Dia de faxina

Limpar área de pastagem não é crime ambiental

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3 de agosto de 2005, 14h38

Proprietário rural que limpa terreno para desobstruir área de pastagem de sua fazenda não comete crime ambiental. O entendimento, unânime, é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O fazendeiro recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A segunda instância negou o pedido para trancar a Ação Penal que o proprietário responde por crime ambiental.

No STJ, a defesa do fazendeiro alegou que o fato do qual ele é acusado é atípico e a denúncia inepta. Primeiro porque a ação não deixa claro qual área da fazenda fazia parte da floresta e depois porque não descreveu que a floresta era de preservação permanente.

Segundo a defesa, trata-se de crime impossível, porque o pecuarista somente limpou a área de pastagens de sua fazenda. “Conforme se infere da legislação própria, ou seja, a Lei Estadual 14.309/02, vigente à época dos fatos, não há necessidade de prévia autorização para exploração de áreas que não sejam florestas nativas ou de preservação permanente ou de reserva legal”, sustentou o fazendeiro.

O relator da questão, ministro Hamilton Carvalhido, atendeu o pedido da defesa e mandou trancar a Ação Penal. O ministro acolheu o argumento de inépcia formal da denúncia por entender que não se tratam de simples omissões e circunstâncias acidentais do fato, mas de imputação de fato atípico.

RHC 16.651

Leia a íntegra do voto

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 16.651 – MG (2004⁄0136135-5)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):

Recurso ordinário contra acórdão da Segunda Câmara Mista do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que, denegando writ impetrado em favor de José Artur Barbosa Afonso, preservou-lhe o processo da ação penal a que responde como incurso nas sanções do artigo 38 da Lei nº 9.605⁄98, assim ementado:

“HABEAS CORPUS – CRIME AMBIENTAL – EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS – INVIABILIDADE EM SEDE DE HABEAS CORPUS – DENÚNCIA EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – ORDEM DENEGADA.

I – Quando para se aferir se a conduta constitui crime ou não é necessário o profundo exame das provas, o habeas corpus não é via adequada para aferir a tipicidade.

II – É cediço que o magistrado não está adstrito à capitulação dos fatos dada pelo Ministério Público.

III – A denúncia não é inepta quando preenche os requisitos do artigo 41 do CPP.

IV – Ordem denegada.” (fl. 104).

Está o recorrente em que o fato é atípico e a denúncia inepta, eis que, em síntese, “A uma, porque não descreveu que a área se tratava de floresta; a duas, porque não descreveu que a floresta era de preservação permanente; a três, porque a descrição da conduta em si só já deve caracterizar crime, consoante a regra do art. 43, I do CPP, sob pena de inépcia; a quatro, porque a conduta descrita não é crime previsto na Lei 9.605⁄98, ou sequer infração administrativa descrita no Dec. Lei 3.179⁄99.” (fl. 132).

Aduz, mais, que, afora tratar-se de crime impossível, “o que o paciente fez, licitamente, foi limpar a área de pastagens de sua fazenda próximo a sede.”, e “Isso, conforme se infere da legislação própria, ou seja, a Lei Estadual 14.309⁄02, vigente à época dos fatos, não há necessidade de prévia autorização para exploração de áreas que não sejam florestas nativas ou de preservação permanente ou de reserva legal.” (fl. 136).

Alega, ainda, que nem “sequer houve, conforme determina a legislação ambiental, a apreensão de qualquer material ou rendimento lenhoso, com a feitura do corpo de delito e da lavratura de auto de infração. Engana se o ilustre relator ao afirmar que houve a apreensão de material lenhoso, pois basta uma leitura no B.O. que se verifica que não houve a apreensão, pelas próprias palavras de seus subscritores. O auto de infração que está nos autos pertence à outra pessoa, e não a esposa do paciente, que se chama Maria do Carmo Rodrigues Scalon Afonso. E inclusive, o auto que consta nos autos menciona propriedade diversa da do paciente. Não há, portanto prova da materialidade, que viabilize a ação penal, porquanto não há tipicidade aparente.” (fl. 139).

Pugna, ao final, pelo trancamento da ação penal.

Contra-razões às fls. 144⁄147.

O Ministério Público Federal veio pelo improvimento do recurso, em parecer assim sumariado:

“Penal. Processo Penal. Recurso em Habeas Corpus. Crime contra o meio Ambiente. Lei nº 9.605⁄98. Pleito de trancamento da Ação Penal. Alegação de atipicidade da conduta. Improcedência. A conduta descrita na peça pórtica revela, ao menos em tese, a ocorrência de fato típico, enquadrando-se acertadamente ao tipo.

‘(…) Ajustando-se a vestibular acusatória ao comando do artigo 41 do Código de Processo Penal e descrevendo, pois, fatos, em tese, criminosos, não há de falar em trancamento da ação penal, somente cabível na via angusta do remédio heróico quando demonstrados, na luz da evidência, primus ictus oculi, a exclusão da autoria, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, adequados, sim, ao tempo e à sede da sentença.’

Precedente do STJ.

Pretensão de exame fático-probatório que refoge aos estreitos limites do remédio heróico. O parecer é pelo conhecimento e não-provimento do recurso.” (fl. 153).

É o relatório.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 16.651 – MG (2004⁄0136135-5)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):

Senhor Presidente, é está a letra da denúncia:

“O Ministério Público do Estado de Minas, por meio do Promotor de Justiça em exercício nesta Comarca, no uso de suas atribuições e com base no incluso inquérito policial militar, vem, respeitosamente, oferecer denúncia contra:

José Arthur Barbosa Afonso, brasileiro, casado, advogado, nascido aos 16 de fevereiro de 1942, natural de Sacramento⁄MG, filho de Leonidas Afonso Primo e de Maria da Glória Barbosa Afonso, residente na rua Capitão Borges, nº 271, bairro Centro, na cidade de Sacramento⁄MG.

Pela prática do seguinte fato delituoso:

Consta no procedimento policial que no dia 03 de janeiro de 2003, durante uma fiscalização da Polícia Militar Florestal, na Fazenda Santo Antônio, nesta Cidade, de propriedade do denunciado, onde foi constatado uma destoca em corte raso em uma área estimada em 0,3 hectares, equivalente a 18 (dezoito) metros cúbicos de lenha, de responsabilidade do denunciado.

Relata mais, o caderno policial, que o corte foi efetuado sem autorização do órgão ambiental competente.

ASSIM, tendo o denunciado incorrido nas iras do artigo 38, da Lei nº 9.605⁄98 do Código Penal Brasileiro.

(…)” (fls. 16⁄17).

E esta, a do artigo 38 da Lei nº 9.605⁄98:

“Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

Manifesta a incompatibilidade entre o fato imputado e o tipo do artigo 38 da Lei nº 9.605⁄98, a declaração da inépcia formal da denúncia faz-se imperativa, não se cuidando, como não se cuida de simples omissões e circunstâncias acidentais do fato, mas de imputação de fato atípico.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso ordinário para trancar a ação penal.

É O VOTO.

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