Honorários advocatícios

Em processo de falência, sucumbência equivale a salário

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3 de agosto de 2005, 12h29

Honorários de sucumbência têm caráter alimentar e, por isso, merecem tratamento equivalente aos créditos trabalhistas. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Que acolheu Recurso Especial proposto por um advogado contra uma distribuidora de bebidas de Mato Grosso do Sul.

Os honorários de sucumbência são pagos pela parte que perdeu a ação ao advogado da parte que ganhou a ação.

O caso julgado no STJ trata de uma ação de execução de honorários advocatícios sucumbenciais. A União cobrava a preferência com fundamento no artigo 186 do Código Tributário Nacional. O artigo dá preferência ao crédito tributário sobre qualquer outro. O advogado, contrário à pretensão da União, alegava que a natureza alimentar da verba honorária a equipararia aos salários. Por isso, teria preferência.

Divergindo das decisões da 1ª e da 2ª Turma do STJ, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, entendeu que é possível que uma verba tenha caráter alimentar, ainda que não seja certa o seu recebimento.

Como exemplo, a ministra citou as gratificações com base em metas, participações nos lucros (sem acordo ou convenção coletiva), diárias e comissões. Esse tipo de verbas não perde sua natureza salarial.

Para a ministra, no caso dos honorários de sucumbência ocorre o mesmo: o advogado contratado para atuar num processo cobra um valor fixo inicial, mais a eventual sucumbência, para o caso de vencer o pleito, o que representaria o adicional aleatório. A relatora ressaltou ser comum o advogado formar uma “reserva de capital” quando recebe os honorários de sucumbência, economia que depois utiliza por vários meses até que outras causas em andamento lhe rendam uma nova reserva.

A ministra concluiu que para a grande massa dos advogados, os honorários de sucumbência fazem parte do sustento. Nancy Andrighi ainda destacou que a inexistência de relação de emprego entre advogado e cliente não influi no caráter alimentar da verba honorária, já que o salário de um empregado é protegido por lei porque representa sua fonte de sustento, não porque há subordinação.

A relatora acatou o recurso do advogado Alfredo Cândido Santos Ferreira contra a Caninha Japonesa Centro-Oeste Distribuidora de Bebidas. Seguiram seu posicionamento os ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito. O ministro Ari Pargendler divergiu desse entendimento.

Mesmo entendimento

No mês de julho a 3ª Turma do STJ firmou entendimento quase no mesmo sentido. A Turma decidiu que os honorários advocatícios num processo de falência têm a mesma prioridade que os salários dos empregados.

Para os ministros, a verba pertence ao advogado, ainda que organizado como uma empresa jurídica, é sua fonte de sustento e tem, em qualquer caso, natureza alimentar.

Na ação, a 3ª Turma discutiu se os honorários advocatícios podem ser considerados de natureza alimentar e se essa característica seria suficiente para equipará-los aos créditos trabalhistas. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, o artigo 102 da antiga da Lei de Falências “deixa claro que os honorários são dotados de privilégio, no juízo falimentar. Isso não se põe em dúvida”.

Segundo a ministra, o principal fundamento para deixar de reconhecer o caráter alimentar dos honorários é baseado na incerteza da verba, que depende do êxito da causa. No entanto, para Nancy, o precedente só pode ser usado em honorários de sucumbência, ao contrário dos honorários em questão, que foram contratados em valor fixo.

O entendimento desenvolvido pela 3ª Turma é valido também para sociedades de advogados. “Em nenhum momento a Lei 8.906/94 [que estabelece os honorários advocatícios] faz qualquer distinção entre pessoas físicas e jurídicas, no exercício da advocacia. A relação dos clientes não é estabelecida diretamente com a sociedade, mas, sempre, com os advogados que a compõem.”, afirmou.

REsp 608.028

Leia a íntegra do voto

RECURSO ESPECIAL Nº 608.028 – MS (2003/0196009-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se do recurso especial interposto por Alfredo Cândido Santos Ferreira e outro contra acórdão exarado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

Ação: nos autos da ação de execução proposta pelo Banco do Brasil S/A em face de Caninha Camponesa Centro Oeste Distribuidora de Bebidas LTDA, ora recorrida, o Juízo indeferiu o pedido dos recorrentes para que o crédito objeto da execução, proveniente de honorários advocatícios arbitrados em ação monitória, fosse pago com preferência em relação a crédito devido à Fazenda Nacional.

Acórdão: o agravo de instrumento interposto pelos recorrentes contra o despacho com conteúdo decisório proferido restou desprovido por acórdão assim ementado:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONCURSO DE CREDORES – EXECUÇÃO – TÍTULO JUDICIAL – CRÉDITO FISCAL DA UNIÃO VERSUS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PREFERÊNCIA DO PRIMEIRO – RECURSO NÃO PROVIDO.

Os honorários advocatícios não se equiparam aos créditos decorrentes da legislação do trabalho, de modo que, nos termos do art. 186 do Código Tributário Nacional, não têm preferência, em concurso de credores, em relação ao crédito fiscal da União.”

Recurso especial: foi interposto com fulcro no art. 105, inc. III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa aos arts. 24 da Lei 8.906/94 e 186 do CTN, além de dissídio jurisprudencial.

Em síntese, alegam os recorrentes que o crédito de honorários advocatícios tem natureza alimentar e, portanto, se equipara aos créditos trabalhistas.

Assim sendo, em concurso de credores há de ser pago preferencialmente em relação ao crédito tributário. Colaciona julgados no sentido da tese explicitada.

É o relatório.

VOTO

I – Prequestionamento

A matéria objeto deste recurso está devidamente prequestionada. Com efeito, tanto o art. 186 do Código Tributário Nacional, como o art. 24 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, são mencionados de maneira expressa pelo Tribunal a quo no aresto recorrido.

II – O objeto deste processo e o recente precedente desta Turma

A questão discutida neste processo é bastante similar à que, recentemente, foi submetida à apreciação desta Terceira Turma por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 566.190/SC. Nesse processo, discutia-se a possibilidade de os honorários advocatícios serem equiparados a créditos trabalhistas para os fins do art. 102, caput, da antiga Lei de Falências (Decreto-lei nº 7.661/45).

A Turma, nessa ocasião, deu-me a grata satisfação de acompanhar, por unanimidade, as razões que defendi no voto que apresentei como relatora, entendendo que a natureza alimentícia dos honorários justificariam a sua equiparação aos salários no concurso falimentar.

No precedente supra citado, teci as seguintes considerações acerca da natureza alimentar dos honorários advocatícios:

“Conquanto a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já tivesse se pacificado a respeito da natureza alimentícia dos honorários advocatícios (ROMS nº 12.059/RS, DJ de 9/12/2002; ROMS 1.392/SP, DJ de 8/5/1995), a introdução, pela Emenda Constitucional nº 30/2000, do §1-A do art. 100 da Constituição Federal reabriu a questão. Com efeito, em julgados mais receentes, tanto a primeira, como a segunda turma desta Corte, já se manifestaram no sentido de não conferir tal natureza a essas verbas (REsp nº 653.864/SP, DJ de 12/12/2004; ROMS nº 17.536/DF, DJ de 10/2/2004).

A discussão é travada mais freqüentemente por ocasião de decisões acerca da ordem dos precatórios expedidos em face da Fazenda Pública (que é, aliás, exatamente o assunto discutido nos precedentes trazidos pela recorrente para confronto). Portanto, é na Primeira e na Segunda Turmas deste Tribunal que os precedentes têm se formado.

Os acórdãos mais antigos, para fundamentar o entendimento de que tinham natureza alimentar os honorários, costumavam mencionar o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE nº 146.318-0, relatado pelo Ministro Carlos Velloso. Esse julgado, acolhido à unanimidade pelos integrantes da Segunda Turma do STF, teve a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33, ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ADCT, ART. 33.

I. Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33, ADCT.

II. R.E. não conhecido.

No corpo desse acórdão, o Pretório Excelso, para fundamentar o reconhecimento do caráter alimentar da verba honorária, menciona que ’embora a honorária não tenha a natureza jurídica do salário, dele não se distingue em sua finalidade, que é a mesma. A honorária é, em suma, um salário ad honorem pela nobreza do serviço prestado. Tem, portanto, caráter alimentar, porque os profissionais liberais dele se utilizam para sua mantença e de seu escritório ou consultório’.

A reabertura da discussão no âmbito do STJ deu-se porque o §1º-A do artigo 100, agora, enumera de maneira expressa as verbas que podem ser consideradas de caráter alimentar, mencionando ‘salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado’.

Honorários, como se vê, não estão incluídos nesse rol. O principal fundamento dos acórdãos que deixaram de reconhecer o caráter alimentar para os honorários, conforme se extrai do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no ROMS nº 17.536/DF (DJ de 3/5/2004), é o de que essas verbas, por configurarem retribuição aleatória e incerta – dependente do êxito da causa – ‘não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna’ (ROMS

17.536, supracitado).

Ou seja, o foco desses precedentes são os honorários de sucumbência, justamente porquanto é só nessas situações que o recebimento dessas quantias é aleatório. A hipótese dos autos, porém, é de honorários contratados em valor fixo. Tais hipóteses não foram contempladas nos precedentes e, mais que isso, foram ressalvadas de maneira expressa no voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no ROMS nº 17.536 (DJ de 3/5/2004), verbis: (…)

Ou seja, o que se vê é que o movimento recém iniciado no sentido da mudança do posicionamento desta Corte não se aplica ao caso concreto. Para o caso dos autos – honorários contratados por valor fixo – ainda vigora o entendimento de que deve ser-lhe conferida natureza alimentar.”


No presente processo, a questão da natureza dos honorários e da possibilidade de sua equiparação aos salários novamente se coloca, porém com duas diferenças fundamentais, a saber:

(i) o valor perseguido pelos causídicos neste processo não decorre de contrato com valor fixo, como no precedente supracitado, mas de honorários de sucumbência;

(ii) neste processo não se debate a preferência dos honorários em processo falimentar, mas em ação de execução promovida em face de devedor solvente, em que a União Federal pleiteia preferência com fundamento no art. 186 do CTN.

Essas duas particularidades têm de ser minuciosamente analisadas para que se verifique se a mesma solução dada naquele caso, pode ser estendida a este. É o que se passa a fazer.

III – A natureza alimentar dos honorários de sucumbência

As razões que levaram esta Corte, em alguns precedentes, a descaracterizar a natureza alimentar dos honorários podem ser resumidas às seguintes considerações, tecidas pelo Ministro Luiz Fux no voto vencedor que proferiu no ROMS nº 17.536/DF:

“Não pode, pois, a sucumbência integrar o conceito de verba alimentar. Sua retribuição é aleatória eis que, os advogados efetivamente não podem contar com sua existência ou quantum. Como já foi dito, os contratos de honorários não se resumem à percepção da verba a quem (sic) o sucumbente eventualmente venha a ser condenado. A prestação postulatória exige do patrocinado o pagamento da honorária certa desvinculada da condenação que poderá não sobrevir, se o patrono não alcançar o ganho da causa.

Um outro aspecto ainda, merece consideração: não existe entre o Estado e o advogado da parte adversa, qualquer relação de subordinação que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Não existe dependência entre a entidade devedora e o advogado de outra parte. A sucumbência é pois, um ‘plus’ condenatório que se não reveste de natureza alimentar” (grifos no original)

Da transcrição acima se depreende, portanto, que dois argumentos sustentam tal idéia: (a) da ausência de certeza no recebimento da verba honorária decorreria a ausência de imprescindibilidade no seu recebimento para a sobrevivência do advogado; e (b) não haveria subordinação (ou dependência, que é um sinônimo, para os fins do direito do trabalho) entre advogado e cliente, o que retiraria dos honorários a natureza salarial.

Em que pese a excelência desses argumentos e a profunda erudição do ministro que os defendeu, entendo que é possível ainda refletir um pouco mais sobre a questão, o que passo a fazer, articuladamente, com relação a cada um desses argumentos.

III. a) A aleatoriedade do recebimento da verba

Em primeiro lugar, não me parece impossível, e tampouco inusitado, que uma verba tenha natureza alimentar, não obstante seja incerto ou aleatório o seu recebimento. O próprio Direito do Trabalho nos dá exemplos disso. Nessa seara, é vedada a estipulação de salário integralmente aleatório para um trabalhador celetista.

Todavia, é possível que o empregador estipule, em cada caso, uma quantia fixa de salário, mais uma parcela adicional variável. Essa parcela adicional pode ser fixada como comissões, como gratificações ajustadas com base em metas, como diárias de viagens que ultrapassem a metade da remuneração ou mesmo como participação nos lucros da empresa, desde que fixada sem convenção ou acordo coletivo. Em todos esses casos, não há certeza no recebimento da remuneração adicional ao salário, mas, nem por isso, esses adicionais perderão sua natureza salarial. Tanto que a média de tais valores deve ser considerada como integrante do salário para o cômputo das férias, do descanso semanal remunerado e das horas extras do empregado. Tais valores, outrossim, gozam do mesmo privilégio que o salário, seja no concurso falimentar, seja na execução promovida contra devedor solvente.

Ora, no caso dos honorários de sucumbênica ocorre exatamente o mesmo. O advogado contratado para atuar em um processo judicial cobra um valor fixo inicial, normalmente estipulado com base na tabela divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil, mais a eventual sucumbência, em caso de sucesso na lide.

Da mesma forma que ocorre com o trabalhador celetista, a aleatoriedade do recebimento da verba adicional, por si só, não é suficiente para retirar-lhe o caráter alimentar.

O raciocínio é sempre o mesmo: das inúmeras roupas que um vendedor tem à sua disposição, apenas as efetivamente vendidas lhe conferirão direito à comissão de que tira, juntamente com o salário fixo, seu sustento. Igualmente, dentre as diversas causas que um advogado patrocina, é das que ele vencer, juntamente com os honorários fixos, que será tirado seu sustento e o sustento de sua família.


É fato que o advogado não conta com o recebimento de determinada quantia futura para fazer seu planejamento, mesmo porque ele não sabe quais causas vai ganhar e quais vai perder. Todavia, não se pode esquecer que é extremamente comum que o advogado não tenha entradas fixas em seu escritório, decorrentes de contratos de partido, suficientes para lhe garantir o sustento. Assim, quando o advogado recebe honorários de sucumbência, costuma formar uma reserva de capital, que posteriormente utiliza por muitos meses, até que outras causas em andamento lhe rendam honorários que renovem essa reserva, e assim sucessivamente. Portanto, o que determina o planejamento de vida do advogado não é a expectativa de uma entrada futura específica, mas o controle sobre a reserva decorrente das entradas passadas.

Infelizmente, nem todos os escritórios são equilibrados em termos de entradas e despesas fixas, que podem dizer que os honorários de sucumbência são meramente um plus, um prêmio. Para a grande massa dos advogados, eles fazem parte do sustento.

A analogia com o Direito do Trabalho, portanto, e com as hipóteses de trabalhadores comissionados, é perfeitamente possível. O Direito é uno. As proteções conferidas ao salário, em virtude de sua natureza alimentar, encontram sua mais perfeita elaboração no Direito do Trabalho. Portanto, para que se possa, de maneira coerente com todo o sistema, defender que a aleatoriedade no recebimento de um valor retira sua natureza alimentar, é necessário explicar por que, no Direito do Trabalho, isso não ocorre.

III. b) Ausência de subordinação

Com relação à ausência de subordinação entre advogado e cliente, acredito que esse argumento não é relevante para a definição desta controvérsia. Com efeito, a ausência de subordinação demonstra apenas que não há relação de emprego entre o causídico e a parte que ele representa em juízo. Relação de emprego somente existe quando se fazem presentes todos os cinco requisitos do art. 3º da CLT, ou seja, trabalho prestado por pessoa física, com habitualidade, subordinação, pessoalidade e remuneração mediante salário.

Todavia, o fato de não existir relação de emprego não influi no caráter alimentar da verba honorária. O salário de um empregado não é protegido, por lei, porque o trabalho é subordinado. Ele é protegido porque representa a fonte de sustento do trabalhador. O foco da questão, portanto, não é a subordinação, mas a natureza alimentar da verba.

IV) A natureza alimentar diante do art. 186 do CTN

Estabelecido que é alimentar a natureza dos honorários advocatícios, resta saber se é possível conferir a eles a proteção fixada pelo art. 186 do CTN aos salários. À época da controvérsia, essa norma dispunha que:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.

Atualmente, esse dispositivo foi alterado para incluir em seu rol os créditos decorrentes de acidentes do trabalho (Lei Complementar nº 118/2005), mas essa alteração não é relevante para este processo.

Para o fechamento do raciocínio que ora se expõe, resta apenas saber se, dada a natureza alimentar dos honorários, eles podem ser incluídos no conceito de “créditos decorrentes da legislação do trabalho” mencionados na lei.

Observe-se que a definição dessa circunstância não depende da confrontação entre o art. 24 do Estatuto da OAB e do art. 186 do CTN, como entendeu o Tribunal a quo. Se efetivamente houvesse um confronto entre essas duas normas, naturalmente a norma tributária, por estar inserida em Lei Complementar, deveria prevalecer.

A solução da questão, em verdade, está na finalidade visada pela lei ao estipular a proteção aos créditos trabalhistas diante dos tributários. Nesse particular, portanto, vale o mesmo raciocínio que fiz no supracitado REsp nº 566.190/SC, por ocasião da definição sobre a preferência dos honorários no concurso falimentar.

Naquela oportunidade, defendi que:

“A análise meramente literal do dispositivo de lei, naturalmente, levaria à conclusão de que somente os salários, stricto sensu, são passíveis da proteção absoluta. Todavia, uma reflexão um pouco mais detida leva a conclusão oposta. As proteções conferidas ao salário, como a que ora se comenta, não foram estabelecidas pela lei de maneira meramente dogmática. Há, naturalmente, uma finalidade que a norma pretende atingir.

No caso em tela, essa finalidade é garantir ao trabalhador que , na medida do possível, receba seus proventos, e, conseqüentemente, tenha garantida sua sobrevivência e a de sua família. Vale dizer: é o caráter alimentar do salário que justifica a proteção que a lei lhe concede. Tanto que o princípio da intangibilidade dos salários, cujo corolário é a impenhorabilidade dessa verba, comporta a expressa exceção fixada pelo artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil, para prestações de natureza alimentícia. Esse é o fundamento da proteção legal ao salário. Ora, se do caráter alimentício também estão revestidos os honorários, não vejo motivo pelo qual não se deveria estender também a eles a proteção legal.

Note-se que, aqui, não estou a dizer que honorários e salários são figuras idênticas. Salário, nos termos dos arts 457 e 458 da CLT, é a remuneração paga pelo empregador ao empregado (pessoa física), como remuneração pela prestação de serviços no âmbito de uma relação de emprego. A figura do salário é específica, e para sua caracterização devem estar presentes os requisitos do artigo 2º da CLT. O que afirmo, em vez disso, é que na natureza alimentar, e somente nela, as figuras são afins.

Ora, se são figuras afins em sua natureza alimentar, o privilégio conferido pela Lei de Falências aos salários deve ser estendido também aos honorários, porquanto é exatamente isso que a Lei visa a proteger. Interpreta-se, portanto, o caput do art. 103 de maneira extensiva, atribuindo-lhe o significado amplo de remuneração.

Forte em tais razões, conheço e dou provimento ao presente recurso especial, para o fim de reconhecer aos recorrentes privilégio a que se refere o art. 186 do CTN para o recebimento das verbas honorárias sub judice.

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