utilização da faculdade legal, ou seja, o não pagamento dos títulos remuneratórios na época própria, implica em que os índices de correção monetária sejam aplicados em observância ao mês do fato gerador da obrigação. Adotar o raciocínio de que o “quantum debeatur” somente seria devido a partir de sua exigibilidade, por outro lado, não deixa de significar um prêmio ao mau pagador, o que seria, no mínimo, eticamente reprovável.

Assim diz a jurisprudência:

“O pagamento do salário do empregado no mês subseqüente ao da prestação do serviço é uma faculdade legal concedida ao empregador, da qual o mesmo não pode se beneficiar quando o obreiro é impelido a buscar o auxílio do Poder Judiciário para ver satisfeito o seu crédito, quando, então, a contagem da correção monetária terá início a partir do mês da prestação do serviço, fato gerador do pagamento dos salários.” (TRT/SP 02950277165 – Ac. SDI 02960411247 – Rel. Juiz Nelson Nazar – DOE 20.08.96).

“A faculdade legal de pagamento de salários até o quinto dia útil do mês visa à operacionalização de folha de pagamento, não favorecendo o inadimplente, que deve cumprir a prestação, com a correção monetária aplicada em observância ao mês do fato gerador da obrigação.” (TRT/SP 02940253980 – Ac. SDI 02950269839 – Rel. Juíza Laura Rossi – DOE 18.07.95.


Os juros são devidos a partir da data da distribuição, por força do quanto prevê o art. 883 da Consolidação das Leis do Trabalho, contados pro rata die.

DAS CONTRIBUIÇÕES FAZENDÁRIAS E PREVIDENCIÁRIAS.

As contribuições previdenciárias devidas são de responsabilidade da reclamada de acordo com o disposto no art. 33, parágrafo quinto, da Lei n. 8212/91, que instituiu o plano de custeio da seguridade social, não podendo ser deduzidas do crédito do reclamante.

Quanto às parcelas devidas a título de imposto de renda, as deverá recolher, na forma da lei, se for o caso, o demandante, quando da época própria, ou seja, a partir do recebimento das importâncias emergentes do presente feito, no momento da apresentação da declaração de rendimentos, haja vista considerar este Juízo imprópria a retenção no momento do pagamento, pois assim resultaria aplicação da alíquota única ao débito, sem respeito ao princípio da progressividade que, entre outros, rege a instituição dos impostos. A retenção do imposto de renda por ocasião do pagamento de todas as parcelas que a empresa deveria ter pago mês a mês, seria prejudicial ao operário, pois a alíquota de retenção seria bem superior àquela que normalmente atingiria o ganho individualizado (ou seja, mensal) que deixou de perceber, por culpa exclusiva da reclamada, sendo penalizado desse modo uma segunda vez por fato ao qual não deu causa.

Orienta a jurisprudência:

“Agravo de petição. Descontos previdenciários. é da reclamada o encargo de suportar os descontos previdenciários não recolhidos no momento devido, por inferência do contido na Lei e no Regulamento de Custeio da Previdência Social.” (TRT/SP 02950060158 – Ac. SDI 02960107700 – Rel. Juiz Nelson Nazar – DOE 06.03.96).

DA COMPENSAÇÃO.

Fica ressalvada à reclamada a possibilidade de compensar valores já pagos ao reclamante sob idêntica rubrica, respeitados os ditames do art. 767 da Consolidação Operária e também as orientações contidas nos Enunciados 18 e 48 do C.TST, desde que a documento comprobatória do pagamento já tenha vindo aos autos na fase de conhecimento a fim de que não sejam feridos os princípios da eventualidade e da concentração dos atos processuais em audiência, que vigem com força especial na processualística laboral.

Fundamentada a decisão.

PASSA-SE A CONCLUIR:

P O S T O I S T O, nos termos da fundamentação supra, que passa a fazer parte do presente dispositivo para todos os efeitos, reconhece-se o vínculo de emprego entre os litigantes no alegado período sem registro, ordena-se a retificação da data de admissão em Carteira de Trabalho e Previdência Social para constar o dia 01.08.2002 e, no mais, julga-se a presente reclamatória trabalhista PROCEDENTE EM PARTE para condenar a reclamada, MB Express Serviços e Transportes Ltda., a pagar à reclamante, Cheila dos Santos Andrade, os seguintes títulos:

1. salários em atraso de outubro e novembro de 2004 (R$ 1.400,00);

2. aviso prévio e sua projeção (R$ 700,00);

3. décimos terceiros salários de 2004 (R$ 700,00);

4. férias vencidas, bem como proporcionais acrescidas do terço constitucional (R$ 1.477,74);

5. FGTS mais 40% de todo o contrato individual de trabalho, observar-se-á o disposto no Enunciado 305 do C.TST;

6. indenização do seguro-desemprego;

7. aplicação do art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho;

8. verbas do período sem registro;

9. horas extras e seus reflexos;

10. reajuste normativo.

Concedida tutela antecipada ex officio quanto às verbas rescisórias incontroversas (itens 1 a 7). Depósito espontâneo pela demandada em 24 horas, sob pena de execução definitiva, na forma do art. 273, § 6º do Código de Processo Civil. Fica autorizado, desde logo, o prosseguimento da execução da tutela antecipada na pessoa dos sócios da demandada, uma vez que esta confessadamente não está mais em atividade.

Os valores depositados em conta vinculada serão liberados pela entrega das guias TRCT, no prazo de 48 horas, da intimação da presente decisão, independentemente da interposição de recurso, mediante depósito nos autos e independentemente de novas intimações, sob pena de expedição de alvará. Tais valores serão comprovados nos autos, no prazo de 48 horas, a contar do recebimento do título, independentemente de nova intimação, sob pena de se presumir quitado integralmente o FGTS. Em caso de comprovação e de existência de diferenças, os valores constantes da conta vinculada serão abatidos dos cálculos de liquidação.

Atualização monetária a partir do mês trabalhado e juros incidentes a contar da data da distribuição, com aplicação pro rata die.

Os valores devidos serão apurados em regular liquidação de sentença que deverá obedecer aos parâmetros colocados na motivação da presente decisão, observada a possibilidade de compensação pela reclamada.

Frise-se que, sendo a liquidação de sentença ato de acertamento da decisão cognitiva e não processo autônomo, este é o momento processual adequado para a definição pormenorizada da natureza salarial ou indenizatória de cada uma das verbas deferidas no julgado, nos moldes do art. 832 do texto consolidado.

Recolhimentos fiscais e previdenciários na forma da fundamentação.

Desnecessária a expedição de ofícios nesta fase processual.

Custas pela ré, sobre o valor de R$ 10.000,00, ora arbitrado à condenação, no importe de R$ 200,00.

Recorda-se às partes que os embargos meramente protelatórios, assim entendidos aqueles que não aventarem real hipótese de omissão, contradição, obscuridade ou erro material no julgado, estarão sujeitos às penalidades previstas em lei. Atentem ainda os litigantes que o eventual erro na apreciação da prova não constitui matéria de embargos de declaração, no termos da lei processual civil vigente.

Trânsita em julgado, faça-se cumprir.

Sentença publicada em audiência. Cientes as partes. Nada mais.

ROBERTO VIEIRA DE ALMEIDA REZENDE

Juiz do Trabalho

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